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Direito Administrativo do interesse público

CAPÍTULO 1 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

1.5 Direito Administrativo do interesse público

Postula-se pela identificação de um conteúdo autônomo para o princípio da impessoalidade no Brasil que sirva de parâmetro para uma atuação administrativa decisória juridicamente hígida e responsável.

40 Para Michelle Carducci (Por um direito constitucional altruísta. Tradução de Sandra Regina Martini Vial, Patrick Lucca da Ros e Cristina Lazzaroto Fortes. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 57-59): “(...) o declínio progressivo do Estado-Nação como figura central da economia-mundo significou a desterritorialização da economia (do desenvolvimento e da divisão do trabalho), ou seja, o desaparecimento do espaço geográfico – e, ainda antes, cultural e político – do Estado como mecanismo fundamental ou ‘motor’ da ‘máquina’ do desenvolvimento. Como consequência, o mecanismo ‘vitimário’ que exclui povos e indivíduos do planeta do acesso aos ‘bens fundamentais’ é um problema relacionado com os direitos fundamentais de liberdade e que, no horizonte da ‘globalização’ do homem e do mundo, não pode ser delegado à soberania de cada Estado Nacional, mas à inteira comunidade internacional. (...) Daí a urgência de pensar a democracia como novo princípio político destinado a garantir a ‘dignidade’ humana no pluralismo e no ‘moral disagreement’. E daí a urgência de um Direito Constitucional ‘altruísta’ como novo nomos da Terra, capaz de contestar o princípio da soberania e os interesses da razão de Estado como fundamento exclusivo da legitimidade e da liberdade”.

A impessoalidade, a nosso sentir, será observada, pragmaticamente, quando alcança- do o interesse público. Mas o que é interesse público? Ensina Alexandre Santos de Aragão42

que as concepções anglo-saxônicas e europeias sobre interesse público são distintas:

“Enquanto nos EUA e no Reino Unido o interesse público é considerado como intrinsecamente ligado aos interesses individuais, sendo próximo do que resultaria de uma soma dos interesses individuais (satisfação dos indi- víduos = satisfação do interesse público), nos Estados de raiz germânico- latina é tendencialmente considerado superior à soma dos interesses indivi- duais, sendo superior e mais perene que eles, razão pela qual é protegido e perseguido pelo Estado, constituindo o fundamento de um regime jurídico próprio, distinto do que rege as relações entre os particulares”.

Para Carlos Vinícius Alves Ribeiro43, o interesse público (“conceito determinável”)

dotado de supremacia é só aquele internalizado pela Administração, incluído entre os fins administrativos, cabendo à lei (instrumento normativo genérico e abstrato) adicionar objeti- vos à administração. Com apoio em Alessi, ensina que “não é a própria administração que diz onde existe e onde não existe interesse público como móvel do agir administrativo, mas somente a lei (instrumento jurídico genérico e anterior à prática do ato)”44.

Por isso mesmo, para Fernando Dias Menezes de Almeida45, a essência da

impessoalidade está “no fato de o tratamento dado pelos agentes estatais aos casos individu- ais e concretos estar fundamentado numa decisão anterior geral e abstrata”.46

Sucede que em nome da supremacia do interesse público, numa visão retrógrada,

42 Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 151-152.

43 Interesse público: um conceito jurídico determinável. In: Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010, p. 103 a 119.

44 Para o mesmo autor (Interesse..., p. 104): “...não basta que a administração diga que fará ou deixará de fazer algo, eventualmente atingindo interesses legítimos de indivíduos, por essa ação ou inação de interesse público. É preciso rechear o conceito, destrinchá-lo, dizer qual é efetivamente o interesse público naquele caso concreto e qual regra jurídica lhe atribui superioridade legítima”.

45 Princípio da impessoalidade. In: Princípios de direito administrativo: legalidade, segurança jurídica, impessoalidade, publicidade, motivação, eficiência, moralidade, razoabilidade, interesse público. Thiago Marrara (org.). São Paulo: Atlas, 2012, p. 114.

46 Para Fernando Menezes Dias de Almeida (Princípio..., p. 115), é preciso enfatizar que: “Se uma regra geral comporta exceções, elas devem estar previstas, numa formulação hipotética, na própria norma que estabelece a regra geral, de modo que sua concretização, em cada caso, corresponda ainda assim a uma aplicação da norma geral e abstrata. O que não se pode admitir é a criação, em cada caso concreto, por decisões individu- ais, de exceções não antecipadas pela regra posta pela via legal. Não se quer sustentar que a norma geral e abstrata devesse prever hipóteses de exceções individuais e concretas; isso seria uma contradição em termos. Afirma-se, sim, que a norma geral e abstrata deve contemplar – sem abandonar o plano geral e abstrato – a possibilidade de haver exceções, com os seus delineamentos hipotéticos”.

reacionária e autoritária, absurdos têm sido cometidos47. E sendo certo que o interesse

público não pode ser vislumbrado em abstrato48, mostra-se necessário remodelar o seu

espectro de incidência.

De início, deve ser afastada, à luz da doutrina de Floriano Peixoto de Azevedo Mar- ques Neto49, a noção, comum no âmbito da Administração Pública, de interesse público como

universal, absoluto, singular, “como aquele que se contrapõe à perspectiva atomizada dos particulares”. Tal concepção não mais se sustenta, devendo ser substituída pela de “um elo de mediação de interesses privados dotados de legitimidade”.

No correto entender do autor, o interesse público não pode mais subsistir (nem na prática política, nem na formulação doutrinária) de forma absoluta e autoritária, justamen- te para evitar que ele se transforme numa cortina de fumaça para a prática de excessos e desvios de poder.

Para Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto50 deve-se conduzir o conceito de

interesse público – e com ele, enfatizamos nós, o de impessoalidade – à ideia de que atual- mente “interesses legítimos, mediatos ou imediatos, de um particular, não podem signifi- car automaticamente um interesse contrário aos desígnios públicos”. Em muitos casos, o atendimento dos interesses dos particulares será, em si, a consagração do interesse públi- co. Em suas palavras:

“Temos claro que atender a Administração Pública – com eficiência e dili- gência – a um interesse legítimo de particular, tendo por móvel as imposi- ções ou princípios de ordem administrativa, não implica conduta que possa ser inquinada de reprovável pelo moderno Direito Administrativo. Afinal, (...), o atendimento do interesse privado (mormente quando este se reveste de caráter metaindividual), hodiernamente, é, no mais das vezes, forma úni- ca de consagração do interesse público”.

47 Adverte Carlos Vinícius Alves Ribeiro (Interesse..., p. 105), com apoio em Alice Gonzales Borges, que é necessário distinguir a supremacia do interesse público de “suas manipulações e desvirtuamentos em prol do autoritarismo”, sendo certo que “o problema não é do princípio: é, antes, de sua aplicação prática”.

48 Carlos Vinícius Alves Ribeiro (Interesse..., p. 119), com apoio na Teoria dos Tipos de Carl Gustav Jung, sustenta ser o interesse público não um conceito, mas sim um “tipo”, “uma noção quadro que, por mais que inicialmente, em abstrato, diretamente, não seja possível dizer, precisar, esquadrinhar o que seja, é possível, sem grandes dificuldades, chegar-se a um consenso do que não é, e com o complemento dado pela situação posta, ao que, naquele caso, é o interesse público”.

49 Regulação estatal e interesses públicos. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 148, 149 e 151. 50 Regulação estatal e interesses..., p. 152.

Coerentemente, o mesmo autor51 sustenta que em vista da falência da noção tradicio-

nal de interesse público, passa a ser necessário um novo estudo das formas de composição dos diversos interesses que convivem na sociedade “a partir de critérios de relevância sem- pre dependentes de uma avaliação conjuntural”.

O princípio da “supremacia do interesse público” deve adquirir a feição de “prevalência dos interesses públicos” e, depois, deve ser desdobrado em três subprincípios, balizadores da função administrativa: a) interdição do atendimento de interesses particularísticos (v.g., aqueles desprovidos de amplitude coletiva, transindividual); b) obrigatoriedade de ponderação de todos os interesses públicos enredados no caso específico; c) imprescindibilidade de explicitação das razões de atendimento de um interesse público em detrimento dos demais. Ademais, o clássico “princípio da indisponibilidade do interesse público” tem que ser reformulado “de modo a expressar a irrenunciabilidade à tutela dos interesses públicos difusos – o que importa dizer: no exercício da função administrativa, o agente público não pode se esquivar de proteger e fazer prevalecer os interesses hipossuficientes”.

Se o princípio da impessoalidade, como será demonstrado, se concretiza pela ponde- ração de todos os interesses legítimos em jogo, no momento da decisão é necessário remode- lar a ideia de interesse público, a ser cotejado vis-à-vis com o interesse particular.

O interesse público, presente em todos os setores do Direito Administrativo, pode ser satisfeito pelo cumprimento do princípio da impessoalidade? Em que medida?

Héctor Jorge Escola52 chega ao ponto de assinalar que o interesse público é, em si, o

fundamento do Direito Administrativo. Nas suas palavras, “es el concepto que da sustento a todo el derecho administrativo, que puede ser definido, sintéticamente, como el derecho del interés público”. O autor relaciona interesse público com praticamente todas as matérias objeto de estudo científico do Direito Administrativo: (i) organização administrativa; (ii) função pública; (iii) serviços públicos; (iv) ato administrativo; (v) contrato administrativo; (vi) atividade de fomento; (vii) domínio público e limitações à propriedade privada; e (viii) responsabilidade do Estado. Ou seja, praticamente tudo o que se estuda no Direito Adminis- trativo tem como fundamento o interesse público53.

Partindo de uma ideia de interesse público como a soma quantitativa de interesses

51 Regulação estatal e interesses..., p. 165.

52 El interés público como fundamento del Derecho Administrativo. Buenos Aires: Depalma, 1989, p. IX. 53 Assinala Escola que “el verdadero fundamento del derecho administrativo es el interés público, que es éste que da sentido y comprensión a todas sus instituciones, y el que justifica y explica la singularidad de sus principios y de sus soluciones” (obra citada, p. 261).

privados legítimos, Escola54 assinala que não é exato supor que o interesse público deva

sempre prevalecer sobre o interesse individual, como se fossem duas coisas substancialmen- te diferentes, sendo uma (o interesse público) superior à outra. Também não é certo dizer que entre o interesse público e o interesse individual possa haver uma colisão ou contradição a ser revolvida sempre em favor do primeiro. No seu entendimento, interesse público não se confunde com interesse da Administração, do partido, de governantes, do hierarca etc.

Para Escola55, “solo cuando se identifica el interés público con el interés del propio

Estado, de la administración, del partido, del soberano, del jerarca, etc., podría pretenderse que ese supuesto interés público – que ya hemos explicado que no es tal – llega no sólo a desplazar, sino a sacrificar u extinguir cualquier interés privado que se le opusiera, incluso sin ningún tipo de reparación, pues ambos tendrían una entidad sustancial diferente, siendo que la del primero superior e derogante de la del segundo”.

Interessante notar que o mesmo autor assinala que todo pretenso interesse público, para ser verdadeiro, deve estar conectado com as grandes finalidades elencadas no texto constitucional, especialmente no preâmbulo, fechando as portas para que se constituam, em verdade, “meros intereses sectorialies o de grupo, de partido o de ideologias que no se conjugan con las de nuestra organización político-social”56.

Ao tratar da constitucionalização do direito e suas repercussões no Direito Adminis- trativo, Barroso57 anotou que, a partir da centralidade da dignidade humana e da preservação

dos direitos fundamentais, alterou-se a qualidade das relações entre Administração e admi- nistrado, com a superação ou reformulação de paradigmas tradicionais, dentre os quais a ideia de supremacia do interesse público sobre o interesse privado, que precisa ser redefinida. No seu entender cabe distinguir, de antemão, interesse público “primário” de interes- se público “secundário”, o que pode ser feito desde a visão de Renato Alessi.

O interesse primário seria o interesse da sociedade, sintetizado em valores como jus- tiça, segurança e bem-estar social. O secundário seria o interesse da pessoa jurídica de direito

54 Ensina que: “el interés público sólo es prevaleciente, con respecto al interés privado, tiene prioridad o predominancia, por ser un interés mayoritario, que se confunde y asimila con el querer valorativo asignado a la comunidad”. E que: esta prevalencia se funda, también, en el hecho de que el interés público, concebido de esa forma, y como lo acotara Gordillo, habrá de redundar en mayores derechos y beneficios para todos y cada uno de los individuos de la comunidad, que por eso, justamente, aceptan voluntariamente aquella prevalencia, que les es ventajosa” (obra citada, p. 243).

55 Obra citada, p. 244. 56 Obra citada, p. 261.

público (União, Estados e Municípios), identificando-se com o interesse da Fazenda Pública, isto é, o erário.

Para Barroso, o interesse público secundário jamais desfrutará de uma supremacia a priori e abstrata em face do interesse particular. Se ambos entrarem em rota de colisão, cabe- rá ao intérprete proceder à ponderação desses interesses, à vista dos elementos normativos e fáticos relevantes para o caso concreto58.

Tal visão não está imune a críticas porque a conceituação do que seja interesse primário pode conduzir a um excessivo subjetivismo, passível de ser manipulável de maneira autoritária. Mais correto, então, conectar as noções de “interesse público (primário)” e “função pública”, notadamente no ambiente do princípio da impessoalidade, o que bem faz Odete Medauar. Confira-se59:

“Com o princípio da impessoalidade, a Constituição visa obstaculizar atua- ções geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo, favorecimentos diversos, muito comuns em licitações, concur- sos públicos, exercício do poder de polícia. Busca, desse modo, que predo- mine o sentido de função, isto é, a ideia de que os poderes atribuídos finali- zam-se ao interesse de toda a coletividade, portanto a resultados desconecta- dos de razões pessoais”.

Ao tratar do princípio do atendimento do interesse público ou princípio da finalidade, Odete Medauar60 é eloquente ao afirmar que “esse princípio vem apresentado tradicional-

mente como o fundamento de vários institutos e normas do direito administrativo e, também,

58 Na lição de Renato Alessi (La responsabilità della pubblica amministrazione. 3ª ed. Milano: Giuffrè, 1955, p. 197-198), mais uma vez (bem) invocado por Barroso, o interesse público se conecta com a ideia de função administrativa. Depois de tratar da primeira peculiaridade da posição jurídica da Administração Pública em relação aos particulares, qual seja a de que ela, normalmente, se apresenta como titular do poder soberano (poder de império), a ser exercitado, no Estado de Direito, de acordo com o princípio da legalidade, explica: “A segunda peculiaridade da posição da administração pública, a qual sintetiza a definição de administração mencionada alhures, diz respeito à própria noção de função: função, como posto em relevo, é o poder conce- bido em relação à realização de interesses - na espécie, tratando-se do poder soberano, à realização de interesses públicos, coletivos. Estes interesses públicos, coletivos, os quais a administração deve garantir a satisfação, não se confundem com os interesses da administração como aparato organizativo, mas correspondem ao chamado interesse coletivo primário, formado pelocomplexo dos interesses individuais que prevalecem numa determinada organização jurídica da coletividade, enquanto que o interesse próprio do aparato administratovo seria apenas um entre todos os interesses secundários da coletividade, e que somente podem ser realizados em casos de coincidência - e nos limites dessa coincidência - com o interesse coletivo primário. A peculiaridade da posição jurídica da administração pública está justamente nisso, que a sua função consiste na realização do interesse coletivo, público, primário”.

59 Direito Administrativo Moderno..., p. 144. 60 Direito Administrativo Moderno..., p. 148.

de prerrogativas e decisões” e “por vezes, de modo errôneo, se invoca o atendimento do interesse público com o sentido de atendimento de interesse fazendário ou para justificar decisões arbitrárias”.

Forçoso notar que, pelo ângulo de uma Administração Pública eivada de vícios remanescentes de um passado arbitrário, descumprem-se direitos individuais sob o manto da fundamentação jurídica, ou melhor, revestida de aparente e superficial juridicidade, em que se proclama uma supremacia do interesse público que, na verdade, nada mais é do que a prevalência de uma posição unilateral do Estado nem sempre conectada com o justo. Em resumo, proclama-se uma falsa supremacia do interesse público mercê da quebra da impessoalidade.

Em importante obra coletiva61 sobre a desconstrução da visão tradicional do princípio

da supremacia do interesse público, Alexandre Santos de Aragão, Daniel Sarmento, Gustavo Binenbojm, Humberto Ávila e Paulo Ricardo Schier revelam sua nova compreensão à luz da noção de Estado de Direito verdadeiro. E ao prefaciar a mesma obra, Barroso62 revela o

sentido e o alcance esperados:

“(...) em um Estado democrático, assinalado pela centralidade e supremacia da Constituição, a realização do interesse primário muitas vezes se consu- ma apenas pela satisfação de determinados interesses privados.

(...)

Mesmo quando não esteja em jogo um direito fundamental, o interesse pú- blico pode estar em atender adequadamente a pretensão do particular. (...) O interesse público se realiza quando o Estado cumpre satisfatoriamente o seu papel, mesmo que em relação a um único cidadão.

(...). O interesse público secundário – i.e., o da pessoa jurídica de direito público, o do erário – jamais desfrutará de supremacia a priori e abstrata em face do interesse particular. Se ambos entrarem em rota de colisão, caberá ao intérprete proceder à ponderação adequada, à vista dos elementos normativos e fáticos relevantes para o caso concreto”.

Barroso63 é expressivo ao esclarecer que o interesse público primário desfruta de su-

premacia porque não é passível de ponderação, justamente em razão de ser ele o parâmetro

61 Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.

62 Conforme prefácio, p. XIV e XV, da obra citada. 63 Trecho do mesmo prefácio acima aludido, p. XVI.

de ponderação. No seu entender: “o interesse público primário consiste na melhor realiza- ção possível, à vista da situação concreta a ser apreciada, da vontade constitucional, dos valores fundamentais que ao intérprete cabe preservar ou promover”.

Odete Medauar64 refere-se a um “ultrapassado princípio da supremacia do interesse

público sobre o interesse particular”. Diz que “se o princípio algum dia existiu”, merece pronta revisitação à luz das seguintes colocações:

a) A Constituição de 1988 prioriza os direitos fundamentais, direitos estes dos par- ticulares;

b) Mostra-se pertinente à Constituição e à doutrina administrativa contemporânea a ideia de que à Administração cabe realizar a ponderação de interesses presentes numa determinada situação, para que não ocorra sacrifício a priori de nenhum interesse; o objetivo desta função está na busca de compatibilidade ou concilia- ção dos interesses, com a minimização de sacrifícios;

c) O princípio da proporcionalidade também matiza o sentido absoluto do preceito, pois implica, entre outras decorrências, a busca da providência menos gravosa, na obtenção de um resultado;

d) Tal “princípio” não vem sendo mais indicado na maioria maciça das obras con- temporâneas.

Uma das passagens doutrinárias mais completas sobre a abordagem ora tida como a correta é a de Paulo Otero65. Explicita que a prossecução (condução) do interesse público e a

satisfação das necessidades coletivas pela Administração Pública pode-se fazer atendendo-se ao seu relacionamento com as posições jurídicas subjetivas, à luz de três diferentes concepções:

a) Concepção de matriz totalitária – prevalência absoluta da prossecução do inte-

resse público, justificando o sacrifício de quaisquer posições jurídicas subjetivas;

b) Concepção compromissória – harmonização entre a prossecução do interesse

público e o respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos administrados;

c) Concepção personalista – prevalência absoluta do núcleo essencial da dignida-

de da pessoa humana sobre qualquer prossecução do interesse público.

Em Portugal, a Constituição da República, dentre os princípios fundamentais, traz o

64 Direito Administrativo Moderno..., p. 149.

primado da dignidade humana66 e, quando trata dos princípios fundamentais da Administra-

ção Pública, deixa claro que a condução do interesse público terá como pressuposto o “res- peito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.67

Do enlace entre “República fundamentada na dignidade humana” e o “interesse pú- blico revelado pela proteção aos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, Paulo Otero constrói uma teoria que pode ser reproduzida sem traumas para o contexto bra- sileiro, em que a Dignidade da Pessoa Humana é referida no texto constitucional como fun- damento da República68.

Para Paulo Otero, a concepção personalista, a ser preferida e explorada, alicerça-se em duas vigas mestras, representadas pelas seguintes ideias:

a) O respeito à dignidade humana de cada pessoa viva e concreta é um postulado que nunca pode ceder perante a prossecução do interesse público69;

b) A prossecução do interesse público encontra na dignidade da pessoa humana o seu fundamento e o seu limite de relevância constitucional.

A concepção personalista traz a pessoa humana – como começo e fim das preocupa-