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ALGUMAS CONCLUSÕES SOBRE A PRECARIEDADE DA DISTINÇÃO, ENTRE CONTRATOS E CONVÊNIOS ADMINISTRATIVOS, QUE CONCEDE

No documento Dos convênios da administração pública (páginas 187-193)

E NA PERSPECTIVA DOS TERCEIROS, DA SOCIEDADE E DO ORDENAMENTO JURÍDICO, E, TAMBÉM COMO RELAÇÃO ONDE TEMOS A AFIRMAÇÃO DOS

4.4. ALGUMAS CONCLUSÕES SOBRE A PRECARIEDADE DA DISTINÇÃO, ENTRE CONTRATOS E CONVÊNIOS ADMINISTRATIVOS, QUE CONCEDE

PRIMAZIA AOS ELEMENTOS ANTAGONISMO/CONVERGÊNCIA DE INTERESSES, OBJETIVOS E RESULTADOS PRETENDIDOS PELOS PARTÍCIPES

Destacamos que tais exames demonstram de forma marcante que são prenhes de precariedade as distinções entre Convênios e Contratos Administrativos vistas principalmente e/ou exclusivamente pelo prisma de que nos primeiros temos interesses, objetivos, vontades e/ou resultados comuns, coincidentes, de cooperação e de colaboração e de que nos segundos presenciamos interesses, objetos, objetivos, vontades e/ou resultados diversos, opostos, contraditórios e antagônicos.

Pensamos que as distinções entre Convênios e Contratos, baseadas notadamente nos critérios acima expostos, demonstram-se limitadas e insuficientes, pela simplificação e unilateralidade manifesta de suas análises, como resultado sobretudo da vinculação a uma perspectiva que se demonstra dogmática e restritiva no próprio âmbito da concepção tradicional de contrato, e que deve ser substituída por uma nova concepção das relações contratuais.

Verificamos que na nova concepção das relações obrigacionais e contratuais as mesmas passam a ser vistas como totalidade, processo, para além das partes e também na perspectiva dos terceiros, da sociedade e do ordenamento

jurídico, bem como vinculadas de forma crescente a uma ordem de cooperação, colaboração, parceria, auxílio e/ou ajuda.

Constatamos, na nova concepção das relações contratuais, uma limitação relevante dos princípios contratuais tradicionais, ao lado da afirmação de novos princípios contratuais, tais como o da boa-fé, da função social, do equilíbrio econômico, da equivalência material e das prestações e da justiça. As mudanças ocorridas decorrem, de um lado, do aprofundamento do estudo dos institutos jurídicos, e, de outro, das realidades econômicas, sociais, políticas e comportamentais da atualidade, como também das novas perspectivas do constitucionalismo contemporâneo e do fortalecimento de novas concepções no Direito Privado e no Direito Público. As novas concepções e princípios presentes no Direito Contratual contemporâneo, podem ser encontradas, por exemplo, na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil brasileiro de 2002. Salientamos, no que diz respeito ao direito contratual, o que consta, somente para lembrar, no art. 1º, no art. 3º, e no art. 170, da Constituição Federal de 1988, e, ainda, no art. 187 - abuso de direito, no art. 317 – equilíbrio contratual, no art. 421 – função social, no art. 422 – probidade e boa-fé, e no art. 478 – onerosidade excessiva, do Código Civil de 2002.

Destacamos que no estudo Princípios do Direito Europeu dos Contratos, preparados pela Comissão do Direito Europeu dos Contratos, presidida pelo Prof. Ole Lando, temos a afirmação de idéias como, dentre outras, a liberdade contratual (art. 1:102), a boa-fé (arts.1:102, 1:201, 1:302, 2:301), o dever de colaboração (art. 1:202), a razoabilidade (art. 1:302), o dever de confidencialidade (art. 2:302) e de comunicação (art. 4:104), a proibição do benefício excessivo ou da vantagem injusta (art. 4:109) e das cláusulas abusivas (art. 4:110).172

Julgamos que em sentido contrário às tendências constatadas, aqui e no mundo, Natalino Irti, pronunciando-se recentemente sobre niilismo e método jurídico, defende, dentre outras opiniões, não ser possível nos dias atuais qualquer regulação jurídica presidida pelos critérios de coerência, unidade e previsibilidade, e, ainda, considera inevitável a aceitação de um pensamento sem centro e direção, como

172 LANDO, Ole (Coordenador da Comissão do Direito Europeu dos Contratos).

Princípios de Derecho Europeo de los Contratos – Partes I e II. Op. cit.

também defende a rendição do pensamento a lógica revelada objetivamente no âmbito da tecno-economia e do mercado planetário, a partir de uma realidade onde os indivíduos e os Estados nacionais pouco ou nada podem e onde os atores do mercado estão separados e agindo uns contra outros. 173

Destacamos que Irti, dentre outras afirmações, enuncia que:

2 - (...) O diagnóstico, proposto há mais de vinte anos no ensaio sobre a decodificação, pecava por uma ingênua confiança: de que as leis especiais, exprimindo e atuando princípios da Constituição, se deixassem conduzir, juntamente com o Código Civil, em relação à pluralidade dos microssistemas.174 Porém este diagnóstico não compreendia, ou talvez se

calava da essência niilista do fenômeno: de negar qualquer critério de unidade, de entregar-se à vontade humana e à causalidade do porvir, que precipita a norma em um movimento indefinido, em contínuo nascer e morrer. Esta não é a habitual e banal crítica ao legislador nacional e europeu, porém – ousaria dizer – o destino do direito do nosso tempo. 3 - Tudo aquilo que garantia a unidade e verdade no direito, é agora passado. A teoria do método jurídico se nos apresenta vinda de períodos históricos nos quais as normas ainda era agrupadas e dispostas em sentido unitário. (...)

4 - (...) Eis a moldura de figuras e de mitos que têm acompanhado a formação e o desenvolvimento dos Estados territoriais soberanos. O direito é poder sobre lugares: toda relação jurídica tem lugar na Terra, neste ou naquele ponto, e portanto torna-se previsível e regulável. No declínio dos Estados, o poder territorial não se aplaca, mas transfere-se, por assim dizer, para as “regiões” mais elementares e originárias: onde “regiões” indica não somente um plano espiritual, porém também entidades concretas e fontes de normas. (...)

Contrária aos lugares da Terra, definidos e cerrados, está a dimensão planetária da tecno-economia. (...) Urge somente colher os fenômenos da

spazialità, que não conhecem confins e medidas, que não jazem em alguma

província da Terra, que constituem um não-lugar abstrato e artificial. Na rede global tecem-se inúmeras relações, capitais e valores circulam incessantemente, novos bens emergem, tece-se uma indefinida quantidade de permutas.

173 IRTI, Natalino. Niilismo e Método Jurídico. Tradução de Danilo Doneda. In:

Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, vol. 15, ano 4. Rio de Janeiro: Padma, ano 4, julho a setembro de 2003, pp.

133-143.

174 IRTI, Natalino.

O mercado, seja espacial ou global, obedece a uma lógica de rigorosa objetividade. Linguagens particulares são reduzidas ao jargão anglófono da tecno-economia; a variedade de moedas tende-se a unificar-se; os homens assumem as posições típicas do mercado (empreendedores, compradores, vendedores). Os “indivíduos imprecisos” (para usar a expressão de Paul Valéry) não são admitidos: todos devem deixar-se medir por critérios de homologação, tornar-se conformes ao uniforme. Assim, juntamente com a identidade dos lugares, perde-se a identidade dos homens, considerados como simples funcionários do mercado.(...) Os Estados nacionais, enfraquecidos em seu interior e limitado pelos confins, esforçam-se em seguir e atingir os fenômenos globais. Porém parecem, quase como resposta, não aceitara a sua tutela e vão refugiar-se na universalidade dos direitos humanos. (...)

7 – (...) O ponto é, segundo a minha visão, que a comunidade, capaz de colher o direito em sua coerência e em unidade, não existe mais; ou talvez sobreviva somente naquela região do mundo a que me referi como sendo dos lugares e das diferenças. O mercado global, desvestindo o homem de qualquer identidade e reduzindo-o a uma função de produção e das trocas, não gera qualquer comunidade. Os atores do mercado não estão juntos, porém um de fronte (ou contra) ao outro. Eles têm em comum somente o mecanismo de transmissão. (...)

Angelo Fazea teme e denuncia a “rendição do pensamento”, mas o pensamento, que decide o rendimento de acordo com a época e o conflito das forças originárias, não capitula. Assume para si o risco e a dor de nosso tempo, de um andar sem centro e sem direção.175

Consideramos que tais exames de Natalino Irti pecam pela simplificação e unilateralismo, significando, no que se refere sobretudo às relações obrigacionais e contratuais. uma desconsideração da própria evolução, aqui brevemente referida, do pensamento jurídico no que se refere às mesmas relações. Por caminhos diferentes, temos em Natalino Irti, novamente, uma lógica que conduz a que não se perceba as relações obrigacionais como uma totalidade e um processo, em toda a sua amplitude e complexidade, e, ainda, que enxerga sobretudo as partes e o antagonismo entre as mesmas. Verificamos em Natalino Irti, pior ainda, uma decisiva subestimação da possibilidade de intervenção dos indivíduos, da cidadania, da sociedade civil, da comunidade, dos movimentos políticos, sociais e de massa, do

175 IRTI, Natalino. Niilismo e Método Jurídico. Tradução de Danilo Doneda. In:

Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, vol. 15, ano 4. Op. cit., pp. 135, 137 e 142.

Estado e de um Direito presidido por critérios de coerência, unidade e previsibilidade, bem como constatamos no mesmo autor a rendição a um pensamento sem centro e direção.

Entendemos que no Direito Privado, ao contrário do que afirma Irti, pode ser verificada na atualidade uma tendencial afirmação da perspectiva de publicização e constitucionalização do mesmo, como também a proclamação da sua despatrimonialização ou repersonalização, através sobretudo da valorização da dignidade da pessoa humana, da personalidade, dos valores existenciais, da liberdade, da ética, da igualdade, da solidariedade, da função social, da eqüidade e da justiça, bem como pode ser constatado um crescente abandono dos enfoques predominantemente individualistas, de divinização do sujeito proprietário, do patrimônio, do produtivismo e do mercado.

Salienta Gustavo Tepedino o “processo de profunda transformação social, em que a autonomia privada passa ser remodelada por valores não patrimoniais, de cunho existencial, inseridos na própria noção de ordem pública”, como também destaca que “propriedade, empresa, família, relações contratuais tornam-se institutos funcionalizados à realização da dignidade da pessoa humana”.176

Eugênio Facchini Neto, efetuando reflexões histórico-evolutivas sobre o Direito Privado, aponta para a constitucionalização do mesmo, a afirmação dos valores constitucionais no ordenamento, com primazia para o princípio da dignidade da pessoa humana, como também para a repersonalização e despatrimonialização do Direito Civil. O autor enuncia que:

Da constitucionalização do Direito Civil decorre a migração, para o âmbito privado, de valores constitucionais, dentre os quais, como verdadeiro

primus inter paris, o princípio da dignidade da pessoa humana.177 Disso

176 TEPEDINO, Gustavo. Editorial: do Sujeito de Direito à Pessoa Humana. In:

Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC - vol. 2. Op. cit., p. VI.

177 O autor destaca, em relação ao tema dignidade da pessoa humana, manifestações presentes nos

trabalhos que seguem:

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4a. edição. São

Paulo: Max Limonad, 2000, p. 75. 458 p.

Ainda: SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos Direitos Humanos. 3a. edição. Porto Alegre: Livraria

deriva, necessariamente, a chamada repersonalização do Direito Civil, ou visto de outro modo, a despatrimonialização do Direito Civil. Ou seja, recoloca-se no centro do Direito Civil o ser humano e suas emanações. O patrimônio deixa de estar no centro das preocupações privatistas (recorde- se que o modelo dos códigos civis modernos, o Code Napoleon, dedica

mais de 80% dos seus artigos à disciplina jurídica da propriedade e suas relações), sendo substituído pela consideração com a pessoa humana. Daí a valorização, por exemplo, dos direitos de personalidade, que o novo Código Civil brasileiro emblematicamente regulamenta já nos seis primeiros artigos, como a simbolizar uma chave de leitura para todo o restante do estatuto civil. Discorrendo sobre o tema, Perlingieri ressalta que a transformação despatrimonializadora no Direito Civil se produz fundamentalmente como conseqüência do maior relevo dado à pessoa. Daí por que entende ele ser possível afirmar que “interesses e direitos de natureza essencialmente pessoal antepõem-se a interesses e direitos patrimoniais, o que supõe que na hierarquia de valores a pessoa humana prevalece sobre o interesse econômico”.178179

Também: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 46. 152 p.

Igualmente: CARRIÓ, Genaro. Los Derechos Humanos e Su Protección. Buenos Aires: Abeledo-

Perrot, s/d., p. 64.

178 PERLINGIERI, Pietro. Editoriale. In:

Rassegna di Diritto Civile, nº 1, 1983, p. 2.

179 FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões Histórico-Evolutivas sobre a Constitucionalização do Direito

Civil. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto

5. DA FRAGILIDADE DO CONCEITO OBRIGAÇÕES RECÍPROCAS, COMO

No documento Dos convênios da administração pública (páginas 187-193)

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