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A relação obrigacional vista como totalidade, processo e vinculada a uma ordem de cooperação

No documento Dos convênios da administração pública (páginas 170-173)

E NA PERSPECTIVA DOS TERCEIROS, DA SOCIEDADE E DO ORDENAMENTO JURÍDICO, E, TAMBÉM COMO RELAÇÃO ONDE TEMOS A AFIRMAÇÃO DOS

4.3.1. A relação obrigacional vista como totalidade, processo e vinculada a uma ordem de cooperação

Judith Martins-Costa, tratando das relações obrigacionais, na Introdução efetuada, aos seus Comentários ao Novo Código Civil, tendo como referências relevantes os ensinamentos de Karl Larenz, de Clóvis do Couto e Silva e de Mário Júlio de Almeida Costa, destaca a análise externa, centrada no método tradicional, e, ainda, a análise interna. Esclarece que, na primeira, o fenômeno obrigacional é percebidos “tão-somente como um vínculo estruturado sobre dois pólos (credor e devedor), ligados pelos correspectivos direitos e deveres”.122 Salienta que, na segunda, a relação obrigacional é vista “em sua totalidade concreta, isto é, como aquela composta por um dinâmico “todo” de direitos, deveres, faculdades, ônus, expectativas legítimas, etc., finalisticamente interligados ou coligados”.123

Ensina Karl Larenz, versando sobre a relação obrigacional como um todo e como processo, que:

Temos examinado os elementos essenciais da relação de obrigação: o dever de prestação e os deveres de conduta; o crédito como direito à prestação e a possibilidade de realizar-lo pela via judicial, assim como a garantia do credor em virtude da responsabilidade patrimonial geral do devedor normalmente conectada a dívida. Passaremos, pois, agora estudar a relação de obrigação como um todo. Decorrente deste conceito entendemos a “relação de obrigação” não somente como faz a lei (por exemplo, no § 362), ou seja, como relação de prestação isolada (crédito e dever de prestação), mas sim como uma relação jurídica total (por exemplo: relação de compra e venda, de arrendamento, de trabalho) fundamentada por um feito determinado (por exemplo, esse contrato de compra e venda, de arrendamento e de trabalho) e que se configura como uma relação jurídica especial entre as partes. Neste sentido a relação de obrigação compreenderá uma série de deveres de prestação e conduta, e além deles

122 MARTINS-COSTA, Judith.

Comentários ao Novo Código Civil. Do Direito das Obrigações. Do

Adimplemento e da Extinção das Obrigações. Volume V – Tomo I (artigos 304 a 388). Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coordenador). Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 09. 782 p.

123 MARTINS-COSTA, Judith.

Comentários ao Novo Código Civil. Do Direito das Obrigações. Do

pode conter para uma ou outra das partes direitos de formação (por exemplo, um direito de denúncia ou um direito de opção) e outras situações jurídicas (por exemplo, competência para receber uma denúncia) É, pois, um conjunto, não de fatos ou acontecimentos do mundo exterior perceptíveis pelos sentidos, mas sim de “conseqüências jurídicas”, ou seja, daquelas relações e situações que correspondem ao mundo da validez objetiva de ordem jurídica.124

Clóvis do Couto e Silva, que trouxe para a doutrina nacional a obrigação como totalidade, processo e vínculo como uma ordem de cooperação alicerçada na boa-fé, destaca que na referida perspectiva o credor e o devedor não ocupam posições antagônicas e polêmicas. O mencionado jurista se manifesta da forma que segue:

O adimplemento atrai e polariza a obrigação. É o seu fim. O tratamento teleológico permeia toda a obra, e lhe dá unidade. (...)

A relação jurídica pode ser entendida em sentido amplo ou em sentido estrito. Lato sensu abrange todos os direitos, inclusive os formativos,

pretensões e ações, deveres (principais e secundários dependentes e independentes), obrigações, exceções, e ainda posições jurídicas. Stricto sensu dever-se-á definí-la tomando em consideração os elementos que compõem o crédito e o débito, como faziam os juristas romanos. (...)

124 LARENZ, Karl.

Derecho de Obligaciones – Tomo I. Tradução de Jaime Santos Briz. Madrid:

Revista de Derecho Privado, 1958, p. 37. 557 p. O texto traduzido é o que segue:

“Hemos examinado los elementos esenciales de la relación de obligación: el deber de prestación y los deberes de conducta; el crédito como derecho a la prestación y la posibilidad de realizarlo por via jurídica, así como la garantía del acreedor a virtud de la responsabilidad patrimonial general del deudor normalmente conectada a la deuda. Pasaremos, pues, ahora a estudiar la relación de obligación como un todo. Bajo este concepto entendemos la “relación de obligación” no sólo como lo hace la ley (p. ej., en el § 362), es decir, como la relación de prestación aislada (crédito y deber de prestación), sino como la relación jurídica total (p, ej.: relación de compraventa, de arrendamiento, de trabajo) fundamentada por un hecho determinado (p. ej.: ese contrato concreto de compraventa, de arrendamiento o de trabajo) y que se configura como una relación jurídica especial entre las partes. En este sentido la relación de obligación comprenderá una serie de deberes de prestación y conducta, y además de ellos puede contener para una u otra de las partes derechos de formación (p. ej., un derecho de denuncia o un derecho de opción) u otras “situaciones jurídicas” (p. ej., competencia para recibir una denuncia). Es, pues, un conjunto no de hechos o de acontecimientos del mundo exterior perceptible por los sentidos, sino de “consecuencias jurídicas”, es decir, de aquellas relaciones y situaciones que corresponden al mundo de la validez objetiva de orden jurídico”.

A inovação, que permitiu tratar a relação jurídica como uma totalidade, realmente orgânica, veio do conceito de vínculo como uma ordem de cooperação, formadora de uma unidade que não se esgota na soma dos elementos que a compõem.

Dentro dessa ordem de cooperação, credor e devedor não ocupam mais posições antagônicas, dialéticas e polêmicas. Transformando o status em

que se encontram, tradicionalmente, devedor e credor, abriu-se espaço ao tratamento da relação obrigacional como um todo. (..).125

Ainda, Mário Júlio de Almeida Costa, quando aborda o problema da relação obrigacional como um todo e como um processo, anota que:

Corresponde à orientação clássica, de fundo romanístico, a perspectiva da obrigação que se esgota no dever de prestar e no correlato direito de exigir ou pretender a prestação. Todavia, a doutrina moderna, sobretudo por mérito dos autores alemães, evidenciou a estreiteza de tal ponto de vista e a necessidade de superá-lo. Deste modo, numa compreensão globalizante da situação jurídica da situação jurídica creditícia, apontam-se, ao lado dos deveres de prestação – tanto os deveres principais de prestação, como deveres secundários -, os deveres laterais (“Nebenpflichten”), além de direitos potestativos, sujeições, ônus jurídicos, expectativas jurídicas, etc.126

Anota Jorge Cesa Ferreira da Silva, tratando dos deveres das partes na relação obrigacional, que classificando os mesmos deveres conforme “a principal função e o grau de proximidade com os deveres de prestação (principais e secundários)”, chegou aos “deveres de proteção, deveres de cooperação e deveres de informação e esclarecimento”.127

Judith Martins-Costa, tratando dos deveres que decorrem do princípio da boa-fé, entende que:

125 SILVA, Clóvis do Couto e.

A obrigação como Processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976, pp. 5

e 8. 230 p.

Judith Martins-Costa (Comentários ao Novo Código Civil. Do Direito das Obrigações. Do

Adimplemento e da Extinção das Obrigações. Volume V – Tomo I (artigos 304 a 388). Op. cit., p. 01) informa que “embora só publicada em 1976, a obra estava escrita, em versão datilografada em 1964”.

126 COSTA, Mário Júlio de Almeida.

Direito das Obrigações. 6a. edição. Coimbra: Almedina, 1994,

p. 56. 1.008 p.

127 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da.

Princípios de Direito das Obrigações no Novo Código Civil.

SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). O Novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria

(...) da boa-fé emergem, mesmo na ausência de regra legal ou previsão contratual, os deveres, anexos, laterais ou instrumentais de consideração com o alter, de proteção, cuidado, previdência e segurança com a pessoa e

os bens da contraparte; de colaboração para o correto adimplemento do contrato; de informação, aviso e aconselhamento; e os de omissão e segredo, os quais enucleados na conclusão e desenvolvimento do contrato, situam-se, todavia, também nas fases pré e pós contratual, (...).128

Salienta Pietro Perlingieri que:

A diversificação dos interesses deduzidos na relação obrigacional, com a evidenciação também daquelas não patrimoniais destinadas a caracterizar a concreta ordem, postula, por um lado, a reconstrução do crédito e do débito como situações subjetivas complexas nos conteúdos – identificados variadamente em poderes, obrigações, faculdades e ônus – e, por outro, a apresentação de uma noção de obrigação sensível aos valores e aos princípios fundamentais e, portanto, orientada a atuar-se em função constitucional. (...) A incidência constitucional se realiza em vários modos; não apenas na individuação dos conteúdos das cláusulas gerais como a diligência, a boa-fé, o estado de necessidade, etc., mas, sobretudo, na releitura orientada axiológicamente de toda a disciplina em que consiste a relação (...).129

4.3.2. Da relação contratual para além das partes e na perspectiva dos

No documento Dos convênios da administração pública (páginas 170-173)

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