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CAPÍTULO 2 IMPESSOALIDADE

2.6 Legislação brasileira

2.6.8 Terceiro setor

Também em tema de Terceiro Setor203, o princípio da impessoalidade se fez presente

com força significativa.

As Organizações Sociais (OS), pessoas jurídicas de direito privado não integrantes da Administração Pública e sem fins lucrativos, cuja criação por particulares tem como objetivo a execução, por meio de parcerias, de serviços públicos não exclusivos do Estado (ensino,

203 Consoante o magistério de Lucas Rocha Furtado (Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 181):

“O terceiro setor corresponde a entidades privadas, necessariamente surgidas no âmbito privado, porém sem fins lucrativos ou econômicos. O seu nome (terceiro) surge por exclusão: o primeiro setor é o estatal; o segundo setor, o privado empresarial.

Em face de nosso vigente Código Civil, integram o terceiro setor as associações – que somente podem ser cons- tituídas para fins ‘não econômicos’ (Cód. Civil, art. 53, caput) – e as fundações – que somente podem ser consti- tuídas para desenvolver fins ‘religiosos, morais, culturais, ou de assistência’ (Cód. Civil, art. 62, par. único).

pesquisa, tecnologia, meio ambiente, cultura e saúde), atuam em nome próprio, sob regime de direito privado, mas recebem apoio estatal.

Na esfera federal, tais entidades são reguladas pela Lei n. 9.637/98.

O art. 5º da lei em referência define o vínculo a ser firmado entre o Poder Público e a Organização Social. Tal vínculo é chamado pelo legislador de Contrato de Gestão. Verifique-se:

“Art. 5º Para os efeitos desta Lei, entende-se por contrato de gestão o ins- trumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como or- ganização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1º”.

A elaboração do contrato de gestão deverá observar todos os princípios basilares da Administração Pública, em especial o princípio da impessoalidade. É o que determina o art. 7º da Lei 9.637/98:

“Art. 7º Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os prin- cípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes preceitos:

I - especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempe- nho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade; II - a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e em- pregados das organizações sociais, no exercício de suas funções.

Parágrafo único. Os Ministros de Estado ou autoridades supervisoras da área de atuação da entidade devem definir as demais cláusulas dos contra- tos de gestão de que sejam signatários”.

Apesar de se submeterem ao regime de direito privado, as Organizações Sociais po- dem receber: i) dotações orçamentárias do Poder Público; ii) bens públicos por meio de permissão de uso; iii) cessão de servidores públicos. Esta é a previsão constante dos arts. 12 a 15 da Lei nº 9.637/98.

As OS são qualificadas livremente pelo Ministro ou titular do órgão supervisor do seu ramo de atividade e pelo Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão. Art. 2º, inciso II, da Lei nº 9.637/98.

É justamente neste ponto que a doutrina critica severamente a Constituição e a quali- ficação de tais entidades. O art. 24, inciso XXIV da Lei nº 8.666/93 garante a dispensa de licitação para que a Administração contrate com Organizações Sociais:

“Art. 24. É dispensável a licitação:

XXIV - para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de go- verno, para atividades contempladas no contrato de gestão”.

A doutrina busca fazer uma leitura constitucional dessa hipótese de dispensa de lici- tação, no sentido de que somente é possível aplicá-la para a prestação de serviços posteriores à celebração do contrato de gestão (ou contrato-mãe). Para que haja a qualificação de organi- zação social além da mera conveniência e oportunidade da Administração Pública há o dever de licitar, a fim de que se contrate a entidade mais apta e idônea para assumir os serviços de interesse público transmitidos pelo contrato de gestão204. Entretanto, para outra parte da dou-

trina não há como sanar tal inconstitucionalidade205.

É certo que a ampla dispensa de licitação para a qualificação de entidade privada como organização social ofende frontalmente o princípio da impessoalidade, tanto na esfera da ação quanto da organização administrativa206.

204 Esse é o entendimento de Marçal Justen Filho (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administra- tivos. 10ª Ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 31.), ao asseverar que “há necessidade de prévia licitação para configurar o contrato de gestão e escolher a entidade privada que será contratada”. Assim, “uma vez firmado o contrato de gestão, as futuras contratações de prestação de serviço – já previamente identificadas – serão pactuadas sem a necessidade de nova licitação”.

205 Nessa perspectiva, relevante destacar a crítica de Lucas Rocha Furtado (Obra citada, p. 182):

“A ideia de utilizar entidades privadas na prestação de serviços de utilidade pública é boa. Todavia, a absolu- ta falta de critérios de impessoalidade para a escolha da entidade que irá receber os recursos públicos tem sido fonte de constante questionamento quanto à sua constitucionalidade. A rigor, há situações em que enti- dades privadas são criadas com o único propósito de receberem esses recursos, em evidente violação aos princípios da moralidade e da impessoalidade. A absoluta discricionariedade – que por ser absoluta se con- verte em arbitrariedade – na escolha da entidade privada a ser qualificada como OS, aliada à falta de trans- parência nas prestações de contas, que são encaminhadas à própria entidade ou órgão que repassa referidos recursos, têm comprometido todo o processo de publicização. Urge aprimorar a legislação de modo a desen- volver mecanismos impessoais de escolha da entidade que irá receber os recursos e a definir o modo mais claro e transparente o processo de prestação de contas” (Grifo nosso).

206 Nesse sentido, ressalte-se também o entendimento firme de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso..., p. 240):

“No caso, o tema se propõe porque a lei disciplinadora das organizações sociais pretendeu, inconstitucionalmente, permitir que travem contratos administrativos com o poder público sem licitação e sem qualquer cautela, mesmo a mais elementar, resguardadora dos princípios constitucionais da impessoalidade (prestante para assegurar o princípio da moralidade) garantidora dos interesses públicos.

(...)

A ausência de licitação é obviamente uma exceção que só pode ter lugar nos casos em que razões de indiscu- tível tomo a justifiquem, até porque, como é óbvio, a ser de outra sorte, agravar-se-ia o referido princípio

constitucional da isonomia. Por isto mesmo é inconstitucional a disposição do art. 24, inciso XXIV, da Lei de Licitações (8.666/93), ao liberar de licitações e contratos entre o Estado e as organizações sociais, pois tal contrato é o que ensancha a livre atribuição deste qualificativo a entidades privadas, com as correlatas vanta- gens; inclusive a de receber bens públicos em permissão de uso sem prévia licitação”.

207 Lucas Rocha Furtado (Obra citada, p. 184) aponta diferenças práticas entre o termo de parceria e o contrato de gestão:

“A prática tem revelado que a efetiva distinção se encontra no âmbito de alcance dos acordos firmados com essas entidades. O contrato de gestão firmado com a OS vincula a entidade em toda a sua atuação. Toda a atuação, toda a atividade, enfim, tudo o que a entidade com a qual se celebra o contrato de gestão faz ou deixa de fazer é definido neste instrumento, assim como a OS passa a depender integralmente dos recursos públicos que lhe serão repassados. No caso da OSCIP, o termo de parceria irá igualmente permitir o repasse de recur- sos públicos, mas apenas para a execução de determinados projetos ou programas. Em outras palavras, o contrato de gestão vincula a OS em todas as suas atuações; o termo de parceria viabiliza o repasse de recursos públicos para projetos específicos, sem, todavia, comprometer a autonomia ou independência da OSCIP”.

Frise-se que está pendente de julgamento a ADI nº 1923, ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) contra o referido art. 24, inciso XXIV, da Lei 8.666/93 e a forma de qualificação das Organizações Sociais.

As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs, de sua vez, fo- ram introduzidas no ordenamento jurídico pátrio por meio da Lei nº 9.790/99. No que se refere à finalidade dessas entidades, há certa semelhança com o fim buscado pelas organiza- ções sociais, qual seja, a execução de serviços públicos não privativos do Estado. A lei define diversas possíveis áreas de atuação das OSCIPs, tais como (i) assistência social; (ii) cultura; (iii) meio ambiente.

Para obterem a qualificação de OSCIPs, as entidades privadas não podem ter fins lucra- tivos e devem requerer habilitação junto ao Ministério da Justiça. Destaque-se que, ao contrário das Organizações Sociais, não se trata da constituição de uma entidade nova; é pessoa jurídica já constituída que ganha esse status temporário, durável enquanto houver parceria.

O vínculo entre o Poder Público e entidade privada para que haja a constituição de uma OSCIP materializa-se no denominado termo de parceria207.

A crítica da doutrina quanto à violação do princípio da impessoalidade na qualifica- ção das Organizações Sociais se aplica de forma semelhante às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público.

Já as entidades de apoio são pessoas jurídicas de direito privado que exercem, sem fins lucrativos, atividade social e/ou serviços não exclusivos do Estado relacionados a ciência, pes- quisa, saúde e educação. Essas entidades não integram os quadros da Administração Indireta. São cooperadoras do Estado, atuando normalmente junto a hospitais públicos e universidades públicas. Não possuem legislação específica quanto à sua constituição e qualificação.

elas não seguem regime público, mas poderão receber dotação orçamentária, servidor e bens públicos. Como se percebe, possuem uma aparência material de entidade da administração pública, mas, formalmente, escapam aos deveres de licitar e de realizar concurso público208.