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CULTURA, CIVILIZAÇÃO E MESTIÇAGEM NA OBRA DE AFONSO ARINOS

6 TRIÂNGULO BRASILEIRO E CONFLUÊNCIA DAS ÁGUAS

6.1 CULTURA, CIVILIZAÇÃO E MESTIÇAGEM NA OBRA DE AFONSO ARINOS

Foi no âmbito dos discursos sobre a mestiçagem como representativa de nossa singularidade cultural que Afonso Arinos escreveu a obra Conceito de Civilização Brasileira publicada em 1936. Para ele, a tarefa de investigar os elementos efetivos, ideais e materiais que integravam historicamente a nação brasileira requeria apenas “[...] tempo, aplicação, isenção e honestidade”2. Argumentava que, para realizar essa tarefa, bastava adaptar os modelos já adotados por filósofos, sociólogos e historiadores estrangeiros. Foi com esse objetivo que dialogou com Oswald Spengler3 (1880-1936), Leo Frobenius4 (1873-1939), Ortega y Gasset5 (1883-1955), Nicolai Berdiaev6

1 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Conceito de civilização brasileira. Rio de Janeiro: Companhia Editora

Nacional, 1936. (Coleção Brasiliana). p. 104.

2 Ibid., p. 17.

3 Oswald Spengler foi apresentado na Seção 5 desta tese.

4 Antropólogo, etnólogo e explorador alemão, interessou-se pela cultura africana, publicando seu primeiro trabalho

com o título de Origin of African Cultures em 1898. Revolucionou a Antropologia com o conceito de continuidade

das culturas que indicava o desdobramento de aspectos ou traços culturais comuns a diversos povos, desde uma

origem até seu desdobramento posterior, pela difusão de aspectos fundamentais dessa cultura original. Criou também as denominações de círculos/áreas culturais. Com base nessas proposições, afirmava que os povos constituíam áreas nas quais partilhavam elementos ou traços culturais por difusão ou assimilação. Cf. XAVIER, Juarez Tadeu de Paula. Teorias antropológicas. Curitiba: IESDE Brasil, 2009. p. 65-66.

5 José Ortega Y Gasset, filósofo espanhol, publicou, em 1930, sua principal obra Rebelião das Massas. Esta obra

começou a ser publicada em 1926, por meio de artigos no Jornal El Sol. A influência desse filósofo entre os brasileiros vai além dessa obra. Ele escreveu periodicamente em vários jornais, e seus escritos tiveram grande impacto no pensamento dos intelectuais brasileiros, sobretudo no que diz respeito às suas formulações em relação à centralidade da cultura e à missão dos intelectuais. O pensamento político da década de 1930 no Brasil defendia o papel predominante e exclusivo das elites no processo de mudança social e as ideias desse filósofo inspiraram e reforçaram esse tipo de argumento. Sobre isso, escreveu: “Os indivíduos, considerando-se um mesmo ponto de partida, uma linha comum, elevam-se uns mais, outros menos. Isto é, elite é elite, massa é massa. Cabe àquela dirigir esta.” ORTEGA Y GASSET, José. España invertebrada. Madri: Revista de Ocidente em Alianza Editorial, 1987. p. 87. (Apud BASTOS, Elide Rugai. A revista Cultura Política e a influência de Ortega y Gasset. In: BASTOS, Elide Rugai; RIDENTI, Marcelo; ROLLAND, Denis (Org.). Intelectuais: sociedade e política, Brasil-França. São Paulo: Cortez, 2003. p. 146-171. p. 161).

6 Nicolai Berdiaev, filósofo soviético, considerado um dos principais representantes do existencialismo cristão,

nasceu em Kiev, numa família de tradição militar. Associou-se à luta contra o czarismo e envolveu-se em atividades marxistas. Após a Revolução de 1917, lecionou filosofia na Universidade de Moscou, mas entrou em conflito com o regime e foi expulso do país, exilando-se em Paris. Junto com outros exilados, fundou uma Academia de estudos filosóficos e religiosos e o jornal Put’. Por meio desse periódico, combateu o comunismo, mas também a ordem industrial capitalista, que responsabilizava pela desumanização da sociedade e da cultura. Cf. NIKOLÁI Ale[x/ks]ándrovitch Berdiaeff. (1874-1948). Biografia. In: SÓ BIOGRAFIAS. 2016. Disponível

(1874-1948), Vilfredo Pareto7 (1848-1923) e outros.

Pretendia, Afonso Arinos, fazer uma história diferente da que foi feita pelos seus antecessores. Sua crítica ia além das referências á ausência de uma racionalidade. Segundo ele, mesmo os maiores especialistas brasileiros, até aquele momento, apenas haviam aflorado o rico material que possuíam, composto por elementos culturais, históricos e sociológicos, explorando-os de forma romântica e ingênua, com, no máximo, um “[...] propósito estreito de uma narativa linear horizontal, superficial de fatos concretos e objetivos”.8 Dizia tratar-se de uma história narrativa, sem propósito orgânico e sem orientação filosófica.

Propunha uma análise que, ao mesmo tempo em que explicasse o passado, também tivesse uma indicação do futuro, operando a passagem de uma história do Brasil para uma história da civilização brasileira. E acrescentava: “[...] escrever História não é contar histórias, nem o trabalho do historiador se situa entre o do relojoeiro e o do decifrador de charadas”9. Essa relação passado-futuro também contém uma dimensão de presente, pois esse entendimento da história, que pensa o legado do passado com vistas a uma reflexão sobre o futuro, comporta, sem dúvida, uma percepção das questões do presente. Em Conceito de Civilização Brasileira, a busca pelo passado tem por objetivo um entendimento do presente e, consequentemente, a proposição de um projeto de mudanças para o futuro.

De acordo com Cavalcante10, nessa preocupação em ligar passado e futuro residem também as lições retiradas das leituras feitas durante sua estadia na Europa, momento em que, segundo essa autora, Afonso Arinos teria estreitado os laços com a cultura renascentista e com princípios morais e estéticos que o acompanhariam ao longo da vida. Cavalvante11 analisa a busca pelo passado clássico, feita pelos humanistas do Renascimento, e conclui que esses pensadores, ao buscarem o legado do passado fundamentados na cultura clássica, não pensaram

em: <http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/NilaiAle.html>. Acesso em: 23 jun. 2016. Lembramos também que suas leituras inspiravam a militância católica, especialmente os que colaboravam com a revista A Ordem.

7 O sociólogo Vilfredo Pareto nasceu em Paris no ano de 1848, período em que seu pai, o marquês Raffaele Pareto,

oriundo de Gênova, encontrava-se exilado em virtude da sua participação no movimento nacionalista liderado por Giuseppe Mazzini. Crítico de todo e qualquer socialismo e defensor da dominação das elites, é considerado ideólogo do fascismo, muito provavelmente em virtude da sua convicção na superioridade de uma classe de elite, entretanto não aderiu a esse regime. Detalhes sobre suas teorias serão tratados na Seção 7 desta tese. Mais informações sobre esse sociólogo e sua obra podem ser encontradas em: GRYNSZPAN, Mário. Ciência política

e trajetórias sociais: uma Sociologia histórica da teoria das elites. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,

1999. p. 141.

8 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Conceito de civilização brasileira. Rio de Janeiro: Companhia Editora

Nacional, 1936. (Coleção Brasiliana). p. 18.

9 Ibid., p. 19.

10 CAVALCANTE, Berenice. Passaporte para o futuro: Afonso Arinos de Melo Franco, um ensaísta da

República. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2006. p. 55.

o moderno como novo e sim como de novo. Para ela, tratava-se de um legado que poderia ser reavivado, trazido à cena histórica novamente. Esse exercício de perceber o passado como legado, mas conectado com as questões postas pelo seu próprio tempo, teria sido algo aprendido por Afonso Arinos com os humanistas e estaria presente em todos os seus escritos12.

Não obstante essas considerações de Cavalcante, consideramos que a escrita de Afonso Arinos estava mais próxima da historiografia alemã, qualificada como “positivista”. Nosso argumento baseia-se em pelo menos duas observações: a primeira, diz respeito ao entendimento de que, entre 1870 e 1930 aproximadamente, a produção alemã desempenhou um papel de domínio hegemônico na historiografia europeia e mundial, gerando pesquisas, temas e debates, conforme nos indica Rojas13. Segundo, a informação do próprio Afonso Arinos de que, para se escrever sobre o Brasil, bastava fazer a adaptação de modelos estrangeiros, indicando nomes como o de Oswald Spengler, Leo Frobenius e Ortega y Gasset, este último, embora espanhol, foi tradutor da obra A decadência do Ocidente de Oswald Spengler e, conforme Bastos14, foi a versão mais lida pelos intelectuais brasileiros nos anos 1930.

Nossas considerações baseiam-se, sobretudo, nas pretensões explicitadas por Afonso Arinos15 de que seu trabalho era neutro, imparcial e desinteressado, aspectos que se ligam diretamente aos pressupostos positivistas. Ao defender a imparcialidade na investigação histórica, a verdade e a objetividade, considerava-se capaz de se sobrepor às suas próprias paixões e interesses e colocava-se em posição diferente dos seus pares, na medida em que os acusava de se situarem nas posições políticas de esquerda ou de direita, sem a opção de um posicionamento intermediário. Para ele, as análises provenientes de qualquer um dos dois grupos transformavam verdades filosóficas ou científicas em afirmações políticas. Acreditava, portanto, que o seu trabalho estava livre dessa armadilha.

Afonso Arinos colocava-se como historiador e sentia-se capaz de transformar as matérias-primas, como denominou o material já produzido pelos estudos anteriores, em uma estrutura lógica e concentrada, que fosse ao mesmo tempo uma explicação do passado e uma

12 CAVALCANTE, Berenice. Passaporte para o futuro: Afonso Arinos de Melo Franco, um ensaísta da

República. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2006. p. 54-55.

13 ROJAS, Carlos António Aguirre. Tese sobre o itinerário da historiografia do século 20: uma visão numa

perspectiva de longa duração. In: MALERBA, Jurandir; ROJAS, Carlos Aguirre (Org.). Historiografia

contemporânea: perspectiva crítica. Bauru, SP: EDUSC, 2007. p. 13-30. p. 19.

14 BASTOS, Elide Rugai. A revista Cultura Política e a influência de Ortega y Gasset. In: BASTOS, Elide Rugai;

RIDENTI, Marcelo; ROLLAND, Denis (Org.). Intelectuais: sociedade e política, Brasil-França. São Paulo: Cortez, 2003. p. 146-171. p. 146.

15 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Conceito de civilização brasileira. Rio de Janeiro: Companhia Editora

indicação do futuro. As referências em sua obra demonstram a adesão a modelos contraditórios. Conforme Reis16, sua concepção de história combinava autores franceses com filósofos alemães neokantianos. Sob a influência do pensamento historicista alemão, valorizou o passado, mas, por meio do iluminismo francês, se preocupou com o futuro.

A combinação desses dois modelos embasou sua percepção de que, até aquele momento, a História do Brasil tratava do passado apenas como uma sucessão de fatos. Entendia que faltava a esses trabalhos estabelecer relações entre os fatos narrados e suas origens e consequências. Sem esse procedimento, não podiam descobrir o sentido histórico do Brasil.

A intenção de Afonso Arinos era formular um conceito de civilização brasileira. Por isso o uso intercalado das duas categorias: cultura e civilização. Ciente das diversas acepções desses termos, ele concluiu que cultura e civilização possuíam nuanças de significados relacionados ao sentimento íntimo de cada um. Civilização poderia ter diversos significados que dependeriam de quem esboçasse o conceito. Esse entendimento é exemplificado pelo fazendeiro rico que, ao retornar de Paris, concluía que ser civilizado era possuir “uma latrina limpa”; ou por aqueles que se consideravam “civilizados” por conhecerem “a cabine com banheiro dos zeppelins”, ou por desfrutarem “uma edição de luxo de Rimbaud”17. O autor indica que esses significados seriam emprestados à palavra civilização nas línguas inglesa e francesa e que, no nosso idioma, o verbo civilizar teria um sentido muito específico, equivalente ao ato de tornar alguém “civil”, polido, cortês, adepto de “costumes altos e refinados”18.

Esse significado apontado por Afonso Arinos está de acordo com os estudos realizados por Norbert Elias19, quando examinou o conceito de civilização na França e na Inglaterra. Ao desenvolver a ideia de um processo civilizador, Elias demonstrou as transformações no conceito de civilização, mapeando as mudanças nas formas comportamentais ocorridas através dos tempos. Essas formas compunham as regras de civilidade, como, por exemplo, as maneiras de se comportar a mesa, de se alimentar, hábitos higiênicos, formas de falar, dentre outras.

Conforme Elias20, o conceito de civilité recebeu seu cunho e função específicos no segundo quartel do século XVI, surgindo com Erasmo de Roterdã, com a obra Da Civilidade

em Crianças, na qual é retratado o comportamento das pessoas em sociedade. Esse

16 REIS, José Carlos. As identidades do Brasil 2: de Calmon a Bonfim – a favor do Brasil: direita ou esquerda?

Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 93.

17 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Conceito de civilização brasileira. Rio de Janeiro: Companhia Editora

Nacional, 1936. (Coleção Brasiliana). p. 22.

18 Ibid., p. 23.

19 ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Tradução Ruy Jungman. Revisão e

apresentação Renato Janine Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. v. 1. p. 51.

comportamento observado na sociedade de Corte passou a ser difundido especialmente no âmbito das mudanças políticas, econômicas e sociais ocorridas na França do século XVIII, quando se percebeu uma ampliação nessa sociedade, com a inserção de elementos burgueses. Ser civilizado equivalia a comportar-se conforme os códigos de conduta que definiam o que era adequado ou não para os integrantes dessa sociedade.

Para Elias21, termos como cortesia, civilidade e civilização correspondem a três estágios de desenvolvimento social, compondo o que denominou de processo civilizador enquanto um conjunto de “[...] mudanças na conduta humana e sentimentos humanos rumo a uma direção muito específica”22, o que equivale ao entendimento de que “[...] civilização não é apenas um estado, ela é um processo que deve prosseguir”23. O termo civilização absorveu o pensamento da sociedade de Corte, cujo comportamento dos seus membros servia como padrão de um tipo mais elevado de sociedade. As mudanças no conceito estão associadas às mudanças nas sociedades. Tornar-se civilizado era eliminar tudo o que era visto como bárbaro ou irracional. Civilização, portanto, equivalia tanto ao refinamento de maneiras quanto à pacificação interna do país pelos reis24.

Ainda conforme Elias25, o conceito de civilização consolidou-se na França a partir de 1798. Nesse momento, ocorreu uma percepção de que a civilização correspondia a uma consciência da superioridade do seu próprio comportamento, reforçando a concepção de que tudo o que era considerado bárbaro deveria ser eliminado. Nações, como França e Inglaterra, consideravam-se portadoras da civilização, portanto superiores, comportamento que serviu como forma de legitimar a colonização e a dominação dos não civilizados.

Afonso Arinos, ao se referir ao conceito de civilização que adotaria, advertiu que seu interesse estava voltado para o aspecto histórico do termo, que, para ele, significava situar civilização no plano de desenvolvimento da vida social, definindo-a como “[...] superestruturas aparentes que resultam da elaboração invisível profunda e causal das culturas”26. Cultura e civilização não seriam vistas por ele como sinônimos, e sim complementares, seguindo uma hierarquia, na qual as culturas precedem as civilizações e são as causas do seu aparecimento.

21 ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Tradução Ruy Jungman. Revisão e

apresentação Renato Janine Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. v. 1. p. 111-113.

22 Ibid., p. 193. 23 Ibid., p. 62. 24 Ibid., p. 62. 25 Ibid., p. 62-64.

26 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Conceito de civilização brasileira. Rio de Janeiro: Companhia Editora

As análises de Afonso Arinos mantêm aproximações com as constatações feitas por Elias, conforme apontamos27. Ao definir a cultura como uma espécie de “consciência coletiva da vida” que nasce e se forma gradativamente para um grupo de homens, e afirmar que essa consciência recebe influências de causas peculiares que são somadas a três elementos básicos – a raça, o espaço (meio natural) e o tempo (época histórica)28 –, ele nos permite associar esse conceito de cultura com o que Elias indicou como formas de conduta transformadas ao longo do tempo e constituintes do processo civilizador.

Para Afonso Arinos29, cultura e civilização são conceitos diferentes. A primeira consistiria na experiência do mundo adquirida pelo homem vivendo em sociedade, mas, ao mesmo tempo, seria também a interpretação desse mundo por meio de princípios normativos de ordem puramente intelectual como: filosóficos, religiosos, estéticos, éticos e científicos. Entendimento que pode ser relacionado ao que Elias30 detectou como códigos de conduta e de comportamentos experimentados e legitimados pelos homens vivendo em sociedade.

Segundo Afonso Arinos31, civilização seria uma segunda etapa da cultura, pois consistiria na realização dos valores culturais. Voltando mais uma vez às referências de Elias, o que Afonso Arinos denomina de civilização seria a aceitação e a colocação em prática dos valores e normas que formavam o processo civilizador. Ele coloca a civilização como algo posterior à cultura, já que esta é entendida no plano teórico, enquanto que a civilização é interpretada como a prática dessa cultura. Para ele, a prática não poderia preceder a teoria:

E a teoria da vida social é cultura, e a sua prática é civilização; a ideia interpretativa do mundo é cultura, e a vontade que aplica essa interpretação é civilização; a consciência da vida social é cultura e a ação para melhorar o plano dessa vida é civilização32.

27 Cabe ressaltar que as aproximações aqui referidas dizem respeito ao fato de as considerações de Afonso Arinos

convergirem com os significados encontrados por Elias, como definição para os termos civilização e civilizado ao longo do tempo. No nosso entendimento, ao especificar o significado de civilização conforme os franceses, Afonso Arinos baseou-se na mesma literatura analisada por Elias. Esses autores apresentam interpretações profundamente divergentes no que diz respeito ao entendimento sobre civilização. Enquanto Elias concebe o termo como processo, cujas diferenças entre as civilizações não implicam em superior ou inferior, melhor ou pior, para Afonso Arinos, o termo é tomado com base na perspectiva evolucionista, que implica em considerar uma civilização superior a outra.

28 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Conceito de civilização brasileira. Rio de Janeiro: Companhia Editora

Nacional, 1936. (Coleção Brasiliana). p. 25.

29 Ibid., p. 25.

30 Elias não se refere ao termo cultura. Nossa interpretação é de que Afonso Arinos usa esse termo para se referir

aos elementos que Elias elencou como “costumes”, aspectos norteadores dos padrões de conduta, tais como: maneiras de se comportar quanto aos hábitos alimentares, de vestimenta, de higiene, de linguagem, entre outros.

31 FRANCO, 1936, op. cit. p. 47. 32 Ibid., p. 38.

Dialogando com Hegel e Frobenius, ele concorda com a precedência do ideal sobre o real para reforçar seus argumentos na definição de cultura e civilização. Suas inspirações também eram provenientes de autores que discutiam as relações entre cultura e civilização, como Oswald Spengler33, que afirmava: “Ora, cada cultura tem a sua própria civilização [...] A civilização é o destino inevitável de cada cultura.” Spengler considerava que a civilização era o estado extremo mais artificioso a que uma espécie superior de homens poderia chegar. Por isso, a civilização seria também um término. Ele via as culturas como organismos e desenvolveu a ideia de que:

Cada cultura percorre fases de envelhecimento iguais às da vida do indivíduo. Todas elas têm sua infância, sua adolescência, sua virilidade e sua velhice [...] Quanto mais uma cultura se avizinhar do meio-dia da sua vida, tanto mais viril, mais austera, mais disciplinada mais saturada, tornar-se-á a consciência da sua força, e seus característicos delinear-se-ão com crescente nitidez [...] Por fim, na decrepitude da incipiente civilização, extinguir-se-á o fogo da alma [...] Enfim, cansada, sorumbática, fria perde a vontade de viver e anela34.

Nesse ponto, Afonso Arinos discordava de Spengler. Achava um erro supor que as culturas, assim como os organismos, chegassem a um ponto de expansão e desenvolvimento, que se tornassem imobilizadas na maturidade, seguindo então rumo à decadência e à morte. Acreditava na renovação constante dos valores culturais. Logo, sua percepção era de que a cultura era algo dinâmico, já que surgia da capacidade do homem de criar conhecimento e interpretar o mundo. Como essa capacidade nunca era esgotada, a cultura também não morreria, e sim se renovaria, seria reelaborada35.

Nessa discordância, Afonso Arinos lembrava que o próprio Frobenius36, que defendia a tese das culturas orgânicas, contrariava a ideia de Spengler, ao afirmar: “[...] ser orgânico significava poder conservar através da decomposição contínua, a faculdade de desenvolver novas formas da mesma natureza e de si mesmo.”

Embora tenha afirmado que não era interesse seu conceituar cultura e civilização numa perspectiva evolucionista, Afonso Arinos37 não se furtou ao trabalho de hierarquizar as culturas, estabelecendo clivagens entre culturas primitivas e desenvolvidas, inferiores e superiores. Para

33 SPENGLER, Oswald. A decadência do Ocidente: esboço de uma morfologia da História Universal. Tradução

Herbert Caro. 4. ed. condensada por Helmut Werner. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. p. 23.

34 Ibid., p. 73-74.

35 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Conceito de civilização brasileira. Rio de Janeiro: Companhia Editora

Nacional, 1936. (Coleção Brasiliana). p. 45.

36 FROBENIUS, Leo. La cultura como ser viviente. Contornos de una doctrina cultural y psicológica. Madrid:

Editora Espasa Calpe, 1934. (Apud Franco, 1936, op. cit., p. 43).

ele, essa distinção podia ser feita medindo-se a parcela de domínio que exercia, cada uma delas, sobre a natureza.

Entendendo cultura como a capacidade do homem de adquirir experiência e interpretar o mundo, subjetivando-o, afirmava que, nas “culturas primitivas”, essa capacidade era limitada e, consequentemente, a interpretação dessa experiência era rústica e pobre. Já nas “culturas superiores”, a percepção dos valores vitais era mais aguda, sendo a interpretação decorrente