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CAPÍTULO 2 IMPESSOALIDADE

2.6 Legislação brasileira

2.6.10 Legislação eleitoral

A legislação eleitoral recebe forte influência do Direito Administrativo e condena comportamentos desconectados do princípio da impessoalidade administrativa.

A Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições), em seu art. 74209, preconiza que o descumprimento

da proibição constitucional de promoção pessoal, na publicidade institucional, configura abuso de autoridade e sujeita o responsável, se candidato, às drásticas penas de cancelamento do registro ou do diploma.

Pedro Roberto Decomain210 sustenta que a fórmula do art. 74, da Lei das Eleições,

completa o disposto no art. 73, inciso VI, alínea “b”, do mesmo diploma legal e revela a inconstitucionalidade da propaganda institucional quando “mesmo não contendo nomes, sím- bolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou agentes públicos, não se revistam do caráter educativo, informativo ou de orientação social”.

Joel José Cândido211 ressalta que a regra do art. 74, da Lei das Eleições, “traz para o

Direito Eleitoral infração que antes era punida fora dele, nos termos da Lei nº 8.429/1992, tão somente”. E que “agora, a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos, pela publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos, enseja a propositura da AIJE, e, também, da AIME e do RCD, ajuizados nas respectivas épocas e formas processuais”.

José Jairo Gomes212 explica que a regra do art. 74, da Lei nº 9.504/97, ligada que

está ao art. 37, § 1º, da CF/88, tem em mira finalidade ética, moralizadora, de alto signifi- cado. Assim, “autoridades públicas não podem usar seus nomes, símbolos ou imagens para, no bojo de peça publicitária, custeada com dinheiro público, obter ou simplesmente pretender obter promoção pessoal, devendo a matéria veiculada pela mídia ter caráter eminentemente objetivo para que atinja sua finalidade constitucional de educar, informar ou orientar e não sirva, simplesmente, como autêntico marketing pessoal”. Todavia, la- menta o autor:

“A despeito disso, ainda é comum potenciais candidatos lançarem mão – na 209 Art. 74. Configura abuso de autoridade, para os fins do disposto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a infringência ao disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, ficando o responsável, se candidato, sujeito ao cancelamento do registro ou do diploma.

210 Eleições: (comentários à Lei nº 9.504/97). 2ª Edição. São Paulo: Dialética, 2004, p. 370-371. 211 Direito Eleitoral Brasileiro. 14ª Edição. Bauru/SP: EDIPRO, 2010, p. 630.

propaganda institucional – de meios artificiosos para veiculares imagens e mensagens otimistas, penetrantes, fertilizando o terreno para futura propa- ganda eleitoral, que certamente virá. Ao chegar o tempo oportuno, corações e mentes encontrar-se-ão cevados, simpáticos ao agora candidato... Deve- ras, há administradores públicos que despendem fortunas do erário – di- nheiro de impostos! – com a realização de suposta ‘propaganda institucional’. Frequentemente, reservam-se no orçamento quantias muito superiores às destinadas às áreas sociais carentes de investimentos. Nesse jogo treslouca- do e corrupto só há dois ganhadores: o candidato – cuja imagem é indireta- mente promovida não à custa de seu eficiente trabalho, mas, sim, da mendaz publicidade ‘institucional’ – e as agências de publicidade... É preciso dar um basta nessa insólita sangria de recursos públicos! Exigem-no a moralidade pública, os princípios éticos mais elementares, a lei, a solidariedade social e a Justiça”.

O mesmo autor assinala que a situação piorou bastante com o instituto da reeleição, sobretudo se se atentar para a casuística regra que não impõe a desincompatibilização do candidato que pretende a renovação de seu mandato. Com isso, meses antes do período elei- toral é possível perceber a realização de maciça “propaganda institucional”, nos horários de picos de audiência, em desvio de finalidade, sem qualquer finalidade educativa, informativa ou de orientação social. Prossegue:

“Na verdade, tem-se assistido a verdadeiras propagandas eleitorais travestidas de ‘institucionais’, pagas, portanto, pelo contribuinte. A rigor, a maioria delas carece de caráter informativo, educativo ou de orientação social, cons- tituindo pura exibição midiática. Muitas vezes, promessas são feitas. Um cenário maravilhoso é desenhado. Um futuro feliz e promissor é colocado em perspectiva, ao alcance de todos. Isso, é claro, se o governante em ques- tão ou o seu afilhado político sagrar-se vitorioso nas urnas e for mantido na cadeira que ocupa. Invariavelmente, afirmações de fatos que não correspondem à realidade são feitas sem o menor constrangimento e com muita pompa. Enfim, todo arsenal do marketing político é mobilizado para criar artificialmente na opinião pública quadros mentais favoráveis ao po- tencial candidato”.

O tema da impessoalidade também repousa na proibição de propaganda institucional, qualquer que seja, no chamado “período crítico”, isto é, nos 3 (três) meses que antecedem o

pleito. Trata-se da regra do art. 73, inciso VI, alínea “b”, da Lei nº 9.504/97213, que foi erigida

em prol da promoção de equilíbrio na disputa eleitoral.

De acordo com Pedro Roberto Decomain214, o dispositivo deve ser interpretado de

forma extensiva, isto é, não é vedada apenas a autorização da publicidade institucional, mas, na realidade, a própria veiculação da publicidade. Para o reconhecido autor, o preceito legal faz duas ressalvas, verbis:

“(...) A primeira, da propaganda institucional relativa a produtos e serviços que tenham concorrência no mercado. As entidades da Administração Pú- blica indireta, em particular as sociedades de economia mista e empresas públicas, estas podem fazer propaganda institucional relativas aos produtos que vendam, ou aos serviços que prestem, desde que estes tenham concor- rência no mercado. Entes da Administração indireta que vendam produtos ou prestem serviços em regime de monopólio (como, por exemplo, a Petrobras, em relação a pesquisa, lavra e refino de Petróleo), não podem, nos três meses que antecedem o pleito, fazer propaganda institucional que diga respeito, direta ou indiretamente, a essas atividades. A segunda ressal- va contida no dispositivo é a da publicidade destinada a atender grave e urgente necessidade pública. Esta deve, porém, ser reconhecida pela Justiça Eleitoral, o que a seu turno significa que tal publicidade deve ser por ela autorizada. Ocorrerá a hipótese, por exemplo, se for necessária publicidade pública para orientação aos atingidos por alguma calamidade pública, ou para a realização de campanha de vacinação urgente, destinada a prevenir mal que de modo epidêmico ameace alastrar-se. Nessas hipóteses a publici- dade não poderia mesmo ser vedada. Mas a situação de gravidade e também de urgência deve ser analisada previamente pela Justiça Eleitoral. Se a pu- blicidade for da União, ou entidade da Administração indireta por ela cria- da, a autorização caberá ao Tribunal Superior Eleitoral; se a publicidade for de Estado ou do Distrito Federal, a autorização caberá ao respectivo Tribu- nal Regional Eleitoral. Finalmente, se a publicidade for de âmbito munici- 213 Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos nos pleitos eleitorais:

(omissis)

VI – nos três meses que antecedem o pleito: (omissis)

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publici- dade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessida- de pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral.

pal, a autorização para ela, nos três meses anteriores ao pleito, caberá ao Juízo Eleitoral de primeira instância que abranja o Município interessado”.

Márlon Reis215 interpreta deste modo o mesmo texto legal:

“A utilização de campanhas publicitárias custeadas pelo Poder Público pode ter por meta a criação de estados psicológicos propícios à difusão da ima- gem do dirigente público como alguém capaz de alcançar realizações. Esse estado mental, fruto de propaganda indevida, concede a seu beneficiário condições privilegiadas de disputa, reforçando a ideia da força de sua cam- panha e transmitindo ao eleitor comum o receio de optar por candidaturas fadadas ao insucesso.

Por isso a norma proíbe a publicidade de programas, obras, serviços e cam- panhas dos órgãos públicos, com exceção dos que dependam de propagan- da para favorecer sua concorrência no mercado, tal como ocorre com os produtos industriais decorrentes de intervenção do Estado no domínio em- presarial. Outra exceção refere-se a transferências realizadas com o propó- sito de permitir o enfrentamento de situações emergenciais, de perigo ou de calamidade pública”.

Para o autor, “realizada a publicidade vedada, não se há de perquirir sobre a intensi- dade dos efeitos produzidos por ela no tocante ao resultado da eleição”, já que “a lei torna defesa a simples conduta, presumindo-se (praesumpio iuris et de iuris) a superveniência da quebra da isonomia entre os pretendentes ao mandato”.

Permitimo-nos parcialmente discordar do culto autor, porque temos a convicção de que a intensidade dos efeitos da publicidade, dentre outros elementos fáticos condicionadores da infração, podem e devem ser levados em consideração não só para a fixação da multa pecuniária, escalonada de forma variável no § 4º216, do art. 73, mas também para aferição do eventual

“benefício” do candidato, sem o que não só pode aplicar o § 5º217, do mesmo diploma legal, a

não ser mediante a incidência, na esfera punitiva, de nula responsabilidade objetiva.

Note-se bem que a fim de evitar prejuízos econômicos para a Administração Pública,

215 Direito Eleitoral Brasileiro. Brasília: Alumnus, 2012, p. 384-385.

216 Art. 73, § 4º, da Lei nº 9.504/97. O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR. 217 Art. 73, § 5º, da Lei nº 9.504/97. Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4º, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.

o art. 73, inciso VI, alínea “b”, da LE, retira do âmbito da proibição de publicidade institucional, no período crítico, a propaganda “de produtos e serviços que tenham concorrência no merca- do”. E, para não prejudicar a coletividade, permite que, “em caso de grave e urgente necessi- dade pública”, possa a Justiça Eleitoral autorizar formalmente a “publicidade institucional de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta”. Encaixam-se na última ressalva campanhas de vacinação obrigatória para contenção de epidemias, de mobilizações contra queimadas, etc.

Em ambos os casos (art. 74 e art. 73, VI, “b”, ambos da LE), estão em exame condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais, mas o tema é objeto de vultosa preo- cupação, por parte da Justiça Eleitoral, quando enfrentado o delicado assunto das propagan- das eleitorais extemporâneas.

Sabe-se bem que a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição (art. 36, caput, da Lei nº 9.504/97). Não obstante isso, candidatos inescrupulosos têm-se valido de propagandas (apenas) “formalmente” institucionais para se promoverem pessoalmente, sobretudo com fins eleitorais.

Por força da Lei nº 12.891/13, acrescentou-se na Lei nº 9.504/97 o novel art. 36-B, que traz interessante hipótese de quebra de impessoalidade. Segundo o dispositivo, será con- siderada propaganda eleitoral antecipada e, pois, ilegal, “a convocação, por parte do Presi- dente da República, dos Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, de redes de radiodifusão para divulgação de atos que denotem propaganda política ou ataques a partidos políticos e seus filiados ou instituições”. E de acordo com o parágrafo único, do mesmo art. 36-B, da LE, “nos casos permitidos de convo- cação das redes de radiodifusão, é vedada a utilização de símbolos ou imagens, exceto aque- les previstos no § 1º do art. 13 da Constituição Federal”.

O descumprimento das normas eleitorais referidas, por parte dos administradores públicos, revela um mau (para não dizer péssimo!) uso da publicidade institucional – dever do Estado e direito do cidadão – mercê de sua nítida deturpação para atingir finalidades alheias ao interesse público.

Interessa notar que o Tribunal Superior Eleitoral proíbe que candidatos usem nomes de órgãos públicos218. Um levantamento da Advocacia-Geral da União apontou que, nas elei-

ções de 2012, mais de 200 (duzentas) pessoas utilizaram, nas campanhas eleitorais, denomi- nações ligadas a órgãos federais, a exemplo de Jô Soares do INSS, Marcos Valério da UnB, Ivete da Funasa e Garrincha do Dnit. Para as eleições do corrente ano, de acordo com a Resolução/TSE nº 23.405/2014, isso não será mais permitido.

Por fim, registre-se que na lei de inelegibilidades (Lei Complementar nº 64/90, com os acréscimos ditados pela Lei Complementar nº 135/10) há numerosas hipóteses de inelegibilidade decorrentes, em maior ou menor grau, da quebra da impessoalidade219.