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Direito Administrativo como sistema

CAPÍTULO 1 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

1.6 Direito Administrativo como sistema

No trato da teoria do “Direito Administrativo como sistema”, relevante para que se empreste à impessoalidade uma visão mais ampla, não só de ação, mas também de organiza- ção administrativa, destaca-se a obra do professor alemão Eberhard Schmidt-Assmann80/81.

Em sua “Teoria geral do direito administrativo como sistema: objeto e fundamentos da construção sistemática”, o notável doutrinador alemão assinala pelo menos três traços metodológicos para a reconstrução da parte geral do direito administrativo, bem definidos por Javier Barnés82:

a) Concepção de direito administrativo como “ciência de direção”;

b) Compreensão mais ampla do sistema e dos objetivos da ciência do direito admi- nistrativo;

c) Ideia de “setores de referência”.

Por “ciência de direção” deve ser entendido um direito que tem por aspiração dirigir processos sociais. Assim, o direito administrativo não pode estar limitado à simples constru- ção dogmática de regras jurídicas, categorias, institutos ou doutrinas, mas também deve se preocupar com a criação de condições e pressupostos que assegurem, ao Direito, eficácia e eficiência, em benefício do cidadão.

De outro lado, explica Bernés, enquanto o sistema jurídico que se inspira na dogmática tradicional estava centrado na interpretação das normas e na criação do Direito, a sistemática que se nutre da perspectiva científica que aporta da “doutrina de direção”, partindo da análise da realidade do Estado e da sociedade, tem por objeto, antes de tudo, o estudo da organiza- ção, o pessoal e o procedimento, na busca de uma maior eficácia.

Ademais, para determinar em que medida os institutos tradicionais do direito admi- nistrativo ainda cumprem sua função integradora, ou, ao revés, devem ser reformados, é necessário mergulhar em cada setor de sua parte especial e descer aos problemas concretos,

80 La teoría general del derecho administrativo como sistema: objeto y fundamentos de la construcción sistemática. (tradução espanhola do original: Das Allgemeine Verwaltungsrecht als Ordnungs Idee). Madrid/ Barcelona: Marcial Pons, 2003.

81 Para Javier Barnés, ao apresentar a tradução para o espanhol da obra referida (p. XVII): “no cabe duda de que este trabajo contiene una de las más notables reflexiones de la doctrina alemana del Derecho público de los últimos años y así es considerado en aquel país por no pocos iuspublicistas. Es una obra que se inscrebe y entronca con la mejor tradición del Derecho administrativo como disciplina sistemática, con pensadores como OTTO MAYER y FRITZ FLEINER”.

aos interesses e aos objetivos específicos ali suscitados. A parte geral não pode ser fruto de abstração e generalização, mas sim algo mais.

Bernés afirma que o trabalho de Schmidt-Assmann condensa alguns fios condutores: a) O sistema conceitual do Direito Administrativo tradicional, herdado do Estado liberal, se baseia em esquemas, postulados ou presunções que nem sempre resul- tam úteis para apreender por inteiro os novos fenômenos e realidades do nosso tempo. No particular, basta pensar, por exemplo, no próprio conceito de Admi- nistração, que não pode mais ficar preso à ideia de separação de poderes, mas sim à compreensão de que o exercício do poder público, do poder do Estado, está sujeito a exigências constitucionais específicas, atrativas das esferas de respon- sabilidade;

b) Tanto a Ciência do Direito Administrativo como as denominadas ciências da Administração têm o mesmo objeto de estudo e investigação: a Administração. Não há relação de subordinação ou preferência entre elas. Cada uma exerce ou cumpre uma função auxiliar em relação à outra. A identidade do objeto material (basta examinar a coincidência de temas em matérias entre tratados de Direito Administrativo e de Ciência da Administração) pode sugerir que, com o passar do tempo, tenha sido concebido um virtuoso sistema de comunicação, um fluido intercâmbio de conhecimentos específicos. Nada mais enganoso. Não se pode falar em interdisciplinaridade, a não ser a partir da soma dos distintos produtos científicos aportados por cada uma das ciências em questão de acordo com as respectivas ópticas, isto é, de multidisciplinaridade. Propõe-se, então, um “en- tendimento de base” sobre determinados conceitos ou parâmetros utilizados por ambas as ciências. Trata-se de promover a construção sistemática de conceitos “associativos” de caráter “interdisciplinar” que possam fazer uma “ponte” entre as disciplinas e que constituam “chaves interpretativas” de diálogo científico; c) A parte geral do Direito Administrativo deve ser um lugar de reflexão e de recep-

ção, para que se promovam revisões dos dogmas tradicionais e a construção de novas categorias, mormente na busca de uma Teoria Geral do Direito Adminis- trativo Europeu. As funções e o objeto dessa reconstrução passam pelo cultivo de novos “setores de referência”, novos modelos de comunicação e novas estruturas administrativas. Em todos esses campos se encontra presente o “Direito Admi-

nistrativo da informação”, que se converte, assim, não em um setor a mais, mas sim na coluna vertebral da reforma da teoria geral.

A força das ideias de Schimdt-Assmann perpassa, integralmente, a compreensão do que vem a ser impessoalidade. Para o autor:

“La parte general del Derecho administrativo, su Teoría general, constituye algo más que una disciplina académica capaz de poner en relación o de dar cierta unidad a determinados elementos o piezas aisladamente considera- dos, tales como las categorías y formas jurídicas, el procedimiento, la organización y la responsabilidad administrativas. Es una idea ordenadora, sobre la que luego se abundará, y cuyo objeto consiste en asegurar que cada institución o figura tenga un contexto cada vez más amplio; y en garantizar la evolución dogmática y la capacidad de adaptación de cada una de esas categorías con el resto del sistema. Ello exige y presupone un vigoroso y penetrante pensamiento racionalizador y analítico, susceptible de elevarse hacia categorías más generales. La clave de bóveda de esa ‘idea ordenadora’ consiste en la inducción de una teoría general a partir de las particularidades que presentan cada uno de los sectores del Derecho administrativo especial y en la reconducción de cada una de las piezas y soluciones singulares hacia principios generales del Derecho, entendidos ambos como procesos de interacción recíproca. Desde el punto de vista metodológico, tal idea ordenadora tiene por objeto la construcción de un sistema; se sirve a este propósito de un presupuesto o postulado sistemático”.83

Realçando a ideia (sistêmica) de uma “dupla função” para o Direito Administrativo, Schmidt-Assmann leciona que, se a relação entre Estado e indivíduo é, em toda a sua exten- são, uma relação de caráter jurídico, resulta claro que o Direito Administrativo não pode se limitar a regras pontuais e concretas, ou seja:

“Si cualquier actuación del Estado se halla necesitada de una justificación o de un título legitimante, al Derecho administrativo no le bastará con ocuparse del estudio de las acciones administrativas singulares propias de ciertas re- laciones marcadas por la idea de defensa o de protección. De ahí que el Derecho administrativo no se pueda circunscribir al estudio de las clásicas 83 Obra citada, p. 1-2.

relaciones de intervención o injerencia o a las de carácter prestacional, sino que habrá de ocuparse igualmente de todo lo relativo a la organización ad- ministrativa; de las cuestiones que se refieren a la obtención de información administrativa y a los procesos de toma de decisiones. El Derecho adminis- trativo no se reduce, pues, a la perspectiva que proporciona la tutela judici- al, sino que habrá de tener en cuenta también aquellos sectores a los que la sonda del control judicial no llega. No se trata sólo, por tanto, de racionali- zar o limitar la acción administrativa desde el exterior, sino que es preciso ahormarla desde dentro, de acuerdo con los patrones del principio democrá- tico y del Estado de Derecho. De la misma manera que la Constitución aspira a la juridificación del Estado en su globalidad, así habrá de operar el Derecho administrativo con la Administración pública, impregnando todas sus relaciones externas e internas, tanto en aquellos contactos puntuales o esporádicos con el ciudadano como en las relaciones sistemáticas e de mayor calado y extensión. No quiere decirse con ello que lo ‘exterior’ o lo ‘interi- or’ deban disolverse necesariamente en una misma cosa, pues cada una de esas esferas puede tener sus propias leyes, unas peculiares inercias o necesidades y, en suma, explicarse a través de dogmáticas también distin- tas. Ahora bien, la esfera y los procesos ‘internos’ se hallan en la base misma, constituyen un importante fundamento para el entendimiento y la ordenación de cada una de las actividades con efectos hacia fuera”.84

As esferas da Administração, a interna e a externa, devem estar harmonizadas, sendo papel do Direito Administrativo a busca de um necessário equilíbrio, dialogado com outras disciplinas, de modo que o agir impessoal, sobretudo na seara decisória, seja propiciado por uma organização administrativa voltada ao cumprimento do mesmo princípio constitucional.