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Da consolidação progressiva, nas relações obrigacionais e contratuais, dos elementos cooperação e colaboração

No documento Dos convênios da administração pública (páginas 174-181)

E NA PERSPECTIVA DOS TERCEIROS, DA SOCIEDADE E DO ORDENAMENTO JURÍDICO, E, TAMBÉM COMO RELAÇÃO ONDE TEMOS A AFIRMAÇÃO DOS

4.3.3. Da consolidação progressiva, nas relações obrigacionais e contratuais, dos elementos cooperação e colaboração

Igualmente, entendemos que no juízo tradicional de contrato se ressalta sobretudo os elementos divergência, antagonismo e a contraposição e raramente ocorre de se destacar os elementos cooperação, colaboração e parceria.

Antônio Carlos Cintra do Amaral, a partir das observações de Gaspar Ariño Ortiz e Marcel Waline, estipula o princípio da colaboração como um dos princípios do Contrato Administrativo. O administrativista citado anota que:

Os contratos administrativos obdecem a alguns princípios básicos.

Gaspar Ariño Ortiz (Teoria del Equivalente Economico en los Contratos Administrativos, Madri, Instituto de Estudios Administrativos, 1968) diz que tais princípios são: a) o da “mutabilidade”; b) o da “continuidade e regularidade”; c) o da “colaboração”; e d) o do “equivalente econômico”. Esses princípios decorrem de um mais amplo, qual seja, o da supremacia do interesse público sobre as partes contratante. (...)

Ariño Ortiz (ob. cit., pp. 230/231 reporta-se, nesse ponto, a Waline. Em estudo publicado em 1951 (“Evolution récente des rapports de l´Etat avec

130 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Princípios de Direito das Obrigações no Novo Código Civil. In:

ses cocontractants”, in Revue de Droit Public, 1951, pp. 5 e ss), Waline131

refere-se a uma mudança de “clima” nas relações entre o Poder Público e seus contratados. Estes, que antes eram considerados antagonistas, passaram aos poucos a ser vistos como colaboradores da Administração. (...)

Ariño Ortiz acentua que o “princípio do equivalente econômico”, nos contratos administrativos , está intimamente ligado ao “princípio da colaboração (...) (ob. cit., p. 242).132(...)133

Entende José Roberto Dromi que “o contrato é uma das técnicas de colaboração dos administrados com a Administração Pública, em matéria de fornecimento, serviços públicos, obras públicas, etc.” e, ainda, que quem “contrata com a Administração não é um contratante ordinário, mas sim um colaborador (...) na execução dos empreendimentos públicos, ainda que atuando em situações de subordinação econômico-jurídica em relação às pessoas públicas”. 134

Lembra o administrativista argentino que “em tal sentido a jurisprudência tem afirmado que os contratos administrativos devem cumprir-se com boa-fé (art. 16 e 1198, CC), em razão do que não deve tratar-se o contratante como um adversário a quem é preciso submeter (...)”.135

131 WALINE, Marcel. Evolution récente des rapports de l´Etat avec ses contractants. In:

Revue de Droit Public, 1951, pp. 5 e ss.

132 ORTIZ, Gaspar Ariño.

Teoria del Equivalente Economico en los Contratos Administrativos.

Madri: Instituto de Estudios Administrativos, 1968, pp. 230, 231 e 242.

133 AMARAL, Antônio Carlos Cintra do.

Ato Administrativo, Licitações e Contratos Administrativos. 1a. edição, 2a. tiragem. São Paulo: Malheiros, 1996, pp. 126-128. 158 p.

134 DROMI, José Roberto.

Derecho Administrativo. 10a ed. atualizada. Buenos Aires-Madrid:

Ciudad Argentina, 2004, p. 470. 1.630 p. Temos, no texto traduzido, que:

“El contrato es una de las técnicas de colaboración de los administrados con la Administración, em materia de suministros, servicios públicos, obras públicas, etcétera. Quien contrata con la Administración Pública no es un contratista ordinario, sino un colaborador (..) en la ejecución de cometidos públicos, aun actuando en situaciones de subordinación económico-jurídica respecto de las personas públicas (...)”.

135 DROMI, José Roberto.

Derecho Administrativo. 10a ed. atualizada. Op. cit., p. 470.

Odete Medauar, problematiza a principal distinção que se faz entre o Contrato e o Convênio da Administração Pública, a partir de ensinamentos que valorizam o elemento colaboração também no Contrato Administrativo. A autora enuncia que:

Quanto ao aspecto da “colaboração” como elemento típico do convênio, deve-se lembrar que Laubadère (na clássica Traité Théorique et Pratique des Contrats Administratifs, vol. I, 1956)136 menciona como característica

do contrato administrativo justamente a colaboração: “o contrato administrativo aparece, assim, como um sistema de colaboração entre a administração e seu contratado”. (p. 23)137

Lembram Arnoldo Wald, Luiza Rangel de Moraes e Alexandre de M. Wald, quando abordam a evolução do contrato, que:

3.45. Durante muito tempo, considerou-se que, na maioria dos casos, o contrato compunha interesses divergentes, que neles encontravam uma forma de solução, como acontece nos casos da compra e venda, da locação, da empreitada, etc. Já os contratos que constituem meras liberalidades são relativamente menos importantes e só recentemente é que a doutrina foi admitindo a importância crescente dos chamados contratos de colaboração, que existem tanto no direito privado, quanto no direito público. 3.46. Nos últimos anos, deixou-se, no entanto, de conceber o contrato como sendo geralmente decorrente ou representativo da composição de interesses antagônicos, chegando os autores e a própria jurisprudência a admitir, inicialmente nos contratos de longo prazo mas, em seguida, em vários outros, a existência de uma affectio – a affectio contractus, com

alguma semelhança com outras formas de colaboração como a affectio societatis ou o próprio vínculo conjugal. (...)

“En tal sentido la jurisprudencia ha afirmado que los contratos administrativos deben cumplirse de buena fe (arts. 16 y 1198, CC) por lo que no debe tratarse al contratista como un adversario al que sea preciso someter (...)”.

136 LAUBADÈRE, André de.

Traité Théorique et Pratique des Contrats Administratifs, Vol. I.

Paris: Libr. Génerale de Droit et de Jurisprudence, 1956, p. 23.

137 MEDAUAR, Odete. Convênios e Consórcios Administrativos

. In: Revista Jurídica da Procuradoria Geral do Município de São Paulo, v. 2. São Paulo: Centro de Estudos Jurídicos –

3.47. (...) Já no início do século XX, alguns autores, como René Demogue, referiam-se ao contrato como sendo “uma união de interesses equilibrados, um instrumento de cooperação leal, uma obra de confiança mútua”.138 Mais

recentemente, outros autores franceses desenvolveram a tese da equação contratual, inspirada no direito administrativo, para vislumbrar, em todos os contratos, a busca da realização de um ponto de equilíbrio necessário, ou seja, um instrumento de colaboração, entre os contratantes, no interesse de ambos e da própria sociedade.139

Destaca Judith Martins-Costa a relação obrigacional como relação de cooperação, sobretudo a partir de ensinamentos de Emilio Betti, como também de Antonio Manuel Menezes Cordeiro. A mencionada jurista enuncia que:

Ora, antiga e ainda valiosíssima lição doutrinária ensina que as relações obrigacionais constituem nada mais, nada menos, do que relações de cooperação.140 As relações obrigacionais, como é por todos sabido, têm

como elemento nuclear uma prestação, positiva ou negativa, que se revela como desenvolvimento de uma conduta, como resultado de um obrar ou como assunção de uma garantia por riscos ou vícios.141 Na sua tríplice dimensão, explica Betti, distingue-se, na prestação, um momento subjetivo, que se refere à conduta de cooperação imputada ao devedor, e um momento objetivo, ao qual se refere a utilidade que a prestação é chamada a trazer ao credor, utilidade de caráter típico e que normalmente coincide com cada conduta de cooperação.142 (...)

138 DEMOGUE, René.

Traité des Obligations en General – t. VI, n. 3. Paris: A. Rousseau, 1931, p.

9.

139 WALD, Arnoldo; MORAES, Luiza Rangel de.; e WALD, Alexandre de M.

O Direito de Parceria e a Lei de Concessões: Análise das Leis nºs.8.987/95 e 9.074/95 e Legislação Subseqüente. 2a.

edição revista e atualizada. Op. cit. pp. 36-37.

Na mesma direção, as lições presentes em: WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos – De Acordo

com o Novo Código Civil (Lei n. 406, de 10-1-2002). 16a. edição, 2ª. tiragem, revista, ampliada e atualizada, com a colaboração do Prof. Semy Glanz. Op. cit., pp. 202-203.

140 BETTI, Emílio.

Teoria Geral de las Obligaciones – Tomo I. Tradução de José Luis de los Mozos.

Madrid: Revista de Derecho Privado, 1969. 420 p.

141 BETTI, Emílio.

Teoria Geral de las Obligaciones – Tomo I. Op. cit., pp.37-43. 142 BETTI, Emílio.

(...) Já a cooperação, momento subjetivo porque ligada à conduta dos sujeitos, não está reduzida ao cumprimento do dever principal, antes se espraiando pelos deveres ditos secundários, anexos e colaterais ou instrumentais,143 que encontram a sua fonte ou em dispositivo legal, ou em cláusula contratual, ou no princípio da boa-fé. (...)

Nesta medida compreende-se a razão pela qual, para que a finalidade de um contrato seja eficazmente atingida, é necessário que as partes, que num contrato bilateral têm interesses antagônicos, mas convergentes, atuem, ambas, em vista do interesse legítimo do alter. Compreende-se também a

razão pela qual as partes de uma relação obrigacional não podem ser vistas como entidades isoladas e estranhas, atomisticamente consideradas,144

constituindo a necessidade de colaboração intersubjetiva, como afirmou Menezes Cordeiro, ´princípio geral da disciplina obrigacional`.145

Ora, e é o mesmo autor quem acentua, “se o direito das obrigações implica colaboração intersubjetiva, implica, da a sua natureza de Direito inserido em determinada sociedade, um certo tipo de colaboração: uma colaboração informada pelos valores próprios da ordem jurídico-econômica considerada”.146 E aqui entra a relação entre a solidariedade social e o

princípio da boa-fé objetiva. (...)147

Clóvis do Couto e Silva, quando trata do princípio da boa-fé no Direito brasileiro e português, destaca que a afirmação do princípio da boa-fé transforma a

143 Para o exame e indicação da bibliografia, a autora lembra o seu trabalho: MARTINS-COSTA,

Judith. A Boa-Fé no Direito Privado: Sistema e Tópica no Processo Obrigacional. 1a. edição, 2a.

tiragem. São Paulo: Editora RT, 2000, pp. 437 e ss. 544 p.

144 MARTINS-COSTA, Judith.

A Boa-Fé no Direito Privado: Sistema e Tópica no Processo

Obrigacional. Op. cit., pp. 393-396.

145 CORDEIRO, Antonio Manuel Menezes.

Direito de Obrigações, Tomo I. 2a. reimpressão. Lisboa:

Associação Acadêmica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1980, p. 143.

146 CORDEIRO, Antonio Manuel Menezes.

Direito de Obrigações, Tomo I. Op. cit., p. 143. 147 MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e Solidariedade Social entre

Cosmos e Taxis: A Boa-Fé nas

Relações de Consumo. In: MARTINS-COSTA, Judith (Organização). A Reconstrução do Direito Privado: Reflexos dos Princípios, Diretrizes e Direitos Fundamentais Constitucionais no Direito

relação obrigacional, passando a se perceber na mesma também elementos de cooperação.

No sentido apontado, Clóvis do Couto e Silva diz que:

(...) Começava a reconhecer-se no princípio da boa-fé uma fonte autônoma de direitos e obrigações; transforma-se a relação obrigacional manifestando-se no vínculo dialético e polêmico, estabelecido entre devedor e credor, elementos cooperativos necessários ao correto adimplemento. (...)148

Anota Clóvis do Couto e Silva que Emilio Betti, em 1958, no curso proferido na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, salientava “a existência dos deveres de cooperação do devedor, resultantes da aplicação do princípio da boa-fé.”149

Ronaldo Porto Macedo Jr., quando versa sobre os deveres de cooperação e de solidariedade nos contratos, defende que se coloque os deveres de colaboração como elemento central, não somente subsidiário, da relação obrigacional, como também julga que o dever de solidariedade impõe a obrigação de atuar segundo valores que a sociedade estipula e não apenas segundo uma lógica centrada nos interesses individuais de cunho econômico.

O autor referido salienta que:

A literatura brasileira e européia sobre o direito contratual desenvolveu, especialmente depois da segunda metade do século XX, a teoria dos deveres acessórios ou secundários e ainda os deveres laterais ou correlatos. (...)

O que se percebe nestas definições sobre os deveres secundários, acessórios ou laterais, é o seu caráter subsidiário e derivado. O “dever de colaboração” ou cooperação não constitui objeto primário da obrigação. (...) Em síntese, o caráter acessório dos deveres de cooperação se transfigura, pois, de três maneiras. Em primeiro lugar, a cooperação assume um caráter central no contrato. Em segundo lugar, o dever acessório de cooperação

148 SILVA, Clóvis do Couto e. O princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português. In: FRADERA,

Vera Maria Jacob de. (Organizadora). O Direito Privado Brasileiro na Visão de Clóvis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1977, pp. 33-58, p. 37. 252 p.

149 SILVA, Clóvis do Couto e. O princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português. In: FRADERA,

Vera Maria Jacob de. (Organizadora). O Direito Privado Brasileiro na Visão de Clóvis do Couto e Silva. Op. cit., p. 33.

deixa de ser um princípio subsidiário, que deve ser invocado apenas para preencher lacunas (...). Por fim, o dever de solidariedade impõe a obrigação moral e legal de agir em conformidade com determinados valores comunitários, e não apenas segundo uma lógica individualista de maximização de interesses de caráter econômico.150

Salienta Pietro Perlingieri que “a obrigação não se identifica no direito ou nos direitos do credor; ela configura-se cada vez mais como uma relação de cooperação”.151

Ainda, destacamos que no trabalho sobre os Princípios do Direito Europeu dos Contratos, preparado pela Comissão do Direito Europeu dos Contratos, presidida pelo Prof. Ole Lando, temos com destaque a afirmação do dever de colaboração (artigo 1:202), sendo estipulado no mesmo que “cada parte tem a obrigação de colaborar com a outra para que o contrato surta plenos efeitos”.152

Agnes Pinto Borges, quando estuda a parceria empresarial, entende que “seja no âmbito do direito público, seja no do direito privado, o verbo “colaborar” vem sendo cada vez mais utilizado”153, o que não impede que Fábio Ulhoa Coelho

constate, no Prefácio do mesmo trabalho que “a parceria entre empresários,

150 MACEDO JR., Ronaldo Porto.

Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor. Op. cit., p. 188

e 189.

151 PERLINGIERI, Pietro.

Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional. Op. cit.,

p. 213.

152 LANDO, Ole (Coordenador da Comissão do Direito Europeu dos Contratos).

Princípios de Derecho Europeo de los Contratos – Partes I e II. Tradução de Fernando Martinez Sanz, p. 3. 36 p.

http://frontpage.cbs.dk/law/commission_on_european_contract_law/PECL%20spansk/Principioslandol +ll.doc, em 20/12/2004. Original: LANDO, BEALE. Principles of European Contract Law. La Haya, Kluwer Law International, 2000, pp.1-93.

O texto traduzido do espanhol:

“Artículo 1:202: Deber de colaboración

Cada parte tiene el deber de colaborar con la otra para que el contrato surta plenos efectos”.

153 BORGES, Agnes Pinto.

Parceria Empresarial no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004,

qualquer que ela seja, convive com um latente conflito” e que “há clara contradição dialética entre os parceiros”. 154

Entendemos que em toda a relação contratual existe a dialética colaboração/conflito, sendo que os graus de colaboração e conflito dependem, em grande medida, da modalidade de relação contratual. Ainda, julgamos que, na gradação da colaboração e do conflito que se configurarem nas relações contratuais, têm relevância as concepções predominantes sobre o tema entre as partes envolvidas, na sociedade e/ou no ordenamento jurídico, como também vinculam-se às situações, fatos e atos que ocorrerem ao longo da relação. As últimas hipóteses apresentadas trazem à luz a possibilidade de alto grau de cooperação e parceria em tipos de ajustes onde poderíamos prever um grau mais acentuado de conflito e, também, da ocorrência de alto grau de conflito em tipos de acordos onde em princípio seria admissível um grau mais elevado de cooperação e parceria.

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