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AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO: FORMAÇÃO E ATUAÇÃO INTELECTUAL NOS ANOS

3 AFONSO ARINOS: HISTÓRIA DE VIDA VERSUS HISTÓRIA DO BRASIL

3.3 AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO: FORMAÇÃO E ATUAÇÃO INTELECTUAL NOS ANOS

A reflexão sobre a formação desse intelectual, bem como a identificação de suas leituras, visa proporcionar maior compreensão acerca das ideias contidas em seus escritos. Afonso Arinos teve uma sólida e privilegiada formação bem característica daquela dirigida aos homens de seu tempo e de sua posição social e econômica. Essa formação comportava uma grande aproximação com as chamadas humanidades desde a sua trajetória no Colégio Pedro II no Rio de Janeiro. Essa instituição, desde o século XIX até meados do XX, dava grande importância às disciplinas fundamentadas na cultura clássica, como História, Geografia, Latim, Grego, Literatura, Filosofia e Retórica, que representavam mais de 50% da carga horária do programa dessa escola124.

Conforme B. Santos125, o Colégio Pedro II pode ser considerado, junto com o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), um grande aliado na construção de uma História do Brasil no pós-independência. Essa autora constatou que os programas de ensino desse estabelecimento educacional eram instituídos pelo governo imperial e seguiam os ideais do Império de gerir um projeto para uma nação que se identificava com o homem branco europeu e cristão. Para ela, a escrita da história do Brasil proposta pelo Colégio D. Pedro II fundamentava-se na concepção de uma história universal ligada às tradições iluministas. Essa autora informa ainda que a disciplina História compunha o currículo das Humanidades, seguindo o padrão da Antiguidade clássica cuja formação oferecida inspirava-se na educação francesa, tendo como modelos as escolas idealizadas por Napoleão Bonaparte.

O colégio Dom Pedro II, conforme B. Santos126, ao manter um estudo fundamentado na cultura clássica, tinha por objetivo promover a construção de valores que qualificariam o cidadão. Investia em conteúdos que oferecessem modelos de conduta, valorizando a figura do herói da antiguidade cujas virtudes deveriam inspirar os jovens alunos. E foi com essa inspiração que muitos integrantes das classes mais privilegiadas, e que formariam o quadro de políticos, intelectuais e demais figuras que ocuparam os cargos de poder nas instituições

124 SANTOS, Beatriz Boclin Marques dos. O currículo da disciplina escolar história no Colégio Pedro II – a década

de 1970 – entre a tradição acadêmica e a tradição pedagógica: a história e os estudos sociais. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2011. p. 18-19.

125 SANTOS, Beatriz Boclin Marques dos. Uma escola para poucos. Revista de História da Biblioteca Nacional,

Rio de Janeiro, ed. 59, p. 1-3, ago. 2010. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/ secao/educacao/uma-escola-para-poucos>. Acesso em: 10 jan. 2016. p. 3.

brasileiras públicas e privadas, foram formados nessa instituição de ensino, dentre eles Afonso Arinos, que ingressou nesse Colégio em 1917.

No período em que se matriculou no D. Pedro II, Afonso Arinos certamente recebeu o conteúdo dos programas reformulados em 1912, implantados pelo Decreto no 8.659, de 5 de abril de 1911, que estabelecia novas regras de ensino e dava autonomia aos Institutos de Ensino que, até aquele momento, eram controlados pelo Ministério da Justiça127. Em 1911 o programa de História sofreu modificações feitas pelos catedráticos João Ribeiro e Escragnolle Dória. Segundo estes, a história seria estudada com ênfase nas questões relativas à civilização, com foco especialmente na história da América e do Brasil.

As reformulações desse programa seguiam as discussões em torno da História Cultural alemã e mantinham uma perspectiva evolucionista, ao afirmarem que o programa visava examinar as causas que influenciavam o “[...] progresso ou o estacionamento da civilização nos grandes períodos históricos”128. E será exatamente o tema civilização que ocupará a atenção de Afonso Arinos na década de trinta, já bacharel e professor da cadeira de “História da Civilização do Brasil” na Universidade do Brasil. Sua experiência em ministrar essa disciplina resultou na publicação do livro Conceito de Civilização Brasileira em 1936129.

Essas referências ao programa de História do Colégio D. Pedro II permitem entender qual ou quais concepções permearam a formação e orientaram as leituras de Afonso Arinos, pois as reformulações no programa estavam relacionadas às concepções de história dos catedráticos que as elaboravam. Essas concepções, bem como os programas da disciplina, permaneceram inalteradas de 1912 a 1926130, abrangendo o período em que Afonso Arinos foi estudante daquela instituição. Como vimos, um dos professores responsáveis pelas modificações no programa de história foi o catedrático João Ribeiro, também autor de livros didáticos que circularam tanto no Colégio D. Pedro II como em outros estabelecimentos de ensino por muitas décadas do século XX.

Afonso Arinos, ao ser perguntado sobre sua passagem por aquela instituição de ensino, confirmou tanto a influência de João Ribeiro em sua formação como o peso que aquela instituição teve em sua trajetória, marcando-o profundamente, e cita nomes como: Carlos de

127 SANTOS, Beatriz Boclin Marques dos. O currículo da disciplina escolar história no Colégio Pedro II – a década

de 1970 – entre a tradição acadêmica e a tradição pedagógica: a história e os estudos sociais. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2011. p. 18-19. p. 97.

128 Ibid., p. 98. Esta autora cita os Programas de Ensino de 1911 do Colégio Pedro II.

129 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Conceito de civilização brasileira. Rio de Janeiro: Companhia da Editora

Nacional, 1936. (Coleção Brasiliana).

Laet, jornalista, poeta e professor de português, que foi também diretor do Internato Pedro II; João Ribeiro, catedrático que substituiu Capistrano de Abreu quando a Cadeira de História do Brasil foi extinta, e Silva Ramos, poeta e filólogo que ensinava português no colégio. Apesar de referir-se a João Ribeiro como alguém que lhe revelou a moderna poesia brasileira, ao apresentar-lhe Jardim das Confidências, de Ribeiro Couto131, e não fazer menção a este enquanto historiador, certamente, Afonso Arinos não ficou imune às influências desse professor, já que suas aulas de História trouxeram mudanças em relação ao que era ensinado até o final do século XIX e cujos livros foram adotados para os alunos do Colégio D. Pedro II de 1901 até aproximadamente 1926132.

Convém refletirmos – com base nas ações de João Ribeiro – sobre as mudanças propostas no currículo de História que balizou a formação de Afonso Arinos, uma vez que esse professor foi um dos responsáveis pela sua formação. Conforme B. Santos133, João Ribeiro ingressou no Colégio D. Pedro II em 1887, assumindo a cadeira de História Universal e do Brasil, nele permanecendo até 1925. Em 1895, como integrante do Comissionado do Governo para a Instrução Pública, viajou para França, Inglaterra, Holanda e Alemanha, a fim de estudar as características da instrução pública nesses países. Permaneceu tempo suficiente na Alemanha para receber forte influência da Kulturgeschichte, a História Cultural alemã.

De acordo com Burke134, a história cultural redescoberta nos anos 1970 já era praticada na Alemanha com esse nome de Kulturgeschichte há mais de 200 anos. Anterior a esse período, produzia-se separadamente a história da filosofia, da pintura, da literatura e assim por diante. A partir de 1780, já era possível encontrar histórias da cultura humana ou de determinadas regiões ou de nações. Ainda segundo o autor citado, essa história cultural pode ser dividida em quatro fases, ainda que as linhas culturais se entrelacem, já que não eram tão claras na época em que foram constituídas: a fase “clássica”, a fase da “história social da arte”, a descoberta da cultura popular e a “nova história cultural” 135.

131 COUTO, Ribeiro. Jardim das Confidências. Rio de Janeiro: Monteiro Lobato, 1921. Apud CAMARGO,

Aspásia; MARIANI, Maria Clara; TEIXEIRA, Maria Tereza. O intelectual e o político: encontros com Afonso Arinos. Brasília: Senado Federal; Dom Quixote; Rio de Janeiro: CEPDOC/Fundação Getúlio Vargas, 1983. (Série Brasil, Memória Política, v. 2). p. 92.

132 SANTOS, Beatriz Boclin Marques dos. O currículo da disciplina escolar história no Colégio Pedro II – a década

de 1970 – entre a tradição acadêmica e a tradição pedagógica: a história e os estudos sociais. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2011. p. 101.

133 Ibid., p. 100-101.

134 BURKE, Peter. O que é História Cultural? Tradução Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

2005. p. 15.

No período em que João Ribeiro esteve na Alemanha, a influência recebida da

Kulturgeschichte teria sido por meio da obra de Karl Gotthard Lamprecht (1856-1915).

Conforme Martins136, Lamprecht foi, na virada do século XIX para o XX, o historiador mais polêmico. A sua proposição de uma hipótese de “regularidades históricas” constituiu-se na primeira grande polêmica teórico-metódica da historiografia alemã do século XX. Essa hipótese originou-se da Psicologia e dos seus progressos e enunciava regularidades psicossociais na História.

Ainda segundo Martins137, Lamprecht opôs-se a uma historiografia tradicional, fundamentalmente centrada numa história política, ao propor uma história cultural, que abrangia a totalidade dos fenômenos sociais, econômicos, políticos e culturais. A proposta de Lamprecht incluía uma redefinição do objeto mesmo da História.

De acordo com B. Santos138, ao regressar ao Brasil, João Ribeiro, impressionado com as proposições de Lamprecht, apresentou inovações no campo da história que romperam com a concepção historiográfica de Varnhagem – fundamentada no que se denominou de historiografia positivista – e consolidada por Joaquim Manuel de Macedo, que prevalecia ainda nos primeiros anos do século XX.

Conforme os estudiosos139 da obra de João Ribeiro, desde esse momento, a história do Brasil deixava de ser a história de governadores, vice-reis e imperadores para ser uma história que incluía o povo brasileiro. Segundo Rocha Júnior140, João Ribeiro teria dado menos importância a uma história político-administrativa e enfatizado as formas da cultura, ao tratar da formação do povo brasileiro, evidenciar as tendências e características da nossa coletividade, traçar as linhas gerais do desenvolvimento histórico e mostrar a relação da nossa história com o desenvolvimento da cultura ocidental.

136 MARTINS, Estevão de Resende. Historiografia alemã no século XX: encontros e desencontros. In:

MALERBA, Jurandir; ROJAS, Carlos Aguirre (Org.). Historiografia contemporânea em perspectiva critica. Bauru, SP: EDUSC, 2007. (Coleção História). p. 45-67. p. 48.

137 Ibid., p. 48.

138 SANTOS, Beatriz Boclin Marques dos. O currículo da disciplina escolar história no Colégio Pedro II – a década

de 1970 – entre a tradição acadêmica e a tradição pedagógica: a história e os estudos sociais. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2011. p. 101.

139 Ver dentre outros: SILVA, Roberto Cândido da. O polígrafo interessado: João Ribeiro e a construção da

brasilidade. 2008. 200 f. (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008. Disponível em: <www.filosofiacapital.org/ojs-2. 1.1/index.php/filosofiacapital/.../108>. Acesso em: 26 abr. 2016.

140 ROCHA JÚNIOR, Roosevelt Araújo da. João Ribeiro entre História, gramática e filologia. Revista Philologus,

Rio de Janeiro, Ano 12, n. 36, p. 1-2, set./dez. 2006. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/ revista/36/06.htm>. Acesso em: 01 maio 2016. p. 2.

Pereira141 também segue a linha que aponta as mudanças propostas por João Ribeiro como um rompimento com uma concepção de história cuja ênfase dos conteúdos recaía sobre as questões políticas-administrativas. Para essa autora, João Ribeiro trazia também a novidade de que a história era uma ciência de construção crítica com sistematização de dados para atingir, então, a síntese. Ainda conforme Pereira 142, João Ribeiro “[...] opta por fazer da história um canal cultural; sendo assim, preserva a mentalidade coletiva do povo brasileiro através da representação e apropriação social”.

Vários autores apontam como representativa dessa ruptura a famosa obra História do

Brasil, escrita por João Ribeiro, para o curso superior e adotada pelo Colégio D. Pedro II.

Conforme as avaliações, nela estão presentes preocupações com cultura e civilização, quando João Ribeiro143 afirma: “Ninguém antes de mim delineou os focos de irradiação da cultura e civilizamento do país [...]”. Essa passagem tem sido recorrente nas citações daqueles que interpretam a referida obra como ruptura da história proposta por Varnhagen. Entretanto, Rodrigues144 observa que a crítica de João Ribeiro “[...] não recai sobre a forma como a obra de Varnhagen foi construída, mas sobre aspectos específicos”. Para ele, esses aspectos seriam fruto do desenvolvimento da pesquisa histórica no Brasil, que teria proporcionado o confronto de novas fontes e maior conhecimento de determinados episódios do passado145.

Outra característica apontada como inovação em João Ribeiro, conforme B. Santos146 diz respeito à concepção de tempo, na qual o passado não seria mais estudado como um “[...] tempo

141 PEREIRA, Alzira das Chagas. Memória e História na obra de pedagógica de João Ribeiro (1890-1925). Rio de

Janeiro. 1998. Dissertação (Mestrado em Memória Social e Documento) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 1998. p. 12. (Apud SANTOS, Beatriz Boclin Marques dos. O currículo da disciplina escolar

história no Colégio Pedro II – a década de 1970 – entre a tradição acadêmica e a tradição pedagógica: a

história e os estudos sociais. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2011. p. 101).

142 Ibid.

143 RIBEIRO, João. História do Brasil. Curso superior adotado no Ginásio Nacional. 7. ed. Rio de Janeiro: Livraria

Francisco Alves, 1917. p. 3. (Apud SANTOS, Beatriz Boclin Marques dos. O currículo da disciplina escolar

história no Colégio Pedro II – a década de 1970 – entre a tradição acadêmica e a tradição pedagógica: a

história e os estudos sociais. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2011. p. 104).

144 RODRIGUES, Rogério Rosa. Crítica e erudição em João Ribeiro. Revista Dimensões, Vitória, ES, v. 30, p. 97,

2013. Disponível em: <www.periodicos.ufes.br/dimensoes/article/download/6146/4487>. Acesso em: 01 maio 2016.

145 Outros autores também relativizam essa renovação historiográfica por meio da obra de João Ribeiro. Sobre esse

assunto. Cf.: CENTENO, Carla Villamaina. O compêndio História do Brasil – curso superior de João Ribeiro: análise sob a perspectiva da organização do trabalho didático. Revista Acta Scientiarum Education, Maringá, v. 35, n. 2, p. 169-178, jul./dez. 2013. Disponível em: <http://periodicos.uem.br/ ojs/index.php/ActaSciEduc/issue/view/814/showToc. Acesso em: 01 maio 2016.

146 SANTOS, Beatriz Boclin Marques dos. O currículo da disciplina escolar história no Colégio Pedro II – a década

de 1970 – entre a tradição acadêmica e a tradição pedagógica: a história e os estudos sociais. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2011. p. 101.

imutável, ‘uma matéria acabada’, mas interpretado como um objeto de conhecimento a partir do presente do historiador”.

Ainda sobre as inovações atribuídas à obra de João Ribeiro, Reznik147 alerta que o fato de esse autor ter proposto uma história brasileira contada com base em características singulares não significa que os elementos identificados como constituintes dessa história fossem específicos do Brasil; eles eram ao mesmo tempo singulares e universais. Tratava-se de elementos comuns a todas as nações. Sendo universais, elementos como religião, territorialidade, língua materna, características étnica/racial apresentavam-se de forma peculiar na formação de cada povo.

As breves linhas do debate sobre João Ribeiro que apresentamos adquiriram significado neste estudo, na medida em que esse autor observou questões que posteriormente foram apreciadas por Afonso Arinos, quando escreveu Conceito de Civilização Brasileira, demonstrando que as aulas com esse professor, que se tornou seu amigo148, apesar da diferença de idade, parecem ter influenciado as concepções de história que anos depois nortearam seus escritos, especialmente no que se refere às preocupações em visitar o passado como forma explicativa do presente e também no que toca às questões relativas à cultura e à civilização.

Caracterizado um dos elementos da formação de Afonso Arinos, no que diz respeito a sua passagem pelo Colégio Dom Pedro II e à sua relação com as concepções de História, por meio do seu professor João Ribeiro, ressaltamos outro aspecto que frequentemente tem sido apontado como complementar dessa formação. Trata-se das constantes viagens que marcaram sua trajetória. Com motivações diversas, essas viagens são valorizadas tanto por aqueles que trataram da sua obra quanto por ele mesmo. Além dos problemas relativos à saúde, que o levaram a viajar para a Suíça em busca do tratamento de uma tuberculose, missões diplomáticas, passeios e outras razões também o levaram a viajar por vários países.

As oportunidades de complementar a formação com constantes viagens a Europa, como era comum aos membros das elites brasileiras da sua época, permitiu-lhe um reencontro com as tradições clássicas que, no entendimento de Cavalcante149, marcaram decisivamente sua trajetória intelectual. Essa autora avaliou o impacto dessas viagens em sua vida pessoal e em

147 REZNIK, Luís. O lugar da História do Brasil. In: MATTOS, Ilmar Rohloff de (Org.). Histórias do ensino da

História no Brasil. Rio de Janeiro: Access, 1998. p. 67-89. p. 79. (Apud SANTOS, B., 2011, op. cit., p. 106-107).

148 CAMARGO, Aspásia; MARIANI, Maria Clara; TEIXEIRA, Maria Tereza. O intelectual e o político: encontros

com Afonso Arinos. Brasília: Senado Federal; Dom Quixote; Rio de Janeiro: CEPDOC/Fundação Getúlio Vargas, 1983. (Série Brasil, Memória Política, v. 2). p. 93.

149 CAVALCANTE, Berenice. Passaporte para o futuro: Afonso Arinos de Melo Franco, um ensaísta da

sua formação intelectual. Duas delas chamaram a atenção de Cavalcante150: a viagem a Roma, descrita pelo próprio como uma experiência única; e a estadia em Genebra, em que teve aulas com o filólogo Séchaye151.

Esta última foi analisada por Cavalcante152 como momento em que Afonso Arinos aguçou ainda mais o gosto pelo estudo das humanidades já iniciado no colégio Pedro II no Rio de Janeiro, quando descobriu que “[...] letras não era um assunto e um divertimento que servisse apenas para ilustrar as conversas após o jantar na casa de seus pais”.

O contato de Afonso Arinos com as obras dos humanistas do Renascimento foi possibilitado por Séchaye, professor francês com cátedra na Suiça e profundo conhecedor da literatura francesa, que também lhe propiciou revisitar os escritos da chamada cultura clássica. Ele demonstra, no prefácio da obra O Índio Brasieiro e a Revolução Francesa (1937), grande entusiasmo pelo método de ensino usado por Séchaye. Sem entrar em detalhes que nos permitam situar o metodo teórico usado por esse professor, Afonso Arinos confessa que se tratava de método indispensável à formação de uma elite apta a governar a Nação153. Essa observação indica uma possível vinculação teórica de Séchaye com Vilfredo Pareto154 e sua teoria das elites. Portanto, bem apropriado aos objetivos e ideias nutridos por Afonso Arinos que, como veremos adiante, defendia a primazia das elites na condução do país.

Os estudos com o professor francês ocorreram quando Afonso Arinos teve que interromper o curso superior aqui no Brasil por problemas de saúde, buscando os Alpes Suiços para a cura. Nesse período, entre 1924 e 1925, tornou-se leitor assíduo de pensadores como Montaigne e Pascal. Em 1930, ao retornar à Suiça, interessou-se também pela obra de Rousseau155 e pôde

150 CAVALCANTE, Berenice. Passaporte para o futuro: Afonso Arinos de Melo Franco, um ensaísta da

República. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2006. p. 51.

151 Em A Alma do Tempo, Afonso Arinos descreveu esse filólogo da seguinte forma: “O professor Séchaye era um

velhinho de curta barba grisalha, seco, tolerante e levemente irônico, bem à maneira de Mr. Bergeret. Conservava cuidadosamente fechadas as vidraças da sala de trabalho atulhada de livros e transitava dentro de casa com um paletó de veludo e um boné de seda. Saía de casa para a escola e vice-versa. Com suas janelas fechadas, ele não se debruçara sobre os ruídos do século XX”. (FRANCO, Afonso Arinos de Melo. A Alma do

Tempo: memórias de Afonso Arinos de Melo Franco. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: Instituto Nacional

do Livro, 1979. (Coleção Alma do Tempo, v. 1). p. 116). (Mr. Bergeret é uma referência a um personagem da obra Monsieur Bergeret à Paris de Anatole François Thibault (1844-1924), escritor francês literariamente conhecido por Anatole France. Era um dos autores preferidos por Afonso Arinos).

152 CAVALCANTE, op. cit., p. 51.

153 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa: as origens brasileiras da teoria

da bondade natural. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1937. (Coleção Documentos Brasileiros). p. 3.

154 PARETO, Vilfredo. Traité de Sociologie Générale. Édition française par Pierre Boven revue par l’auteur.