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ESTADO BRASILEIRO E POVOS INDÍGENAS

2 CENÁRIO DOS ESTUDOS BRASILEIROS E DA ATUAÇÃO DE AFONSO ARINOS NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO

2.5 ESTADO BRASILEIRO E POVOS INDÍGENAS

Conforme Rocha91, durante o império, o liberalismo e o romantismo forneceram as bases ideológicas da política indigenista, que se assentava no binômio civilização e catequese. Na República, o evolucionismo com suas vertentes positivista e liberal deu o tom dessa política até 1930. No pós-1930, o nacional-desenvolvimentismo orientou a ação indigenista do Estado brasileiro.

A partir de 1930, as mudanças que ocorreram na chamada sociedade civil também impulsionaram as transformações nas políticas destinadas aos povos indígenas. Nesse período, instituído desde 1910 com o nome de Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), o SPI passou por mudanças em sua estrutura e organização. Uma delas foi sua subordinação ao recém-criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, como uma seção do Departamento Nacional de Povoamento92.

Problemas nesse órgão, como dispensa de inspetores, substituição de funcionários, quadro de pessoal despreparado, além de falta de verbas, concorreram para o fechamento de postos indígenas. Com a diminuição de sua presença em áreas de intensa disputa pelas terras dos povos indígenas, aumentaram as pressões sobre esses povos. Esse quadro motivou reivindicações de mudanças que culminaram novamente na suasubordinação ao Ministério da Guerra em 1934. Entre os defensores dessa mudança estavam os oficiais positivistas liderados por Cândido Rondon93.

Essa subordinação ao Ministério da Guerra viria acompanhada de um discurso construído pelo próprio SPI em torno da “nacionalização dos silvícolas” e da sua transformação em “guardas de fronteiras”, preocupações que foram apresentadas no regulamento do órgão aprovado em 1936. Com isso, enfatizavam-se as populações indígenas localizadas em áreas de fronteiras em detrimento das que estavam assentadas em outros espaços. Conforme Rocha94, as constantes alterações a que foi submetido o SPI concorreram para uma conjuntura de decadência das ações assistenciais do Estado junto a essas populações até os anos 1940. Em 1934, o SPI emitiu um relatório em que denunciava essa situação:

Começaram os ataques aos índios e a tomada das suas terras, sobretudo no Pará, no Paraná, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, no Estado do Amazonas e na Bahia;

91 ROCHA, Leandro Mendes. A política indigenista no Brasil: 1930-1967. Goiânia: EDUFG, 2003. p. 45. 92 Ibid., p. 51.

93 Ibid., p. 52. 94 Ibid., p. 52.

o abandono dos postos de atração pelos índios pacificados, que retornaram à mata e recomeçaram as hostilidades, como se viu no sul da Bahia; o abandono das lavouras e campos de criação, a perda de máquinas, instalações e utensílios custosos; roubos e dispersão de gado. Enfim para acabar de aniquilar o que restava do Serviço surgiu verdadeiro assalto aos bens da Ação [sic] e dos índios, acumulados nos postos, como aconteceu no Posto da “Ilha do Bananal”, em Goiás95.

Em que pese tratar-se de um documento que visava, por um lado, convencer o governo da necessidade de maiores investimentos e maior atenção às políticas definidas pelo órgão e, por outro, convencer a sociedade e o próprio Estado do esforço no cumprimento do seu papel, as denúncias apresentadas apontam a omissão do Estado brasileiro na condução dessa política, no que se refere à pretensão de salvaguardar os interesses e os direitos dos povos indígenas. Apesar de incluir, na Constituição de 1934, o direito dessas populações às terras, o Estado mostrava toda sua inoperância e sua pouca disposição de fazer valer sua lei maior frente aos interesses dos grupos econômicos.

Por outro lado, ainda que haja exagero na descrição feita pelo SPI em função da natureza desse documento, as situações não parecem estar distantes do que os povos indígenas enfrentavam. Especialmente se lembrarmos de que, em 1937, a matéria escrita por Heloisa Torres para a Revista do SPHAN trazia denúncias da mesma ordem no tocante à expropriação das terras indígenas. Lembramos que essa antropóloga admitia que exemplificar tais casos implicaria em redigir centenas de livros. Embora significativos, os exageros constituem indicativos da gravidade da situação a que foram expostas as populações indígenas frente à política indigenista articulada pelo governo de Getulio Vargas.

A atuação dos órgãos responsáveis por essa política e todas as transformações, particularidades e complexidades podem ser conhecidas em bibliografia que analisa a ação do Estado brasileiro junto às populações indígenas. Na impossibilidade de realizarmos, neste espaço, um estudo mais detalhado acerca dessa questão, remetemos o leitor às fontes referidas na nota96 e nos deteremos, deste ponto em diante, nas indicações da atuação dos intelectuais

95 BRASIL. Ministério da Guerra. SPI Relatório de Atividades. Rio de Janeiro, 1934. p. 8. (Apud ROCHA, Leandro

Mendes. A política indigenista no Brasil: 1930-1967. Goiânia: EDUFG, 2003. p. 52-53).

96 RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 1990; GAGLIARDI, José Mauro. O indígena e a República. São Paulo: Hucitec, 1989; LIMA, Antonio Carlos de Souza. O governo dos índios sob a gestão do SPI. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP, 1992. p. 155-174; LIMA, Antonio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995; ROCHA, Leandro Mendes. A política

indigenista no Brasil: 1930-1967. Goiânia: EDUFG, 2003; GARFIELD, Seth. A luta indígena no coração do

Brasil: política indigenista a Marcha para o Oeste e os índios Xavante (1937-1988). São Paulo: Edunesp, 2011;

FREIRE, Carlos Augusto da Rocha (Org.). Memória do SPI: textos, imagens e documentos sobre o Serviço de Proteção aos Índios (1910-1967). Rio de Janeiro: Museu do Índio – FUNAI, 2011. Esta última fonte contém uma série de estudos que focaram na ação específica do SPI junto a determinados povos indígenas. Além disso, apresenta um importante acervo fotográfico.

que, de forma direta ou indireta, com base no debate que propuseram, referendaram os pressupostos nos quais se ancoravam as ações que atingiram diretamente os povos indígenas nos anos trinta e quarenta.

2.6 DEBATE INTELECTUAL NOS ANOS TRINTA E PRESSUPOSTOS DE UMA