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FASCISMO: A VIOLÊNCIA DA DIREITA E A AMEAÇA AO BRASIL

4 LEITURAS DO BRASIL: VISÕES DE AFONSO ARINOS

4.3 FASCISMO: A VIOLÊNCIA DA DIREITA E A AMEAÇA AO BRASIL

Com dezoito páginas a menos do que o capítulo sobre o comunismo, a parte em que se propôs a analisar o fascismo tem, de certa forma, uma continuidade de suas considerações sobre o primeiro, uma vez que Afonso Arinos adotou, em grande medida, o recurso da comparação

84 CAMARGO, Aspásia; MARIANI, Maria Clara; TEIXEIRA, Maria Tereza. O intelectual e o político: encontros

com Afonso Arinos. Brasília: Senado Federal; Dom Quixote; Rio de Janeiro: CEPDOC/Fundação Getúlio Vargas, 1983. (Série Brasil, Memória Política, v. 2). p. 87-88.

entre os dois regimes. Em muitas passagens, o fascismo passa a ser explicado por elementos contrários aos que caracterizavam o comunismo. Por possuir uma doutrina filosófica, o comunismo teria permitido que o movimento saísse dessa doutrina para a ação; já o fascismo, cuja doutrina ainda estaria por ser criada, começaria seu movimento pela ação86.

O fascismo constituir-se-ia em um regime de “adaptações e transigências”, ao contrário do comunismo, que exigiria a aplicação de sua doutrina num quadro de mudanças profundas. Essa proposição também seria expressa um ano depois, na obra

Preparação ao Nacionalismo, quando afirmou que a doutrina marxista cortava “[...] as

amarras com tudo o que até hoje tem sido observado, obedecido, e tido com imutável, através da história ocidental”87.

Nota-se, na comparação citada, uma relativização em relação ao fascismo, embora o autor citado tenha se preocupado em advertir seus pares para o fato de que, mesmo a adesão ao fascismo ou ao nazismo exigiria uma adaptação, uma espécie de “revolução à brasileira”. As adaptações nesses regimes seriam viáveis, porque eram dotados de escassas doutrinas que, por sua vez, eram ligadas às peculiaridades nacionais. Diferente do marxismo, que pregava um caráter universal e apresentava soluções prontas para problemas diferentes. Daí a necessidade de uma ruptura e uma substituição88.

Ao alertar aos que tinham vinte anos, Afonso Arinos, em Preparação ao Nacionalismo, apontava o caráter adaptável desses regimes, mas não deixava de ressaltar o quanto isso exigiria de mudanças, ainda que, na sua concepção, essas fossem menos drásticas do que as provocadas pelo comunismo. Ao mesmo tempo, incitava-os a pensar como seria o Brasil se fizéssemos uma “[...] revolução nacional-socialista, que seguindo as leis hitlerianas, criasse o direito de primogenitura para a herança das terras?”89. Ao utilizar esse exemplo, Afonso Arinos indicava uma questão cara ao Brasil, especialmente ao seu grupo social, revelando parte dos motivos causadores das inquietações frente às ameaças de uma mudança profunda que o país requeria.

O exemplo da terra também servia para mostrar aos jovens a complexidade de uma doutrina que exigisse essa mudança, dadas as nossas peculiaridades. Formulava perguntas que evidenciassem essas questões, ao mesmo tempo em que apresentava possíveis respostas que seriam dadas pelos que tinham vinte anos. Nota-se a estratégia de demonstrar a forma simplista

86 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Introdução à realidade brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

1933. p. 134-136.

87 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Preparação ao nacionalismo: carta aos que têm vinte anos. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1934. p. 19-20.

88 Ibid., p. 20-21. 89 Ibid., p. 21.

como os jovens poderiam pensar sobre o tema. À questão da primogenitura, os jovens responderiam: “Extingam-se os latifúndios”. Mas, e a exigência do “puro sangue brasileiro”, para que se tornassem proprietários? A essa, responderiam que precisavam do “caldeamento dos sangues europeus”.90 Demonstrava o quanto teriam a perder, se um desses dois regimes

fosse importado.

Concluía que a adaptação de uma “revolução fascista ou nacional-socialista” implicaria na construção de uma revolução brasileira. Essa seria uma grande tarefa e melhor do que a “simples agitação” que imperava no Brasil, especialmente depois de 1930, quando se pensou em mudanças que não se efetivaram. Entretanto, os moços do país estavam mais inclinados a buscar a solução em receitas antecipadas e tidas co mo infalíveis, pregadas pela revolução internacionalista, do que a realizarem uma revolução nos moldes da alemã ou da italiana91.

Com tais questionamentos, um ano depois que escreveu Introdução à Realidade

Brasileira, Afonso Arinos ainda se encontrava na mesma tarefa de alertar aos que se sentiam

atraídos pelo comunismo. Dessa vez, dirigia-se aos jovens que tinham vinte anos, para convencê- los de que era “[...] o internacionalismo marxista [...] aparente caminho da facilidade”92. Mais uma vez, colocava-se como exemplo a ser seguido, informando que já se encontrava “[...] naquela idade em que se começa a levantar os olhos dos livros, e a pousá-los, sem paixões, sobre o mundo, sobre a vida”93. E reforçava: “Não se iludam, rapazes, (só um imbecil se poderia iludir, neste ponto) a revolução da esquerda teria que ser no Brasil, tanto quanto a revolução da direita, uma revolução brasileira”.94

Ambas exigiriam mudanças, que seguramente não eram desejadas por ele, embora se mostrasse mais favorável àquelas que poderiam advir da adaptação do fascismo ou nazismo, já que estas, certamente, poriam fim ao clima de desordem que acreditava haver no país e, especialmente, acirrariam o combate ao comunismo.

Parte das análises de Afonso Arinos apoiava-se na leitura de obras como Un Nouveau

Moyen Age, de autoria de Nicolai Berdiáiev95. Escrito para desqualificar o comunismo como

90 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Preparação ao nacionalismo: carta aos que têm vinte anos. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1934. p. 21-22.

91 Ibid., p. 22-23. 92 Ibid., p. 23. 93 Ibid., p. 24. 94 Ibid., p. 24-25.

95 BERDIAEFF, Nicolas. Un nouveau moyen age: réflexions sur les destinées de la Russie et de l’Europe. Paris:

Plon, 1930. (Apud FRANCO Afonso Arinos de Melo. Introdução à Realidade Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933).

alternativa, essa obra fez sucesso entre os católicos no Brasil dos anos vinte e trinta. Gomid96 chama a atenção para o fato de que muitos intelectuais brasileiros ressaltaram elementos políticos, religiosos e filosóficos pertinentes ao estudo da literatura russa, especialmente sobre a obra de Dostoievski, demonstrando que essa literatura não foi apropriada apenas pela esquerda. Ao analisar a correspondência trocada entre dois dos mais destacados defensores da Ação católica – Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima –, Gomid demonstrou o interesse desses em tornar conhecida a situação da Rússia bolchevista, pois, para combater o inimigo, era necessário conhecê-lo. E Berdiáeiv, servia bem a esse propósito, como demonstrou Alceu Amoroso Lima, ao sugerir a Jackson: “[...] deixemos o Hollitober que é comunista, e tomemos um anticomunista e quase dos nossos, o Berdiaeff [...]”97.

Embora tenha declarado que suas considerações sobre o fascismo não se apoiavam em opinião ou paixão pessoal, pois não possuía nenhuma ligação com esse movimento político e filosófico, Afonso Arinos buscou um autor que fazia sucesso entre os que combatiam o comunismo e reforçava a comparação entre os dois regimes.

Ao analisar a participação dos intelectuais italianos, diferente do exame feito sobre os bolchevistas na Rússia, ele viu no partido socialista italiano, uma incapacidade para executar a doutrina marxista, em função da ausência de uma “elite” intelectual que o dirigisse. Concluiu que os operários italianos não tiveram êxito na implantação de uma “ditadura proletária”, porque não tinham os “chefes indispensáveis”, os intelectuais necessários, muito menos os “revolucionários profissionais” tipo Lenine e Trotsky98.

O fascismo não pode compreender uma cultura desinteressada da política, conforme Afonso Arinos, este seria um entendimento formulado por Paulo Orano99, um escritor fascista e que reforçou as considerações do nosso autor sobre o comprometimento dos intelectuais italianos com o regime. Analisando a dependência que estes possuíam em relação ao Estado,

96 GOMIDE, Bruno Barretto. O terceiro elemento: Dostoiévski e intelectuais católicos brasileiros (anos 1920 e

1930). In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, GT Pensamento social no Brasil, 29., 2005. Caxambu, MG.

Anais... Caxambu, MG: Anpocs, 2005. p. 1-30. Disponível em: <http://portal.anpocs.org/>. Acesso em: 2 set.

2014. p. 1.

97 LIMA, Alceu Amoroso; FIGUEIREDO, Jackson de. Carta de 8 de maio de 1928. In: ETIENNE FILHO, João

(Org.). Correspondência: harmonia dos contrastes (1919-1928). Rio de Janeiro: Associação Brasileira do Livro, 1991. 2 v. (Apud GOMIDE, Bruno Barretto. O terceiro elemento: Dostoiévski e intelectuais católicos brasileiros (anos 1920 e 1930). In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, GT Pensamento social no Brasil, 29., 2005. Caxambu, MG. Anais... Caxambu, MG: Anpocs, 2005. p. 1-30. Disponível em: <http://portal.anpocs.org/>. Acesso em: 2 set. 2014).

98 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Introdução à realidade brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

1933. p. 162.

99 Ibid., p. 173. Intelectual fascista com ampla atuação na Itália durante a ascensão do fascismo. De acordo com

Afonso Arinos, as referências que fez a esse autor foram baseadas em artigo de Gaetano Salvemini, intitulado

concluiu que essa dependência, somada à violência empregada como forma de submetê-los, foi responsável pelo envolvimento dos intelectuais.

Lembremos que é a violência que dá o título aos dois capítulos sobre os regimes analisados. Também é nessas partes do livro que Afonso Arinos propõe-se a indicar o papel dos intelectuais frente a esses dois movimentos, levando em conta, especialmente, a violência e como ela influenciou a ação e o posicionamento desses tanto em relação ao que pensavam quanto no tocante às suas participações nesses regimes. Entretanto, o tratamento dado a esse elemento também é diferenciado. Ao avaliar a violência de esquerda, ele mostrou-se implacável, definindo a doutrina marxista como uma doutrina de violência e inimiga do espírito e Marx como “frio organizador da violência” e “meticuloso assassino do sentimento da liberdade”100. Já a violência praticada pelo fascismo era excesso, se não escusáveis, naturais em tempo de guerra civil. Há, no pensamento do autor, uma diferenciação entre o que considerava violência terrível do fascismo e que não lhe interessava, pois estava “fora da sua tese”, e o que considerava violência contra o espírito e a inteligência. Esta última, dizia respeito direto aos intelectuais, e foi vista por ele como “[...] indispensáveis, como a qualquer ditadura”101.

Um dos objetivos de Afonso Arinos era demonstrar que, ao defender qualquer um dos regimes aqui apontados, os intelectuais estavam vulneráveis à violência que era inerente a esses regimes. Era um dos perigos que eles deveriam evitar. Entretanto, suas conclusões são relativas a esse aspecto, pois, enquanto enfatiza a violência do comunismo, naturaliza a violência do fascismo, colocando-a como elemento indispensável a um regime ditatorial.

Após traçar suas considerações sobre o comunismo e o fascismo, Afonso Arinos tratou de apontar uma espécie de roteiro que os intelectuais deveriam seguir para se desvencilharem do fascínio que esses regimes poderiam exercer sobre eles. Para isso, listou alguns elementos que deveriam constituir uma conduta a ser adotada. Vejamos os principais pontos desse roteiro.

4.4 RECEITA DE INTELECTUALISMO E BRASILIDADE PARA OS INTELECTUAIS