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CAPÍTULO 2 IMPESSOALIDADE

2.6 Legislação brasileira

2.6.6 Agências reguladoras

Há forte conexão entre a impessoalidade e a ideologia que norteou a criação das agências reguladoras, as quais têm como funções primordiais: i) a profissionalização – e despolitização – da Administração Pública; ii) a instituição de marcos regulatórios específi- cos aos setores regulados e dotados de ampla tecnicidade198.

A autonomia e a independência das agências reguladoras são materializadas por ins- trumentos legais e institucionais como: i) nomeação de seus dirigentes por mandato determi- nado, durante o qual é vedada a exoneração ad nutum; ii) o poder normativo no setor regula- do; iii) autonomia financeira e orçamentária199.

O princípio da impessoalidade está no cerne da ideologia que levou à consolidação das agências reguladoras no ordenamento jurídico pátrio. A busca em estabelecer uma atua- ção administrativa impessoal e imparcial – desvinculada de interesses momentâneos políti- co-partidários – constitui o norte e o objetivo destas instituições. O princípio da impessoalidade, aqui, concretiza-se na esfera da organização administrativa200.

198 Nesse sentido, confira-se a posição de Alexandre Santos de Aragão (Agências reguladoras...., p. 87-88): “Profissionalização (Despolitização) da Administração Pública e Democracia – Estado Plural

“O grande risco da fluidez dos objetivos fixados na legislação é a possibilidade de, em razão da sua inevitável generalidade, serem instrumentalizados politicamente pelas forças políticas momentaneamente dominantes. Para evitar que os objetivos das normas sejam tomados por apenas uma parcela da sociedade, têm sido criados órgãos ou entidades autônomas, cujos dirigentes não podem ser exonerados ad nutum e cuja composição é feita de tal forma que tenda a ser heterogênea política e ideologicamente.

Veja-se, por exemplo, as agências reguladoras, cujos dirigentes são nomeados por mandatos certos não coin- cidentes, propiciando a nomeação deles ao longo de diversos governos. A medida, longe de se afastar da democracia, com um suposto afastamento destas instâncias das forças políticas majoritárias, assegura o pluralismo no seio do Estado sem retirar totalmente o poder de controle do Chefe do Poder Executivo ou do Poder Legislativo. São, destarte, uma fórmula apta a propiciar a necessária combinação entre o pluralismo e o princípio majoritário.

199 Confira-se Alexandre Aragão, uma vez mais, sobre a autonomia e independência das Agências Reguladoras: (Agências reguladoras..., p. 218-219):

“As primeiras agências reguladoras independentes criadas entre nós guardaram pertinência com a retração da intervenção estatal em vastos setores da vida econômica, que teve como reverso a consciência de que o Estado não poderia deixar apenas ao alvedrio empresarial a gestão de atividades de indubitável interesse público, que deveriam, portanto, ficar sob o seu poder regulatório. Procurou-se, todavia, fazer com que a regulação de tais atividades não ficasse sujeita à variação dos humores político-partidários, dotando-se as entidades dela incum- bidas de uma especial autonomia em relação ao Poder Executivo central.

(...)

Para evitar o déficit democrático destas instituições devemos ter sempre clara a sua vinculação às pautas estabelecidas pelo Legislador para as políticas públicas cuja implementação lhes é atribuída, assim como a necessária coordenação que devem possuir com o restante da Administração Pública, com o Poder Executivo central e com a rede composta do conjunto das demais instituições independentes. Vemos, assim, que a nomen- clatura ‘independente’ é apenas um meio de denotar a sua autonomia reforçada, que, todavia é, como toda autonomia, por definição limitada”.

200 Nessa perspectiva, confira-se o entendimento de Alexandre Aragão (Agências reguladoras..., p. 217), com base na doutrina de Francesco Paolo Casavola: “um Estado que esteja dentro, não à frente dos processos

Na legislação relativa às agências reguladoras, destacam-se institutos como o manda- to e a quarentena. Ambos têm a ver com a impessoalidade.

O mandato fixo (com impossibilidade de exoneração ad nutum) dos Diretores das Agências Reguladoras e o período de quarentena após a saída deles dos respectivos cargos materializam, na essência, o princípio da impessoalidade.

Por um lado, buscam impedir que questões político-partidárias tenham influência marcante nas decisões das entidades reguladoras; por outro, a quarentena representa meca- nismo que busca impossibilitar que antigo Diretor de Agência Reguladora use de sua influên- cia para defender interesses privados no âmbito do setor regulado.

No regime da Lei nº 9.986/2000 (dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras), podem ser referidos dispositivos sobre mandatos dos dirigentes (arts. 6º e 7º) e sobre os respectivos impedimentos para o exercício de atividades ou a prestação de qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, por um período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do seu mandato (art. 8º).

É interessante observar que para não impingir prejuízo não razoável ao ex-dirigente, a lei estipulou que durante o impedimento ele ficará vinculado à agência, fazendo jus a remu- neração compensatória equivalente à do cargo de direção que exerceu e aos benefícios a ele inerentes (art. 8º, § 2º). O mesmo se aplica ao ex-dirigente exonerado a pedido, se este já tiver cumprido pelo menos seis meses do seu mandato.

O descumprimento da quarentena significa crime de advocacia administrativa, sujei- tando o infrator (o ex-dirigente) às penas da lei penal, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, administrativas e civis.

De acordo com a Lei nº 9.427/96 (institui a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL), art. 5º, o Diretor-Geral e os demais Diretores serão nomeados pelo Presidente da República para cumprir mandatos não coincidentes de quatro anos.

Por força do art. 6º da mesma lei, está impedida de exercer cargo de direção na ANEEL a pessoa que mantiver vínculos com qualquer empresa concessionária, permissionária, auto- rizada, produtor independente, autoprodutor ou prestador de serviço contratado dessas em- presas sob regulamentação ou fiscalização da autarquia, como: (i) acionista ou sócio com participação individual direta superior a três décimos por cento no capital social ou superior

sociais, deve encontrar instrumentos que sejam independentes dos poderes originários e constitutivos da estatalidade – O Governo e o Parlamento. E deve encontrar pessoas eticamente independentes que não tenham ideologia ou interesse como parte nos processos sociais”.

a dois por cento no capital social de empresa controladora (inciso I); (ii) membro do conselho de administração, fiscal ou de diretoria executiva; ou (iii) empregado, mesmo com o contrato de trabalho suspenso, inclusive das empresas controladoras ou das fundações de previdência de que sejam patrocinadoras.

Em consonância com o parágrafo único, do art. 6º, da Lei nº 9.427/96, também está impedido de exercer cargo de direção da ANEEL membro do conselho ou diretoria de asso- ciação regional ou nacional representativa de interesses dos agentes mencionados no caput (empresa concessionária, permissionária, autorizada, produtor independente, autoprodutor ou prestador de serviço contratado dessas empresas sob regulamentação ou fiscalização da autarquia), de categoria profissional de empregados desses agentes, bem como de conjunto ou classe de consumidores de energia.

Outro interessante instrumento vinculado ao princípio da impessoalidade é o contrato de gestão, concebido para a administração (impessoal) da ANEEL. De acordo com o art. 7º, caput, da lei de regência, uma cópia do instrumento deve ser encaminhada para registro no Tribunal de Contas da União, onde servirá de peça de referência em auditoria operacional. E consoante o § 1º do mesmo dispositivo, o contrato de gestão será o instrumento de controle da atuação administrativa da autarquia e da avaliação do seu desempenho e elemento inte- grante da prestação de contas do Ministério de Minas e Energia e da ANEEL, a que se refere o art. 9º da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, sendo sua inexistência considerada falta de natureza formal, de que trata o inciso II do art. 16 da mesma lei.

Além de estabelecer parâmetros para a administração interna da autarquia, os proce- dimentos administrativos, inclusive para efeito do disposto no inciso V do art. 3º, o contrato de gestão deve estabelecer, nos programas anuais de trabalho, indicadores que permitam quantificar, de forma objetiva, a avaliação do seu desempenho (§ 2º). E tal contrato será avaliado periodicamente e, se necessário, revisado por ocasião da renovação parcial da dire- toria da autarquia, sem prejuízo da solidariedade entre seus membros (§ 3º).

Já na Lei nº 9.472/97 (dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicação e a criação e funcionamento da ANATEL), dignos de notas o art. 24, caput, segundo o qual o mandato dos membros do Conselho Diretor será de cinco anos, e o art. 25, no sentido de que os mandatos dos primeiros membros do Conselho Diretor serão de três, quatro, cinco, seis e sete anos, a serem estabelecidos no decreto de nomeação. Também pode ser referido o art. 30: “Até um ano após deixar o cargo, é vedado ao ex-conselheiro representar qualquer pes-

soa ou interesse perante a Agência”. E o parágrafo único, do mesmo art. 30, estabelece ser vedado “ao ex-conselheiro utilizar informações privilegiadas obtidas em decorrência do cargo exercido, sob pena de incorrer em improbidade administrativa”.

Na Lei nº 9.478/97, que instituiu a Agência Nacional de Petróleo – ANP, são relevan- tes, para os fins desta investigação, o art. 11, § 3º, no sentido de que os membros da Diretoria cumprirão mandatos de quatro anos, não coincidentes, permitida a recondução, e o art. 14, sobre quarentena, assim redigido:

Art. 14. Terminado o mandato, ou uma vez exonerado do cargo, o ex-Dire- tor da ANP ficará impedido, por um período de 12 (doze) meses, contado da data de sua exoneração, de prestar, direta ou indiretamente, qualquer tipo de serviço a empresa integrante das indústrias do petróleo e dos biocombustíveis ou de distribuição.

§ 1° Durante o impedimento, o ex-Diretor que não tiver sido exonerado nos termos do art. 12 poderá continuar prestando serviço à ANP, ou a qualquer órgão da Administração Direta da União, mediante remuneração equivalen- te à do cargo de direção que exerceu.

§ 2° Incorre na prática de advocacia administrativa, sujeitando-se às penas da lei, o ex-Diretor que violar o impedimento previsto neste artigo. Possuem previsões semelhantes as Leis 9.961/2000 (ANS), 9.984/2000 (ANA) e 11.182/2005 (ANAC).