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Conselho Nacional de Justiça

CAPÍTULO 2 IMPESSOALIDADE

2.7 Jurisprudência

2.7.4 Conselho Nacional de Justiça

Criado pela Emenda Constitucional nº 45/04 (Reforma do Judiciário), o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, órgão do Poder Judiciário (art. 92, inciso I-A, da CF/88), foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3.367, como órgão inter- no de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura nacional.

De acordo com o art. 103-B, § 4º, da CF/88, compete ao CNJ o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, dentre outras, as atribuições de “zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos pratica- dos por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União” (inciso II).

Desde a sua criação, o CNJ se destaca no exercício de poder normativo, editando resoluções muitas das quais polêmicas. No exercício do poder de editar resoluções, o CNJ tem construído uma sólida doutrina sobre impessoalidade.

Uma de suas maiores conquistas diz respeito a uma pioneira sistematização do com- bate ao nepotismo, no Poder Judiciário, com reflexos posteriores na jurisprudência do Supre- mo Tribunal Federal e, a partir daí, na legislação federal e de diversos Estados e Municípios.

Do portal do CNJ na internet254 recolhe-se o seguinte conceito de nepotismo:

Nepotismo é o favorecimento dos vínculos de parentesco nas relações de trabalho ou emprego. As práticas de nepotismo substituem a avaliação de mérito para o exercício da função pública pela valorização de laços de pa- rentesco. Nepotismo é prática que viola as garantias constitucionais de impessoalidade administrativa, na medida em que estabelece privilégios em função de relações de parentesco e desconsidera a capacidade técnica para o exercício do cargo público. O fundamento das ações de combate ao nepotismo é o fortalecimento da República e a resistência a ações de con- centração de poder que privatizam o espaço público.

No portal do CNJ é possível colher um resumo da (rica) marcha que redundou na fixação do entendimento atual sobre os contornos da configuração do nepotismo:

“Em 18 de outubro de 2005, o Conselho Nacional de Justiça editou a Reso- lução nº 07, banindo definitivamente as práticas de nepotismo do Poder

Judiciário brasileiro. A norma especifica os casos em que o favorecimento de parentes na nomeação para cargos de provimento em comissão ou fun- ção gratificada representam nepotismo, salvaguardando situações nas quais o exercício de cargos públicos por servidores em situação de parentesco não viola a impessoalidade administrativa, seja pela realização de concurso público, seja pela configuração temporal das nomeações dos servidores. O nepotismo está estreitamente vinculado à estrutura de poder dos cargos e funções da administração e se configura quando, de qualquer forma, a no- meação do servidor ocorre por influência de autoridades ou agentes públi- cos ligados a esse servidor por laços de parentesco. Situações de nepotismo só ocorrem, todavia, quando as características do cargo ou função ocupada habilitam o agente a exercer influência na contratação ou nomeação de um servidor. Dessa forma, na nomeação de servidores para o exercício de car- gos ou funções públicas, a mera possibilidade de exercício dessa influência basta para a configuração do vício e para configuração do nepotismo. A posterior edição de Enunciados Administrativos e a consolidação de in- terpretações realizadas pelo Plenário do Conselho também compõem o con- junto normativo que dispõe sobre o nepotismo no Conselho Nacional de Justiça. O nepotismo cruzado, o nepotismo entre Poderes da República e aquele realizado por via da requisição de servidores são formas sutis de identificação da utilização de cargos públicos para manifestações de patrimonialismo e privatização do espaço público.

Após três anos da edição da Resolução nº 07, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12, consoli- dou o entendimento de que a proibição do nepotismo é exigência constitu- cional, vedada em todos os Poderes da República (STF, Súmula Vinculante nº 13, 29 de agosto de 2008).

Interessante notar que o CNJ retirou a proibição do nepotismo diretamente do prin- cípio da impessoalidade, em conexão com o conceito de República. Também fez alusão direta ao fato de que institutos como o do concurso público combatem a nefasta prática. Com isso, reforça-se a tese de que uma administração impessoal na sua organização, que valorize o mérito e a igualdade de oportunidades, que não faça distinções a partir de subjetivismos ou preferências pessoais dos governantes, habilita-se para um agir natural- mente impessoal. É dizer: a impessoalidade da organização administrativa conduz a ações administrativas impessoais.

Não ficou bem resolvida, contanto, na compreensão do CNJ, a natureza jurídica da modalidade “impessoalidade como proibição de nepotismo”. Se regra ou princípio. Com as consequências correlatas.

Parece que o órgão tem inclinação para o entendimento de que a proibição de nepotismo é regra de impessoalidade. Tanto é que, paulatinamente, vem radicalizando na eleição de hipóteses que, a seu ver, seriam de todo proibidas pelo texto constitucional, a partir da “força normativa” do princípio da impessoalidade.

Confira-se que o CNJ, a partir do mesmo entendimento (quebra da impessoalidade) firmou a conclusão de que estagiários de tribunais devem ser escolhidos por processo sele- tivo. A decisão do Conselho foi proferida, por maioria, na 159ª sessão plenária (27.11.12), na análise do Processo de Controle Administrativo nº 0006121-88.2011.2.00.0000. Segun- do o órgão, o processo seletivo é a forma que melhor atende ao princípio constitucional da impessoalidade na Administração Pública, ou, nas palavras do Conselheiro Wellington Sa- raiva, “é mais republicano e democrático o processo seletivo, que atende melhor ao prin- cípio da impessoalidade”. Segundo o mesmo Conselheiro, há preferência da doutrina administrativista pela seleção impessoal dos cidadãos interessados “no usufruto de direito ou gozo de vantagens” na Administração Pública, como ocorre nas licitações, por exem- plo. De acordo com Saraiva, a exigência de processo seletivo para estagiários em tribunais evitaria a prática do apadrinhamento, o que, para o Ministro Joaquim Barbosa, à época Presidente do CNJ, confirmava a máxima de que “quando se faz uma seleção, têm-se can- didatos mais bem qualificados”.

A preocupação do CNJ com a impessoalidade também é objeto de Resolução especí- fica sobre precatórios (resolução nº 115/10). Por meio dela foi criado o Sistema de Gestão de Precatórios – SGP, um banco de dados de caráter nacional, poderoso artifício para que os pagamentos sejam feitos a partir de regras mais claras e objetivas, conforme os desígnios constitucionais. Na mesma Resolução, são definidos critérios para a elaboração de listagem de precatórios e para o pagamento de preferências justificadas a partir de discriminações positivas, bem toleradas pelo ordenamento jurídico vigente.

Percebe-se esforço significativo do CNJ quanto à necessidade de progressiva objetivação de concursos públicos para ingresso na magistratura. A matéria é objeto de siste- matização maior na Resolução nº 75/09, que define critérios sólidos para que sejam minimizadas as hipóteses historicamente comuns de quebra de impessoalidade. No mesmo

contexto, são reforçadas as medidas de publicidade para que o concurso possa ser fiscalizado em maior amplitude (art. 12 e seguintes). Também são delineadas regras sobre a composição e o funcionamento das comissões de concurso, a fim de que sejam rechaçados impedimentos e suspeições (art. 20 e seguintes). Autorizam-se, ainda, a celebração de convênio e a contratação de serviços de instituição especializada para a execução da primeira ou de todas as etapas do concurso (art. 29). Com isso, são afastadas influências subjetivas de membros e servidores do próprio tribunal. Mesmo para as fases subjetiva e oral, há normas que impõem e assegu- ram um controle maior sobre a banca, arrefecendo ânimos e medidas de índole subjetiva255.

Merece destaque a Resolução/CNJ nº 106 que trata da promoção de magistrados. A norma passou a prever critérios objetivos para a escolha do magistrado, a fim de acabar com o subjetivismo nas promoções por merecimento. A Resolução considerou um passado de processos de promoção por merecimento marcados tradicionalmente por avaliações ba- seadas em questões de ordem pessoal, amizades, favoritismos e alinhamento ideológico dos candidatos.

A Resolução/CNJ nº 106/2010 estabelece que a promoção por merecimento deve adotar, como ponto de partida, a atribuição de notas para critérios objetivos de aferição da capacidade profissional dos magistrados, rechaçando subjetivismos e casuísmos.

Destaca-se a Resolução nº 140/2011, que proíbe a atribuição de nomes de pessoas vivas aos bens públicos sob a administração do Poder Judiciário. Ao baixar a resolução em questão, o CNJ considerou, expressamente, o disposto no art. 37, §1 º, da CF/88 e na Lei nº 6.454/77 (veda a atribuição de nome de pessoa viva a bem público). Também invocou o princípio da impessoalidade, esclarecendo que o comando constitucional tem como intuito “evitar a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.

No campo repressivo, a atuação do CNJ é também marcante. Anulou, por exemplo, o XVIII Concurso para ingresso na magistratura estadual de Rondônia, por violação aos princípios da impessoalidade e da imparcialidade, porque candidatas eram assessoras de dois Desembargadores membros da comissão organizadora. Por ocasião do julgamento, o então Conselheiro Paulo Lobo assentou que mesmo diante da ausência dos mencionados Desembargadores na fase de entrevistas e na avaliação oral, constatou-se reprovável par- cialidade.

O CNJ também suspendeu concurso para cartórios, em Santa Catarina (objeto do

255 Frise-se que, no CNJ, há proposta de alteração da Resolução 75 (concurso de magistrado) em pauta, aguar- dando julgamento.

Edital nº 176/2012 – TJSC), porque a comissão designada para conduzir o certame, com ofensa ao princípio da impessoalidade, convocou seguidas vezes e nominalmente concorren- tes que ainda não tinham entregado documentos exigíveis.

Quanto à aplicação da Resolução/CNJ nº 106 – que trata da promoção de magistra- dos, segundo critérios menos subjetivos – pode ser referido o Procedimento de Controle Administrativo nº 0005003-09.2013.2.00.0000, da lavra da Conselheira Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, oriundo do Tribunal de Justiça do Amazonas, em que o CNJ assentou: “...a ampliação da concorrência é válida e legítima quando realizada previamente à realização das provas. Na presente hipótese, o ato que majorou número de candidatos habilitados a participar da segunda fase do concurso é de idoneidade questionável, pois beneficiou candi- datos que não lograriam aprovação se respeitados os limites da Resolução, em violação ao princípio da impessoalidade”256.

Em outro caso significativo (Procedimento de Controle Administrativo nº 0004525- 69.2011.2.00.0000, da relatoria do Conselheiro Jorge Hélio Chaves de Oliveira), de interesse do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, conferindo a correta interpretação à Resolução/ CNJ nº 106, sobre critérios (mais objetivos) para a promoção de magistrados por merecimen- to, o órgão fixou tais entendimentos, verdadeiras balizas hermenêuticas, a fim de evitar esco- lhas meramente discricionárias e até mesmo arbitrárias.

E ao julgar a Consulta nº 0007159-04.2012.2.00.0000, também da relatoria do Con- selheiro Jorge Hélio Chaves de Oliveira, formulada pela Associação dos Magistrados da Bahia – AMAB, sobre o tema na necessidade de objetivação da nomeação por merecimento de magistrados, à luz da Resolução/CNJ nº 106, o CNJ firmou a compreensão de que “na formação das listas tríplices para fim de promoção de magistrados pelo critério do mereci- mento, o Tribunal deve indicar os três candidatos que obtiveram maior pontuação após a aferição das notas dos concorrentes nos quesitos objetivos previstos no artigo 4º da Resolu- ção nº 106, de 2010, do CNJ”.

256 No mesmo julgado, lembrou-se que “o Princípio da Proteção da Confiança Legítima também não autoriza a convalidação do edital retificador” porque, “a despeito do crescente reconhecimento do Princípio pela dou- trina, este Eg. CNJ já se posicionou no sentido que atos que afrontem diretamente a Constituição não se beneficiam do Princípio e são insuscetíveis de convalidação”. E assim é porque, ainda de acordo com o julga- do, “o princípio da confiança legítima não pode ser visto como valor absoluto, de forma a engessar a ordem jurídica, impedindo a Administração de anular os atos praticados em violação à lei”.