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CAPÍTULO 2 IMPESSOALIDADE

2.7 Jurisprudência

2.7.3 Tribunal de Contas da União

No âmbito do Tribunal de Contas da União, também há farta jurisprudência sobre a impessoalidade administrativa, em seus múltiplos aspectos.

Afinal de contas, tendo o TCU atribuições constitucionais amplas, naturalmente tem oportunidade de colaborar na construção jurisprudencial do Direito Administrativo.

Para se ter uma ideia, podem ser localizados e referidos, a partir de sua jurisprudên- cia, em torno do tema da impessoalidade, dentre outras, as seguintes matérias:

a) Nepotismo e “transnepotismo” (troca de favores entre dirigentes de órgãos pú- blicos, de poderes e/ou esferas distintos);

b) Admissão de pessoal sem concurso público em conselho de fiscalização profis- sional;

c) Irregularidades em cessão de terreno de propriedade da União; d) Provimento de cargo de professor sem concurso público;

e) Contratação de empresa cujo sócio-gerente é dirigente da entidade contratante (relacionamento entre gestor e empresa contratada);

f) Inexigibilidade (indevida) de licitação na terceirização de serviços administrati- vos ligados à atividade fim;

g) Inexigibilidade (indevida) de licitação na contratação de fundação de apoio por instituição federal de ensino superior;

h) Processo seletivo para contratação de pessoal do sistema “s”;

i) Contratação, sem concurso público, de pessoas ligadas a funcionários e a diri- gentes de conselho de fiscalização profissional;

j) Restrições ao caráter competitivo de licitações; k) Direcionamento de licitações;

l) Conluio entre licitantes;

m) Despesas irregulares com diárias e passagens;

n) Aquisição direta de gêneros alimentícios junto a empresa pertencente a dirigente de entidade do sistema “s”;

o) Aquisições e contratações à custa de recursos federais por organizações não gover- namentais (ONGs) e organizações de sociedade civil de interesse público (OSCIPs); p) Requisição de servidores;

q) Confusão entre OSCIP e dirigentes de empresas que executavam serviços para a entidade, à conta de serviços públicos;

r) Celebração e pagamento de acordos extrajudiciais; s) Não emissão e preterição de pagamentos de precatórios; t) Inaplicabilidade da Lei nº 8.666/93 às OSCIPs;

u) Celebração de acordos coletivos de trabalho incluindo a concessão de vantagens excessivamente onerosas para os cofres da entidade (conselho de fiscalização profissional) além de não condizentes com a realidade de mercado e com a fina- lidade da lei;

v) Existência de grau de parentesco entre membro da Comissão Permanente de Li- citação e proprietário de firma participante de certames;

w) Descumprimento de prazo de permanência de servidores requisitados.

As matérias acima reveladas, colhidas (propositalmente) a esmo da jurisprudência do TCU, para a confecção de um rol exemplificativo, podem ser assim condensadas: i) Nepotismo; ii) Indevidas dispensa ou inexigibilidade de licitação; iii) Fracionamento indevido de despe- sas para fugir do processo licitatório; iv) Repasses de verbas a empresas de parentes sem quaisquer critérios objetivos; iv) Uso de bens públicos para satisfazer interesses particulares; v) Submissão de entidades paraestatais (principalmente Sistema “S”) aos princípios regentes da Administração Pública; vi) contratação sem concurso público; vii) conflitos de interesse em concursos públicos.

Ao julgar caso em que foi contratada empresa terceirizada de parentes de funcionári- os da empresa pública contratante (INFRAERO), a Primeira Turma do TCU, no Acórdão nº 1.680/2005, teve oportunidade de assentar que, verbis:

“De fato, as normas relativas à terceirização de serviços pela Administração Pública não preveem proibição de as empresas terceirizadas contratarem parentes de funcionários do órgão licitante. Porém, a intervenção direta pe- rante a contratada com o intuito de direcionar suas contratações de pessoal é claramente irregular, por afrontar princípios da boa administração, sobre- tudo os da impessoalidade e da moralidade.

A identificação dessas falhas é de extrema dificuldade, pois a existência de parentes desempenhando serviços terceirizados apenas indica a possibilida- de da ilegalidade. Nesse contexto, uma determinação com conteúdo impeditivo mostra-se a melhor solução para evitar que funcionários da ad- ministração, com poder de influência, beneficiem parentes nos contratos de terceirização de serviços, em consonância com o supratranscrito Acórdão 926/2003 - Plenário.”

Mostra-se assaz interessante a decisão prolatada pela Primeira Câmara do TCU no Acórdão nº 3139/05, em caso que envolvia nepotismo no Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe – TRE/SE, no sentido de que “... de fato, a questão abordada nos autos, pertinente à possibilidade de nomeação, no âmbito da jurisdição dos tribunais ou juízos, de servidores ocupantes de cargo em comissão/função comissionada que detenham vínculo de parentesco até o terceiro grau, inclusive, ou que sejam cônjuges ou companheiros, dos respectivos mem- bros ou juízes vinculados, já foi exaustivamente debatida no âmbito desta Corte, cujo enten- dimento é no sentido de considerar tal prática condenável, por configurar ofensa aos princí- pios que regem a Administração Pública, sobretudo os da moralidade, impessoalidade e finalidade administrativa”.

Também merece destaque o Acórdão nº 562/2009 (Primeira Câmara), oriundo do Município de Passo de Camaragibe/AL, em que o TCU teve como irregulares aquisições, sem licitação, efetuadas em postos de gasolina pertencentes a parentes da Prefeita e do Secre- tário de Finanças do Município.

Já no Acórdão nº 5290/2008 (Segunda Câmara), em caso oriundo de Paranatinga/MT, o TCU assentou que a colocação, em locais de obras custeadas com recursos federais, de placa de agradecimento a autoridades políticas, configura promoção pessoal de tais autorida- des, em contrariedade aos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade e ao disposto no art. 2º da Lei 6.454/77 e no art. 37, § 1º, da Constituição da República.

Digna de nota a referência ao Acórdão nº 2485/2008, em que o Plenário do TCU teve como ilegal concurso público promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região porque a organização do certame foi realizada por servidor público que também era candida- to a uma das vagas em disputa. Afirmou que “em observância aos princípios da moralidade, da impessoalidade e da transparência, deve o órgão jurisdicionado adotar providências pertinentes, no sentido de coibir que servidor, ocupante de cargo efetivo ou comissionado ou ainda de função de confiança, acumule atribuições relacionadas à condução de concurso

público para provimento de cargos com a sua própria participação no certame como candi- dato a uma das vagas oferecidas”.

O TCU, em tema de licitações e contratos, vislumbrados pelo ângulo da impessoalidade administrativa, em sua instrumentalização recíproca com a legalidade, a publicidade e a isonomia, tem ricas orientações253.

253 De que são exemplos: a) O princípio que refuta a restrição ao caráter competitivo não é absoluto, represen- tando essencialmente a expressão sintetizada de uma orientação vista em caráter de generalidade, a admitir, por óbvio, excepcionalidades que sejam conduzidas por circunstâncias ensejadoras de determinada feição fora do comum. Não se admite a discriminação arbitrária na seleção do contratante, sendo insuprimível o tratamento uniforme para situações uniformes, tendo em vista que, nos termos do art. 3º, caput, da Lei nº 8.666/1993, a licitação destina-se a garantir não só a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, e também a observância do princípio constitucional da isonomia. Acórdão 1631/2007 Plenário (Sumário); b) A restrição à competitividade, causada pela ausência de informações essenciais no instrumento convocatório, é causa que enseja a nulidade da licitação. Acórdão 1556/2007 Plenário (Sumário); c) É inconstitucional e ilegal o estabe- lecimento de exigências que restrinjam o caráter competitivo dos certames. Acórdão 539/2007 Plenário (Su- mário); d) Devem ser evitadas exigências que comprometam o caráter competitivo da licitação. A licitação deve ser processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos. Acórdão 112/2007 Plenário (Sumário); e) As exigências editalícias devem limitar-se ao mínimo necessário para o cumprimento do objeto licitado, de modo a evitar a restrição ao caráter competitivo do certame. Acórdão 110/2007 Plenário (Sumá- rio); f) Inclua, quando contratar manutenção de sistemas, descrição sumária de suas funcionalidades, estimati- va de tamanho e complexidade de suas operações, em atenção ao princípio da isonomia, referido no art. 3 da Lei nº 8.666/1993. Acórdão 2220/2008 Plenário; g) Observe as disposições contidas no parágrafo único do art. 4º do Decreto nº 3.555/2000, especialmente no que tange à interpretação das normas disciplinadoras da licitação em favor da ampliação da disputa entre os interessados, desde que não comprometam o interesse da Adminis- tração e os princípios que regem o processo licitatório. Acórdão 1046/2008 Plenário; h) Abstenha-se de aceitar propostas de bens com características diferentes das especificadas em edital, em respeito ao princípio de vinculação ao instrumento convocatório, consoante o art. 3º da Lei nº 8.666/1993. Acórdão 932/2008 Plená- rio; i) A Lei nº 8.666/1993 estabelece, no seu art. 3º, os princípios que devem nortear os procedimentos licitatórios, dentre eles o da publicidade e o da isonomia. O princípio da publicidade consagra o “dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos”. O TCU, ao analisar esse princípio, assim o explicou: “Qualquer interessado deve ter acesso às licitações e seu controle, mediante divulgação dos atos praticados pelos administradores em todas as fases da licitação”. Acórdão 204/2008 Plenário (Relatório do Ministro Relator); j) Zele para que não sejam adotados procedimentos que contrariem, direta ou indiretamente, o prin- cípio básico da vinculação ao instrumento convocatório, de acordo com os arts. 3º e 41 da Lei nº 8.666/1993. Acórdão 2387/2007 Plenário; k) Observe os princípios da transparência, do julgamento objetivo, da vinculação ao instrumento convocatório e da escolha da proposta mais vantajosa para a Administração, conforme regem os arts. 3º, art. 40, VII, art. 41, caput, 43, IV, art. 44, § 1º e art. 45, da Lei nº 8.666/1993. Acórdão 1286/2007 Plenário; l) Observe, especialmente em relação à interpretação em favor da ampliação da disputa entre os interessados, desde que não comprometam o interesse da Administração e os princípios que regem o processo licitatório, as regras estabelecidas no parágrafo único do art. 7º do Decreto nº 3.555/2000, e no art. 5º, caput e parágrafo único, do Decreto nº 5.450/2005. Acórdão 536/2007 Plenário; m) Atente para o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, bem assim abstenha-se de efetuar exigências que comprometam o caráter compe- titivo do certame, em desacordo com o art. 3º, caput e § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/1993. Acórdão 112/2007 Plenário; n) Ao examinar o assunto no primeiro momento (...), compreendi como adequadas as proposições então formuladas (...), uma vez que as irregularidades noticiadas nos autos configuram risco de inobservância, no processo licitatório, dos princípios da competição e da isonomia, além da possibilidade de frustração da escolha da proposta mais vantajosa, entendendo oportuna, desse modo, a manifestação do gestor. Acórdão 1162/2006 Plenário (Voto do Ministro Relator); o) Observe rigorosamente as disposições contidas no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988 c/c o art. 3º da Lei nº 8.666/1993, obedecendo aos princípios constitu- cionais da publicidade, da igualdade, da isonomia e da impessoalidade, de modo a impedir restrições à competitividade. Acórdão 819/2005 Plenário; p) A violação de princípios básicos da razoabilidade, da economicidade, da legalidade e da moralidade administrativa, e a desobediência às diretrizes fundamentais da

licitação pública, no caso, a isonomia entre licitantes, o julgamento objetivo, a vinculação ao instrumento convocatório, bem como o caráter competitivo do certame constituem vícios insanáveis que ensejam a fixação de prazo para exato cumprimento da lei, no sentido de declarar a nulidade do certame. Acórdão 6198/2009 Primeira Câmara (Sumário); q) Observe o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, de acordo com as dispo- sições exaradas especialmente no art. 3º da Lei 8.666/1993. Acórdão 330/2010 Segunda Câmara.

Há também vasta construção jurisprudencial no TCU acerca da delicada questão da impessoalidade no Terceiro Setor.

A Primeira Câmara do TCU, no Acórdão nº 3434/2012 (Processo nº 018.016/2006-0), em caso relativo a Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Mato Grosso do Sul – SEBRAE/MS, detectou irregularidades na celebração de avenças com diversas entidades, notadamente com a Fundação de Apoio da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, com destaque para a “relação existente entre suas cúpulas diretivas”. Aludiu à falta de pertinência entre os objetos e as finalidades institucionais do SEBRAE, com violação aos princípios da Impessoalidade e da Moralidade.

Já no Acórdão nº 2.575/2012 (Processo nº 027.265/2006-4), o Plenário do TCU, em feito que envolveu o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE/MEC, a Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade/MEC, encontrou indícios de irregularidades, diante da falta de critérios claros e objetivos, em repasses de recursos efetivados pela Petrobras, sob a forma de patrocínios, convênios e outros meios assemelhados, para ações de caráter social.

Ao julgar o Processo nº 025.031/2008-2, oriundo de Tomada de Contas Especial, o Plenário do TCU, em mais um caso que envolveu o SEBRAE/MS, teve oportunidade de fixar o entendimento de que fere a impessoalidade a circunstância de uma mesma pessoa susten- tar, em dada relação jurídica, interesses contrapostos de mais de uma entidade.

É também do Plenário do TCU (Processo nº 026.269/2007-7 - Acórdão nº 2922/2013), em caso que envolveu a Prefeitura Municipal de Betim/MG, a compreensão de que convêni- os celebrados entre municipalidades e organizações não governamentais, relativos a recursos do Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS, devem zelar pelo cumprimento dos desíg- nios constitucionais.

Finalmente, merece destaque julgado do Plenário do TCU (Processo nº 007.670/2012- 5 – Acórdão nº 696/2014), oriundo de Tomada de Contas Especial, no interesse do Município de Pinhais/PR, em que a Corte de Contas detectou irregularidades na aplicação de recursos repassados a organizações da sociedade civil de interesse público – OSCIPs, na condição de meras intermediárias de mão de obra, com burla ao concurso público.