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CAPÍTULO II – IDEOLOGIA PARTIDÁRIA: ESQUERDA, CENTRO E DIREITA – BASE

II.4 Inclinação ideológica partidária

II.4.6 Novos conteúdos na esquerda e na direita

Held e Giddens entendem como ideias da ‘nova direita’ aquelas disseminadas e direcionadas para o enfrentamento do Estado de bem-estar social e de outras propostas relacionadas com a “velha” esquerda. A “nova” direita, segundo Held (1987) teria defendido, por exemplo, a diminuição do tamanho do Estado sob o argumento de que havia um excesso de demandas sendo atendidas pelo poder público. Com isso, o Estado estaria a desviar-se de sua finalidade principal de ser um “‘agente protetor’ contra a força, o roubo, a fraude e a violação de contratos”. Além dessa função, caberia ao Estado a proteção dos direitos individuais e a defesa nacional. Para operacionalizar esse pensamento, observa Held, os defensores do Estado mínimo advogaram que a lei deveria limitar a atuação do Estado enquanto garantidor da liberdade individual e do livre mercado. Held observa também que as ideias da nova direita foram recebidas pelos políticos com entusiasmo. Na opinião de Held, porém, essa proposta de reduzir o tamanho do Estado seria de difícil aplicação por existir “vastas desigualdades dentro dos estados-nação e entre eles, que são fonte de considerável conflito” que não seria resolvido sem a intervenção estatal (Held, 1987: 222/228).

Giddens (1999) nota que as propostas da “nova direita” compreenderam, por exemplo, os seguintes conteúdos: governo mínimo, sociedade civil autónoma, fundamentalismo de mercado, autoritarismo moral, somado a forte individualismo económico, depuração do mercado de trabalho como qualquer outro, aceitação da desigualdade, nacionalismo, modernização linear e baixa consciência ecológica. Mas Giddens (2007) observa que a crise econômica do final da década de 90 do século passado teria revelado “quão instáveis e

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desestabilizadores podem ser mercados mundiais desregulamentados, […].” Acrescenta Giddens que a liberdade de mercado implementada por governos neoliberais revelaria sua incapacidade para “ajudar a mitigar as extremas desigualdades existentes entre os países mais pobres e os mais ricos. […]. O retorno de partidos de esquerda ou de centro ao governo de tantos países transmite a clara mensagem de que as pessoas não querem ficar desprotegidas ante o mercado global”. Com isso, os partidos de esquerda estariam “sendo forçados a criar algo novo, uma vez que as doutrinas centrais do socialismo já não são aplicáveis” (Giddens, 2007:19). Giddens então propõe que a esquerda tente ‘algo novo’, denominado por esse autor como “terceira via”, expressão que seria sinônimo de nova esquerda ou de “‘esquerda modernizadora’”. Governos que adotassem essa terceira via teriam como objetivos principais: buscar “uma sociedade solidária e inclusiva, em que nenhum cidadão seja deixado de fora. É comprometer-se com a igualdade e acreditar que temos a obrigação de zelar pelos membros mais vulneráveis da sociedade” (Giddens, 2007:23). Observa Giddens que para alcançar esses objetivos a “intervenção do governo é necessária” (Giddens, 2007:19). Para tanto, esse autor sugere que a nova esquerda, ao assumir governos, atue, principalmente, nas seguintes áreas: reforma do Estado para tornar governos e agências estatais mais transparentes, voltados ao consumidor e ágeis, e livre de corrupção; retirada do Estado de atividades que seriam próprias do mercado ou da sociedade civil, o Estado atuaria como regulador e interventor em ambos; modernização da sociedade civil e, ao mesmo tempo, manutenção de fronteiras entre governo e sociedade civil [a sociedade civil não substitui governos democráticos]; construção de um novo contrato social vinculando direitos e responsabilidades “a todos os indivíduos e grupos, ricos e pobres, poderosos e menos poderosos” (Giddens, 2007:26); busca da igualdade; “criação de uma economia dinâmica mas de pleno emprego” (Giddens, 2007:28); integração de políticas sociais com políticas econômicas; combate ao crime; proteção da ecologia, conciliada com o crescimento econômico e a criação de postos de trabalho; regulamentação dos “custos sociais e ambientais que as empresas podem impor à comunidade […]” e de incentivos estatais para que as empresas assumam obrigações sociais (Giddens, 2007:32).

Held (1987) observa que ideias identificadas como da ‘nova esquerda’, teriam surgido a partir de questionamentos sobre o modelo de democracia liberal que tinha na defesa dos direitos instituídos em lei formal e na proposta de um Estado mínimo seus principais fundamentos. Esse autor, tomando por base Pateman, Macpherson e Poulantzas, observa que pensadores da nova esquerda defenderam a concretização de direitos tangíveis por meio de práticas democráticas que envolvessem o Estado e a sociedade, a fim de “criar condições pelas

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quais o ‘livre desenvolvimento de cada um’ é compatível com o ‘livre desenvolvimento de todos’” (Held, 1987:230/243).

Fung e Wright (2003) propuseram também que a esquerda defendesse novas ideias. As novas ideias da esquerda, no entendimento desses autores, deveriam levar em consideração que as práticas democráticas precisam contribuir para a promoção da “justicia social igualitária, liberdad individual sumada al control popular de las decisiones colectivas, comunidade y solidariedade, y el florecimiento de indivíduos en formas que les permitam explorar sus potenciales al máximo” (Fung e Wright, 2003: 21). Essa nova postura da esquerda seria necessária, segundo esses autores, como oposição às ideias de direita, por exemplo: desregulamentação, privatização, redução dos serviços sociais prestados por entes estatais e austeridade do gasto público, uma vez que essas e outra ideias da direita já estariam presentes em políticas públicas de diversos governos. A ênfase dessas políticas estaria em operacionalizar o jargão “El Estado es el problema, no la solución”. (Fung e Wright, 2003: 20-21). Percebe-se que Fung e Wright, na linha de Stuart Mill, propõem que a esquerda passe a atuar na defesa de valores de autoexpressão14 que promovam o desenvolvimento humano e, com isso, deixe de

enfatizar apenas questões materiais, refletidas nas classes sociais.

Inglehart e Welzel (2009) defendem que há um novo contexto político nas sociedades pós-industriais, no qual a ênfase está em valores de autoexpressão, como questões ambientais, “‘a liberdade de expressão’, ‘dar às pessoas mais voz em decisões importantes de governo’ e ‘garantir que as pessoas tenham mais voz em aspectos relacionados a coisas são feitas em seus locais de trabalho e suas comunidades’” (Inglehart e Welzel, 2009:284). Essas sociedades foram denominadas de pós-materialistas por esses autores, uma vez que estariam centradas em valores abstratos que pudessem promover o desenvolvimento humano e não o “crescimento econômico a qualquer preço” [próprio das sociedades materialistas]. Em decorrência dessa ênfase em valores universais e não materiais, o conflito entre classes não apareceria mais como valores prioritários nas sociedades pós-materialistas ou pós-industriais. Com isso, entendem Inglehart e Welzel, as massas deixariam de ser disciplinadas por partidos políticos, liderados pela elite, para se tornarem cada vez mais autónomas e contestadoras da elite. Nesse novo contexto político, “embora o comparecimento do eleitor às urnas esteja estagnado […], as pessoas estão

14 Inglehart e Welzel (2009) atribuem à dimensão socioeconómica papel fundamental para mudanças ocorridas na vida das pessoas, seja no âmbito material, cognitivo ou social. Segundo esses autores,o desenvolvimento socioeconómico levaria à busca por bens não materiais, pois os bens materiais já teriam sido alcançados.

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participando da política sob formas mais ativas e centradas nos problemas que as afligem” (Inglehart e Welzel, 2009:48/69). Consequentemente, em sociedade pós-materialista haveria um enfraquecimento de democracias encabeçadas por partidos políticos, reduzindo com isso a importância da classificação ideológica partidária esquerda/direita.

Noris (2007), diferentemente de Inglehart e Welzel (2009), observa que em sociedade “pós-materialista” há um contingente de excluídos que teria dado suporte para o crescimento da direita radical. Dentre as “múltiplas explicações oferecidas para a ascensão da direita radical […] o crescimento de uma underclass marginalizada nas economias pós-industriais, padrões de fluxos migratórios e a expansão do desemprego de longo prazo – que teriam facilitado a ascensão dos partidos de direita radical como uma válvula de escape para as frustrações políticas dos perdedores nas sociedades abastadas (Noris, 2005: 4). A direita radical respondeu ao modo como as sociedades pós-industriais modernas transformaram […] as condições de vida, as oportunidades e os padrões de desigualdade socioeconômica nas sociedades industriais avançadas. Entre essas mudanças estão os processos de globalização, reduzindo as barreiras nacionais para o trabalho, comércio e mobilidade de capital; a reestruturação liberal dos mercados econômicos e o encolhimento do Estado de bem-estar, reduzindo a proteção social e o declínio das comunidades locais e das tradicionais organizações formais da classe operária, exemplificadas pelos sindicatos e as cooperativas de trabalhadores (Noris, 2005:10). […]. Essas condições estimularam a política do ressentimento contra imigrantes, alimentando a chama acesa pela retórica populista e atiçada pelos líderes de partidos extremistas. […]. A questão que mobiliza o apoio à direita radical hoje não é o medo das grandes empresas e dos trabalhadores organizados per se, mas antes a ameaça do ‘outro’, impulsionada por padrões de imigração, por pessoas que buscam asilo e pelo multiculturalismo” (Noris, 2005:11).