• Nenhum resultado encontrado

TRADIÇÃO FAMILIAR, HISTÓRIA DO BRASIL E A CONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM DE HOMEM PÚBLICO

3 AFONSO ARINOS: HISTÓRIA DE VIDA VERSUS HISTÓRIA DO BRASIL

3.2 TRADIÇÃO FAMILIAR, HISTÓRIA DO BRASIL E A CONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM DE HOMEM PÚBLICO

Em 27 de novembro de 1905 nascia, em Belo Horizonte, Afonso Arinos de Melo Franco, sexto filho dos dez que Sílvia Alvim e Afrânio de Melo Franco tiveram. Oriundo de uma família bem situada economicamente, teve parentes de destaque, com grande inserção na política imperial e republicana, a exemplo do avô materno, Cesário Alvim, que governou Minas entre 1889 a 1892, foi deputado geral por esse Estado, foi presidente da província do Rio de Janeiro

16 GRILL, Igor Gastal. As múltiplas notabilidades de Afonso Arinos: biografias, memórias e a condição de elite

no Brasil do século XX. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 23, n. 54, p. 21-42, jun. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v23n54/0104-4478-rsocp-23-54-0021.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2016. p. 40.

17 ABREU, Alzira Alves de. Dicionário Histórico-Biográfico brasileiro pós-30. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC,

[200-]. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/afonso-arinos-de- melo-franco>. Acesso em: 8 jan. 2016.

18 CAMARGO, Aspásia; MARIANI, Maria Clara; TEIXEIRA, Maria Tereza. O intelectual e o político: encontros

com Afonso Arinos. Brasília: Senado Federal; Dom Quixote; Rio de Janeiro: CPDOC / Fundação Getúlio Vargas, 1983. (Série Brasil, Memória Política, v. 2).

e Ministro da Justiça. Também ocupou a prefeitura do Rio de Janeiro (DF), de 1898 a 190019. Do lado paterno, o avô Virgílio de Melo Franco também foi deputado provincial, deputado geral e senador de 1891 até 1922, quando faleceu, conforme informou o próprio Afonso Arinos nas entrevistas que concedeu ao CPDOC20.

Imagem 1 – Afonso Arinos com familiares21

Fonte: CENTRO... (2012)22.

A fotografia da família, apresentada na varanda e nas escadarias de um bonito casarão, em que os membros, elegantemente trajados, foram posicionados de acordo com as idades, parece estampar as considerações de Afonso Arinos23, quando a descreve como uma família muito estruturada, muito antiga, com uma tradição de mando, de altivez, de vida intelectual. Em seus registros, verificamos que a ênfase dada aos Melo Franco (lado paterno), considerados portadores de uma tradição intelectual, é maior do que as considerações sobre os Alvim, (lado materno) que, nessa foto, estão representados apenas pela mãe. No alto, avós e pais posicionam-se de forma

19 CAMARGO, Aspásia; MARIANI, Maria Clara; TEIXEIRA, Maria Tereza. O intelectual e o político: encontros

com Afonso Arinos. Brasília: Senado Federal; Dom Quixote; Rio de Janeiro: CPDOC / Fundação Getúlio Vargas, 1983. (Série Brasil, Memória Política, v. 2).

20 Ibid., p. 74.

21 Data de produção da foto: 1907 e 1910. Esq./dir.: (de baixo/cima) Afonso Arinos, Maria do Carmo de Melo

Franco, Silvia Amélia de Melo Franco, Virgílio de Melo Franco, Afrânio de Melo Franco, Cesário de Melo Franco, Caio Melo Franco, Ana Leopoldina de Melo Franco (avó), Virgílio Martins de Melo Franco, Silvia Alvim de Melo Franco (mãe), Zaíde de Melo Franco e Afrânio de Melo Franco.

22 CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL. Acervo

audiovisual. Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <http://www.fgv.br>. Acesso em: 4 abr. 2012.

23 Afonso Arinos declara, em entrevista concedida ao CPDOC: “O que há é uma tradição de mando, de altivez, de

independência, de vida intelectual que sempre nos distinguiu. Nunca tivemos de atravessar o canal da submissão. Nunca senti, na minha vida, a necessidade de me submeter, de me abaixar para sobreviver [...]” (CAMARGO; MARIANI; TEIXEIRA, op. cit., p. 87-88).

altiva e hierárquica; as mulheres adultas localizam-se no mesmo plano, porém ligeiramente à frente dos homens. Sobressai a postura da mãe, que parece corresponder à imagem descrita por Afonso Arinos24, como uma mulher forte, orgulhosa, com raras demonstrações de ternura e de carinho.

O posicionamento dos filhos corresponde aos degraus da escadaria, já que estes, de acordo com a faixa etária, localizam-se em forma decrescente e de acordo com o gênero. Essa organização localiza Afonso Arinos junto às irmãs – uma, dois anos mais velha, a outra, dois anos mais jovem –, porém dispostas em degraus contíguos, enquanto Afonso Arinos, separado dos irmãos, representa o caçula deles e ocupa o primeiro degrau, quando observado de baixo para cima em primeiro plano.

No seio dessa família descrita como imponente, composta por políticos, intelectuais e diplomatas, Afonso Arinos convivia desde criança com figuras expressivas das artes, da literatura e da política. Seu nome foi uma homenagem ao tio, também Afonso Arinos, um escritor de renome nascido em 1868 e falecido em 191625. Considerado um mestre do regionalismo brasileiro, segundo seus estudiosos, sua produção insere-se num contexto de valorização da figura do sertanejo, em que o sertão é identificado como fonte de nacionalidade. Essa produção foi marcada por uma ênfase na cultura brasileira, apresentando os sertanejos como fiéis às suas raízes 26. Nessa perspectiva, insere-se Pelo Sertão (1898), uma das suas obras mais conhecidas. Também escreveu

Os jagunços (1898), romance sobre Canudos que está entre as primeiras obras que trataram desse

episódio. A maioria dos seus livros foi publicada após seu prematuro falecimento. Em 1917 foram publicados O Contratador de Diamantes, A Unidade da Pátria e Lendas e Tradições Brasileiras. Em 1918 publicaram O Mestre do Campo e em 1921 Histórias e Paisagens27.

24 CAMARGO, Aspásia; MARIANI, Maria Clara; TEIXEIRA, Maria Tereza. O intelectual e o político: encontros

com Afonso Arinos. Brasília: Senado Federal; Dom Quixote; Rio de Janeiro: CEPDOC/Fundação Getúlio Vargas, 1983. (Série Brasil, Memória Política, v. 2). p. 76.

25 Segundo Afonso Arinos, o nome Arinos foi invenção do seu avô paterno que, “[...] muito cético, achava que esse

negócio de tradição de Melo Franco era uma historiada sem importância. Considerava importante que o sujeito se fizesse sozinho na vida. Então deu nomes indígenas aos filhos, que os mantiveram durante certo tempo [...] Meu pai, por exemplo, era Afrânio Otingi; minha tia, Dália Coralina Indiana. Virei Afonso Arinos a pedido da minha avó”. (Ibid., p. 84). A adoção de nomes indígenas faz parte da tradição liberal maçônica, que ganhou ênfase no século XIX. Sobre esse tema, ver: SOUZA, Roberto Acízelo de. Joaquim Norberto e o indianismo. O eixo e a

roda: Revista de Literatura Brasileira, Belo Horizonte, v. 21, n. 2, p. 15-31, 2012. Disponível em:

<http://periodicos.letras.ufmg.br/ index.php/o_eixo_ea_roda/article/ view/3477/3401>. Acesso em: 23 abr. 2016.

26 Cf.: GABURO, Vanderson Roberto Pedruzzi. O sertão vai virar gente: sertão e identidade acional em Afonso

Arinos. 2009. 154 f. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2009. Disponível em: <http://portais4.ufes.br/posgrad/ teses/tese_3525_Vanderson_Roberto_Pedruzzi_Gaburo.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2016.

27 ARINOS, Affonso. Pelo sertão. 3. ed. Rio de Janeiro: Garnier, [1918?]. Disponível em: <http://

bibdig.biblioteca.unesp.br/bitstream/handle/10/25989/pelo-sertao.pdf?sequence=2&isAllowed=y>.Acesso em: 21 abr. 2016. Obras como: Os jagunços (1898), Notas do Dia (1900), Histórias e Paisagens (1921), dentre outras foram reunidas e podem ser consultadas em: ARINOS FILHO, Afonso. Obra completa. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969. (Cf. GABURO, op. cit., p. 151).

Conforme Afonso Arinos, sua infância foi marcada pela presença de intelectuais, muitos deles amigos dos seus irmãos, do pai e do tio famoso. Dentre eles, destacam-se nomes como Olavo Bilac, Miguel Couto, o barão Homem de Mello, o poeta Olegário Mariano, o compositor e instrumentista Jayme Rojas de Aragón y Ovalle e o poeta e jornalista Nilo de Freitas Bruzzi28.

Sua casa também era bem frequentada por políticos já que, além dos avós, seu pai, Afrânio de Melo Franco, teve uma intensa participação na vida pública como deputado estadual por Minas Gerais entre 1903 e 1906 e deputado federal no período de 1906 a 1929. Atuou como líder do presidente Venceslau Brás na Câmara, ocupou o cargo de Ministro da Viação no governo Delfim Moreira (1918-1919) e foi embaixador do Brasil na Liga das Nações (1924- 1926). Também foi ministro das Relações Exteriores no governo de Getúlio Vargas (1930- 1933), presidente da Comissão Constitucional formada em 1934, foi Constituinte do Estado de Minas Gerais em 1935 e deputado estadual até 193729.

Imagem 2 – Lindolfo Collor, Afrânio de Melo Franco, Oswaldo Aranha e outros durante banquete30

Fonte: CENTRO... (2012)31.

28 Citados por Afonso Arinos (CAMARGO, Aspásia; MARIANI, Maria Clara; TEIXEIRA, Maria Tereza. O

intelectual e o político: encontros com Afonso Arinos. Brasília: Senado Federal; Dom Quixote; Rio de Janeiro:

CEPDOC/Fundação Getúlio Vargas, 1983. (Série Brasil, Memória Política, v. 2). p. 76). Sobre os três últimos, ver, respectivamente: MARIANO, Olegário. Biografia. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, mar. 2016. Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/olegario-mariano/biografia>. Acesso em: 16 maio 2016; JAIME Ovalle. In: DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: <http://www.dicionariompb.com.br/jaime-ovalle/biografia>. Acesso em: 10 mar. 2013. Sobre Bruzzi, ver: LOPES, Hélio. Letras de Minas e outros ensaios. Seleção e apresentação de Alfredo Bosi. São Paulo: Edusp, 1997. (Ensaios de Cultura, 9).

29 AFRÂNIO de Melo Franco. In: ABREU, Alzira Alves de. Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-30.

Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, [2010]. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/ verbete- biografico/franco-afranio-de-melo>. Acesso em: 8 jan. 2016.

30 Data de produção: 1931. Esq./dir.: Plínio Casado, Lindolfo Collor, Leite Castro, Afrânio Melo Franco (pai de

Afonso Arinos), Raul Pilha, Assis Brasil, Oswaldo Aranha e José Américo de Almeida.

31 CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL. Acervo

Seu irmão mais velho, Virgílio Alvim de Melo Franco32 também manteve uma intensa atividade política e participou ativamente do Movimento de 1930 como um dos líderes da juventude civil revolucionária. Essa participação foi ratificada por Afonso Arinos, ao declarar que, durante o período em que esteve em tratamento médico na Europa, recebia as notícias referente ao prestígio do irmão e de sua atuação no Movimento que levou Getúlio Vargas ao poder, além dos próprios comentários tecidos por sua entrevistadora Aspásia Camargo33, quando se refere à atuação tanto de Virgílio quanto do pai Afrânio.

Virgílio foi também deputado federal de 1935 a 1937. Em 1933, compôs o Partido Progressista (PP) com Gustavo Capanema, Francisco Negrão de Lima, Pedro Aleixo entre outros. Esteve envolvido na disputa pelo governo de Minas Gerais após Vargas assumir o governo provisório. Com a morte de Olegário Maciel, em 1933, seu sonho de tornar-se interventor parecia caminhar para a realização quando disputou o cargo com Gustavo Capanema. Entretanto, os dois foram preteridos em favor do nome de Benedito Valadares, nomeado por Getúlio Vargas. Esse fato desencadeou o rompimento da família com Vargas. Seu pai renunciou ao Ministério das Relações Exteriores e Virgílio fundou, junto com Afonso Arinos, o Jornal Folha de Minas, que concentrou a oposição a Valadares e, por extensão, ao próprio Vargas. O jornal foi censurado pelo governo e, alegando dificuldades financeiras, encerrou suas atividades34.

Após o golpe do Estado Novo, com o fechamento do Congresso, Virgílio ficou sem mandato e sem nenhum cargo público, acirrando seu rompimento com Getúlio Vargas e a política oficial, rompimento que foi amenizado anos depois, especialmente após a morte do seu pai Afrânio e a presença de Getúlio Vargas no enterro. Em 1945 foi um dos fundadores da União Democrática Nacional (UDN). Em 1948 Virgílio foi assassinado por um ex-empregado que também foi morto por Virgílio quando este revidou os disparos recebidos. Trata-se de um crime envolto em mistérios cujas motivações nunca foram desvendadas35.

Analisando os relatos autobiográficos de Afonso Arinos, percebemos um grande destaque dado a esse irmão, a quem considerava um verdadeiro “político de ação” e o responsabilizava por inseri-lo no mundo da política.

32 VIRGÍLIO Alvim de Melo Franco. In: ABREU, Alzira Alves de. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro

pós-30. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, [2010]. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/

dicionarios/verbete-biografico/virgilio-alvim-de-melo-franco>. Acesso em: 8 jan. 2016.

33 CAMARGO, Aspásia; MARIANI, Maria Clara; TEIXEIRA, Maria Tereza. O intelectual e o político: encontros

com Afonso Arinos. Brasília: Senado Federal; Dom Quixote; Rio de Janeiro: CEPDOC/Fundação Getúlio Vargas, 1983. (Série Brasil, Memória Política, v. 2). p. 111.

34 VIRGÍLIO, [2000], op. cit. 35 Ibid.

Imagem 3 – Virgílio de Melo Franco36

Fonte: CENTRO... (2012)37.

Em seus relatos, Afonso Arinos destaca o prestígio político da família. Atesta-o a intensa participação dos seus membros na vida política tanto de Minas Gerais quanto do Rio de Janeiro desde o período do Império, adentrando a República. Tal prestígio também se fazia presente em situações incomuns, como durante a epidemia de gripe espanhola em 1918, que vitimou muita gente, entre elas, sua mãe e um dos irmãos. Em suas lembranças desse episódio, Afonso Arinos refere-se a sua residência, nos dias que seguiram a doença e a morte da mãe e do irmão, como um lugar repleto de pessoas ligadas à política e ao mundo intelectual, acrescida de profissionais de saúde, de guardas e de outros que atestavam tal prestígio. Status que se revela especialmente quando informa que, diferente dos demais mortos em Belo Horizonte, seu irmão Cesário foi sepultado graças à intervenção do presidente da República Venceslau Brás, num momento em que os enterros eram inviáveis38.

O seu convívio diário com pessoas ligadas à intelectualidade e com as várias possibilidades que esse meio lhe proporcionava certamente inspirou a forma como este intelectual construiu sua autoimagem, valorizando sua linhagem, privilegiando a confluência

36 Sem data de produção.

37 CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL. Acervo

audiovisual. Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <http://www.fgv.br>. Acesso em: 4 abr. 2012.

38 CAMARGO, Aspásia; MARIANI, Maria Clara; TEIXEIRA, Maria Tereza. O intelectual e o político: encontros

com Afonso Arinos. Brasília: Senado Federal; Dom Quixote; Rio de Janeiro: CEPDOC/Fundação Getúlio Vargas, 1983. (Série Brasil, Memória Política, v. 2). p. 78; FRANCO, Afonso Arinos de Melo. A alma do tempo: memórias de Afonso Arinos de Melo Franco. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1979. (Coleção Alma do Tempo, v. 1). p. 70-71.

do intelectual com o político e ressaltando sua atuação de homem público. Autoimagem que influenciou quase todos os que escreveram sobre ele. O livro originado dos depoimentos colhidos pelo CPDOC é exemplar. Seu título, O Intelectual e o Político: Encontros com Afonso

Arinos, traduz a forma como esse intelectual se descreveu e como boa parte dos que escreveram

sobre ele também acolheu essa definição.

A. Santos39, em seu estudo40, captou a correspondência entre o que Afonso Arinos “[...] pretendeu ser e aquilo que ele foi na visão da maioria de seus contemporâneos”, ao concluir que esse intelectual, ao escrever sobre si, fez uma representação consciente e eficaz de sua trajetória, oferecendo uma “[...] imagem homogênea e constante da sua experiência de vida fragmentada em todos os depoimentos” 41.

Ao traçar seu percurso por meio das várias memórias, dos discursos e, particularmente, dos depoimentos, Afonso Arinos definiu a sua inserção na política como algo inevitável e natural. A política não seria propriamente uma vocação. A adesão a esse universo seria fruto da vivência em um ambiente marcado pela política e a ocupação de cargos era apresentada como uma tradição de família: “[...] a política como fator existencial, como ambiente, sempre respirei dentro de casa. É como se eu fosse filho de um médico e respirasse a atmosfera dos hospitais”42.

Ao examinar a série de entrevistas realizadas pelo CPDOC, Alberti43 chama a atenção para o que denominou de marca autobiográfica de Afonso Arinos, pois se tratava de um entrevistado cuja história já havia sido narrada em cinco volumes de memórias. Alberti44

39 SANTOS, Alessandra Soares. Afonso Arinos historiador: uma identidade para as elites brasileiras. 2006. 200 f.

(Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/VGRO- 6XSQ96>. Acesso em: 24 abr. 2016. p. 20.

40 Desde as primeiras leituras que fizemos dos escritos de Afonso Arinos chamou-nos a atenção o esforço que este

autor empreendia para dar uniformidade e coerência a sua trajetória. Era notório como moldava uma personalidade cuja defesa do humanismo e do liberalismo era ressaltada. Ao analisarmos os escritos sobre este intelectual, também constatamos como muitos autores se “renderam” a essa imagem edificada pelo próprio Afonso Arinos e como era ratificada e consolidada nessa bibliografia. O trabalho de Alessandra Santos é um dos poucos que discute este aspecto e capta muito bem essa construção. Remetemos o autor a esse estudo para uma compreensão maior acerca desse tema e de suas relações com a escrita de si e construção de memória. Ibid., p. 19-54.

41 SANTOS, A., op. cit., p. 20.

42 CAMARGO, Aspásia; MARIANI, Maria Clara; TEIXEIRA, Maria Tereza. O intelectual e o político: encontros

com Afonso Arinos. Brasília: Senado Federal; Dom Quixote; Rio de Janeiro: CEPDOC/Fundação Getúlio Vargas, 1983. (Série Brasil, Memória Política, v. 2). p. 101.

43 ALBERTI, Verena. "Idéias" e "fatos" na entrevista de Afonso Arinos de Mello Franco. In: FERREIRA, Marieta

de Moraes (Coord.) Entre-vistas: abordagens e usos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1994. p. 33-65. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/193.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2016. p. 35-36.

44 Afonso Arinos costumava pedir à noiva que escrevesse suas cartas sobre a mesa, para evitar que as letras se

apagassem com o tempo. Essa correspondência trocada pelo casal no período de 1927 e 1928 foi publicada sob o nome de Diário de Bolso seguido de Retrato de Noiva. Cf. ALBERTI, op. cit., p. 35-36.

acrescenta a observação de que o interesse desse intelectual pela autobiografia antecede o período em que tais memórias foram escritas e publicadas, na medida em que, desde os 21 anos de idade, ele já demonstrava preocupações com o registro biográfico.

Alberti45 observa a imbricação entre a trajetória individual, história e tradição familiar como definidoras dessa marca autobiográfica que, por sua vez, dá a Afonso Arinos a certeza permanente de “pertencimento à cultura e à história”, o que resulta em implicações sobre as entrevistas. Afirma também que o conjunto narrativo fornecido por ele instituiu um padrão que se repetiu em várias passagens dos seus depoimentos. Desse padrão, resultou uma dicotomia que opôs o político de ação ao político de palavra e a entrada na política como algo inevitável, como um destino. A detenção de uma boa oratória alia-se aos relatos sobre a tradição política da família para explicar sua inserção na política:

Mas eu não tinha intenção de fazer política. Essa foi uma decisão tomada por meu irmão Virgílio [...] Creio que tinha ideia da sua insuficiência na tribuna. Muito mais do que eu, ele era um líder político, realmente. Um apaixonado, um sectário, um bravo, mas não era um homem de tribuna e pressentia essa qualidade em mim46.

E foi a imagem de um “homem da tribuna”, associada à de homem das letras, que prevaleceu como marca autobiográfica de Afonso Arinos. Alberti47 também registra o fato de que ele demarcou sua entrada na política em 1945, quando se candidatou a uma vaga na Assembleia Nacional Constituinte por Minas Gerais, na legenda da UDN. Ao instituir esse marco, tudo o que foi feito anteriormente passava a largo da política. Nesse traço reside a elaboração da imagem homogênea de um político que sabia usar a oratória, porém, desprovido de ações, e principalmente a negação de qualquer envolvimento político fora dos quadros institucionais antes de sua decisão de adentrar nesse universo.

Examinando várias passagens das entrevistas reunidas no livro O Intelectual e o

Político, essa construção se sobressai. A ideia que nos é oferecida pelo entrevistado é de que a

sua trajetória individual e familiar está fortemente entrelaçada com os principais momentos da história do país, entretanto ele parece participar de tudo de uma forma inevitável, natural, sem maiores intenções ou pretensões. Em alguns casos, transparece a ideia de que seria algo quase