• Nenhum resultado encontrado

Alguns conteúdos representados pela esquerda e pela direita

CAPÍTULO II – IDEOLOGIA PARTIDÁRIA: ESQUERDA, CENTRO E DIREITA – BASE

II.4 Inclinação ideológica partidária

II.4.5 Alguns conteúdos representados pela esquerda e pela direita

A conotação ideológica partidária atribuída aos termos esquerda e direita teria ganhado alguma notoriedade a partir da Revolução Francesa, ocasião em que esquerda e direita passaram a expressar diferentes concepções sobre a atuação do governo na sociedade. Foi assim que, no parlamento da primeira República Francesa, à esquerda sentavam-se aqueles que se posicionavam a favor de reformas que diminuíssem as desigualdades sociais e econômicas, e à direita ficavam os representantes da aristocracia, que atuavam na defesa da manutenção de seu poder econômico e político (Lipset, 2012: 136 e 137). Assim, desde aquela época estar à esquerda ou à direita mostrava uma predisposição para a defesa de diferentes assuntos/conteúdos.

Para diferenciar esquerda e direita, teóricos pesquisados enfatizam, em regra, seus respetivos conteúdos, conteúdos esses que, segundo Giddens (1999), têm mudado constantemente após a “morte do socialismo como uma teoria de administração econômica uma das principais linhas divisórias entre esquerda e direita” (Giddens, 1999, 54). “Porém, a divisão entre esquerda e direita não desapareceu. Ela reflete essencialmente diferenças em valores políticos” (Giddens, 2007:23).

Sobre as mudanças de conteúdos relacionados com a esquerda e com a direita, Mouffe (2015) observa que “o que está em jogo na oposição esquerda/direita não é um conteúdo específico – [...] –, mas o reconhecimento da divisão social e a legitimação do conflito [...]. O conteúdo mesmo da esquerda e da direita irá variar, mas a linha divisória deve permanecer, porque seu desaparecimento indicaria que a divisão social está sendo negada e que um conjunto de vozes foi silenciado” (Mouffe, 2015: 119-120). Para essa autora, seria “um erro acreditar que a esquerda e a direita estão ligadas de uma maneira essencialista a certos significados, como o de “classe”, e que a emergência de novas lutas significaria que eles se tornaram obsoletos” (Mouffe, 2003:10 -13).

Giddens (1999) entende que, com a ideologia comunista encabeçada por Marx, esquerda e direita passaram a representar ideias divergentes, ligadas às classes sociais, proletariado e burguesia, respetivamente. Assim, por exemplo, a esquerda defenderia os trabalhadores ao incorporar a defesa da igualdade social que seria alcançada, segundo a teoria marxista, com o fim da propriedade privada e da exploração do trabalho [mão-de-obra] pelo capital, dentre outras prescrições que colocavam em lados opostos os interesses do proletariado, defendido, e os interesses da burguesia, atacados por partidos de esquerda. Por outro lado, e ao mesmo tempo, ideias e práticas consideradas de direita seriam defendidas pela burguesia, como

63

por exemplo: a segurança estatal para a manutenção do capitalismo e do livre mercado, a desregulamentação das relações de trabalho, a diminuição do tamanho do Estado, dentre outras ideias que ficariam marcadas como de partidos de direita.

Bobbio (2011), que teria escrito um “best-seller” sobre esquerda e direita na opinião de Giddens, observa que a existência, no mesmo sistema político democrático, de partidos políticos orientados por ideias de esquerda e de direita evidencia “contrastes não só de ideias, mas também de interesses e de valorações a respeito da direção a ser seguida pela sociedade” (Bobbio, 2011: 51). Indica, esse autor, que as demandas introduzidas nesse sistema seriam avaliadas e operacionalizadas de forma diferente e, por vezes, contraposta, a depender da orientação ideológica dos representantes políticos, ou de boa parte deles, que estivessem à frente do governo. Por consequência, dessa avaliação resultariam diferentes respostas estatais, políticas públicas, programas e projetos voltados à resolução de problemas apresentados pela sociedade. Problemas políticos são aqueles que “requerem soluções por meio de instrumentos tradicionais da ação política, isto é, da ação que objetiva formar decisões coletivas que, uma vez tomadas, passam a vincular toda a coletividade” (Bobbio, 2011: 58). E as soluções adotadas por meio dessas decisões coletivas carregariam, em tese, a marca do partido político, nomeadamente a marca da sua orientação ideológica, esquerda/direita.

Bobbio (2011) resume esquerda/direta a partir da ideia de igualdade enunciada por cada extremidade do eixo. Assim, para os partidos de esquerda, “a igualdade é a regra e a desigualdade, a exceção.” Enquanto exceção, a ocorrência de desigualdade precisaria ser justificada. De modo contrário, para aqueles de direita “a desigualdade é a regra e se alguma relação de igualdade deve ser acolhida ela precisa ser devidamente justificada.” Tem-se em vista que os dois termos, esquerda e direita, “descrevem uma antítese, a conotação positiva dada à esquerda (ou à direita) implica necessariamente a conotação negativa da direita (ou da esquerda). Sendo que saber qual dos dois é o axiologicamente positivo e qual é o axiologicamente negativo não depende do significado descritivo, mas dos opostos juízos de valor que são dados às coisas descritas.” Na essência do pensamento da esquerda, estaria, portanto, a defesa da igualdade. A direita, por sua vez, teria por base a ideia de que a desigualdade seria aceitável para não colocar em risco a liberdade, valor que para essa corrente se sobrepõe aos demais. O pensamento da direita justificaria ainda que as desigualdades são úteis, “na medida em que promovem a incessante luta pelo melhoramento da sociedade” (Bobbio, 2011: 12 a 24).

Sartori (1982), no mesmo sentido de Bobbio (2011), afirma que um partido com orientação ideológica à esquerda posiciona-se de forma positiva à diminuição da desigualdade.

64

De forma diferente, partidos com orientação à direita não perceberiam a desigualdade de forma negativa. Também Giddens (1996) entende que a direita “[...], aceita melhor a existência de desigualdades do que a esquerda, e está mais propensa a apoiar os poderosos do que os desprovidos de poder”. De outro lado, “a esquerda apoia maior previdência e provisões públicas” como forma de promover a igualdade (Giddens, 1996: 284).

Sobre ideias identificadas com partidos de esquerda e de direita, Belchior e Freire (2010), apoiados em Inglehart (1990) e Bobbio (1994), observam que nessa “polarização, igualdade e liberdade detêm um papel nodal na malha dos valores políticos, em que esquerda é fundamentalmente conotada com uma concepção tradicionalmente de defesa da mudança social direcionada para a igualdade política, económica e social, e com um papel central do Estado na promoção dessa igualdade, e a direita se identifica com um papel instrumental do mercado na promoção do crescimento e da eficiência económica, e com a conservação do padrão sociopolítico vigente” (Belchior e Freire, 2010: 109).

Tarouco e Madeira (2013) observam que conteúdos relacionados com a esquerda e com a direita mudaram ao longo do tempo, mesmo assim a esquerda se manteve vinculada à defesa da igualdade social e a direita associada ao “livre mercado capitalista” (Tarouco e Madeira, 2013:151). Esses autores, com essa convicção, utilizaram conteúdos relacionados com essas classes ideológicas contidos no “Manifesto Research Group (MRG). Dos 56 assuntos que poderiam diferenciar partidos políticos, segundo MRG, alguns foram associados com a esquerda e outros com a direita (Tarouco e Madeira, 2013:154). Foram associados à esquerda os seguintes conteúdos: forças armadas (negativo), anti-imperialismo, paz, internacionalismo (positivo), democracia, regulação do mercado, planejamento econômico, protecionismo (positivo), economia controlada, nacionalização, expansão do welfare state, expansão da educação e classes trabalhadoras (positivo). Conteúdos relacionados com a direita foram: forças armadas (positivo), liberdades e direitos humanos, constitucionalismo (positivo), autoridade política, livre iniciativa, incentivos, protecionismo (negativo), ortodoxia econômica, limitação do welfare state, nacionalismo (positivo), moralidade tradicional (positivo), lei e ordem e harmonia social.

Giddens (1999) entende que “a velha esquerda”, associada a conteúdos voltados à promoção da igualdade, teria ganhado força no contexto europeu e no período logo após a Segunda Guerra Mundial para substituir governos de direita, os quais, segundo Giddens, eram defensores da liberdade máxima ao mercado e do capitalismo, por exemplo, mesmo que em detrimento da promoção da igualdade. A esquerda que ascendeu politicamente naquele período, acrescenta Giddens, tinha como conteúdos, por exemplo: envolvimento difuso do Estado na

65

vida social e econômica, domínio da sociedade civil pelo Estado, administração keynesiana da demanda, somada ao corporativismo, papéis restritos para os mercados (economia mista ou social), pleno emprego, forte igualitarismo, welfare state abrangente, protegendo os cidadãos ‘do berço ao túmulo’, modernização linear e baixa consciência ecológica. Observa Giddens (1999), que valores, ideias e práticas associados com a “velha esquerda” teriam sido incorporados por governos de outras classes ideológicas, principalmente aqueles valores relacionados com o welfare state. Essa situação de predomínio da esquerda começaria a mudar a partir da década de 70 e 80 do século passado, em decorrência, por exemplo, de problemas enfrentados por estados que adotaram o welfare state. A derrocada de governos de esquerda levaria a direita a assumir novamente posição de destaque na política mundial.