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CAPÍTULO II – IDEOLOGIA PARTIDÁRIA: ESQUERDA, CENTRO E DIREITA – BASE

II.3 Sistema de partidos no Brasil

No Brasil, o poder político pertence ao povo, conforme expressamente previsto no preâmbulo e no artigo primeiro da Constituição da República. Esse poder é preponderantemente exercido de forma indireta, ou seja, no todo ou em parte, o povo acaba por não decidir diretamente sobre questões políticas e administrativas que interessam à sociedade. Regra geral, quem decide sobre essas questões são os partidos que compõem o sistema partidário brasileiro por meio de seus filiados eleitos pelo voto livre dos cidadãos brasileiros. Mainwaring (2001) observa que um “sistema partidário […] é um conjunto de partidos que interagem de maneira padronizada. Essa noção sugere que geralmente são respeitadas algumas normas e regularidades na competição interpartidária, ainda que contestadas e sujeitas a mudanças” (Mainwaring, 2001: 54). Sobre o sistema partidário do Brasil, Mainwaring (2001) afirma que o aspecto mais importante desse sistema “é o baixo grau de institucionalização”.

As normas institucionais que orientam a estruturação de partidos no Brasil devem tomar como referência o disposto na Constituição brasileira. No art. 17 da CRFB, por exemplo, está disposto que é “livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: I - caráter nacional; II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III - prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei” (CRFB, art. 17, caput e incisos). Coerentemente com a liberdade para formar partidos, no Brasil, é vedada candidatura de pessoas que não estejam filiadas a um partido. Assim, para que uma pessoa possa concorrer a um cargo eletivo, seja do Executivo ou do Legislativo, precisa obrigatoriamente estar filiada a um dos partidos existentes no país (CRFB, art. 14, §3º, V). Não há candidaturas avulsas, ou seja, não há candidatos sem vínculo partidário. São os partidos que se inter-relacionam no interior do sistema na disputa

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pelo voto dos eleitores e não as pessoas. Essa pode ser uma boa razão para que os partidos políticos figurem, atualmente, como atores principais da democracia brasileira.

No julgamento de ações sobre candidaturas avulsas, tribunais brasileiros têm confirmado o disposto no texto constitucional, como pode ser percebido nas decisões abaixo:

“TRE-MT - Registro de Candidatura Rcand 175853 MT (TRE-MT) Data de publicação: 04/08/2010

Ementa: REGISTRO DE CANDIDATURA. NULIDADE DE FILIAÇÃO EM PROCESSO DE DUPLICIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CANDIDATURA AVULSA. Comprovada a inexistência de filiação partidária, decorrente da declaração de nulidade proferida no procedimento de duplicidade, impõe-se o indeferimento do registro de candidatura.”

“TRE-SE - RECURSO ELEITORAL RE 41528 SE (TRE-SE) Data de publicação: 23/08/2012

Ementa: ELEIÇÕES 2012. RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. CANDIDATO INDIVIDUAL. APRESENTAÇÃO INTEMPESTIVA. INEXISTÊNCIA DE COLIGAÇÃO OU PARTIDO PREVIAMENTE HABILITADO. IMPOSSIBILIDADE DE CANDIDATURA AVULSA. INVIABILIDADE DA CANDIDATURA INDIVIDUAL PLEITEADA. RECURSO DESPROVIDO.”

Mezzaroba observa que, com a proibição de candidatura avulsa, “cabe aos partidos políticos o papel de engrenagem essencial” no sistema democrático representativo do Brasil (Mezzaroba, 2010:15).

Há na Constituição também garantia de autonomia para que partidos estabeleçam suas próprias normas internas, conforme enunciado no parágrafo [§]1º do artigo 17 da CRFB. Esse dispositivo constitucional assegura aos partidos políticos “§ 1º […] autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento, […], devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.” Com essa norma, a CRFB fortaleceu o papel do partido no sistema político brasileiro. Sobre a fidelidade partidária, o Tribunal Superior Eleitoral – TSE emitiu algumas resoluções. Destaca-se aqui a seguinte: Res.- TSE nº 22866/2008: "A fidelidade partidária a que se refere o § 1º do art. 17 da Constituição Federal é a fidelidade encarada nas [...] relações entre o partido e o afiliado, somente".

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Mezzaroba (2010) observa que o “entendimento dos tribunais é pela não ingerência externa nos chamados assuntos interna corporis” (Mezzaroba, 2010:51). Desse modo, no Brasil, como observa Mezzaroba (2004), cabe ao partido político o “controle ideológico” das diretrizes que servirão de norte para a atuação de seus membros. Já o pluralismo político previsto na CRFB, art 1º, inciso V, pode ser percebido como um fundamento para o multipartidarismo, até agora sem limites quantitativos, existente no país. Não há limite de quantidade de partidos no Brasil. Essa garantia constitucional levou à formação dos 34 (trinta e quatro) partidos atualmente registrados no TSE, obviamente constituídos por pessoas de diferentes segmentos sociais, com diferentes pensamentos. E são esses partidos que podem participar do processo eleitoral, em competição interpartidária. Os que atualmente se encontram nessa condição são os seguintes: 1. PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro10;

2. PTB - Partido Trabalhista Brasileiro; 3. PDT - Partido Democrático Trabalhista; 4. PT - Partido dos Trabalhadores; 5. DEM – Democratas; 6. PCdoB – Partido Comunista do Brasil; 7. PSB – Partido Socialista Brasileiro; 8. PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira; 9. PTC – Partido Trabalhista Cristão; 10. PSC – Partido Social Cristão; 11. PMN – Partido da Mobilização Nacional; 12. PRP – Partido Republicano Progressista; 13. PPS – Partido Popular Socialista; 14. PV – Partido Verde; 15. PTdoB – Partido Trabalhista do Brasil; 16. PP – Partido Progressista; 17. PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado; 18. PCB – Partido Comunista Brasileiro; 19. PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro; 20. PHS – Partido Humanista da Solidariedade; 21. PSDC – Partido Social Democrata Cristão; 22. PCO – Partido da Causa Operária; 23. PTN – Partido Trabalhista Nacional; 24. PSL – Partido Social Liberal; 25. PRB – Partido Republicano Brasileiro; 26. PSOL – Partido Socialismo e Liberdade; 27. PR – Partido da República; 28. PSD – Partido Social Democrático; 29. PPL – Partido Pátria Livre; 30. PEN – Partido Ecológico Nacional; 31. PROS – Partido Republicano da Ordem Social; 32. SD – Solidariedade; 33. NOVO – Partido Novo; 34. REDE – Rede Sustentabilidade.

10 O PMDB mudou sua nomenclatura em 2018, tirou o "P” de Partido para se transformar em Movimento Democrático Brasileiro – MDB.

54 II.3.1 Incongruências no sistema de partidos do Brasil

O cientista político Scott Mainwaring (2001) faz várias críticas ao sistema partidário do Brasil com ênfase na sua baixa institucionalização, a qual favoreceria que “partidos aparecessem e desaparecessem com assombrosa frequência”; […] partidos “catch-all, descentralizados, indisciplinados e individualistas”. Facilitaria ainda que políticos trocassem de partido sempre que queiram e dificultaria a formação e fortalecimento de lideranças partidárias e a responsabilização de políticos por seus partidos. Partidos fracos serviriam de pilar de um “sistema em que o Estado geralmente funciona para as elites […], em que as políticas públicas são constantemente minadas pelas troca e favores personalistas e, em consequência de tudo isso, as classes populares são punidas.” Com essas e outras razões, Mainwaring (2001) argumenta que a ampliação da institucionalização do sistema partidário brasileiro levaria à formação de partidos “‘fortes’, com ideologias e bases sociais bem definidas […]” (Mainwaring, 2001: 33/35/390/393).

Hoffmann (2014) atribuiu ao “sistema político fisiologista brasileiro, […], os escândalos políticos” que envolveram políticos e partidos nesses últimos anos. Sobre isso, Ames (2016), em entrevista à Folha, observa que “as instituições políticas não existem no vácuo, elas funcionam em um determinado ambiente político-económico. No caso do Brasil, o domínio do governo como financiador de grandes projetos e a concentração do setor de construção tornam o conluio tanto fácil quanto crucial para os burocratas, empreiteiras e políticos. Repensar as instituições políticas também inclui repensar a relação entre o Estado e a sociedade”.11

Singer (2014) exemplifica a atuação fisiologista de partidos brasileiros a partir da votação de duas matérias no Legislativo federal: na primeira, sobre o “Marco Civil da Internet”, teria prevalecido o projeto de lei defendido pelo governo da Presidente Dilma Rousseff. A outra matéria versou sobre a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI para apurar desvios na Petrobras. Essa CPI foi aprovada apesar do empenho da então Presidente Dilma Rousseff pela não abertura. No entender de Singer, os resultados dessas votações devem-se à postura fisiologista dos partidos políticos do Brasil. Segundo Singer, na votação do “Marco Civil da Internet”, as exigências fisiologistas dos partidos teriam sido atendidas pelo Executivo:

11 Folha de São Paulo, disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/05/1773123- barry-ames-fala-sobre-a-direita-e-a-guinada-politica-no-pais.shtml>

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o “Planalto acelerou a reforma ministerial, dando posse a ministros uma semana antes da votação do Marco Civil. Com a nova configuração da Esplanada o PP e o Pros, 59 votos na Câmara–, voltaram ao colo da presidente”. Por outro lado, na votação que abriria a CPI da Petrobras, os partidos teriam feito outras exigências, que não foram atendidas pelo Executivo. Por isso, teria havido a abertura da tal CPI. Com esses exemplos, Singer concluiu que “uma ampla camada de parlamentares fisiológicos chantageia o governo – qualquer um – obrigando- o a negociar no varejo de modo ininterrupto. No meio dessas negociações complicadas e inevitáveis, o interesse nacional, seja o de democracia na internet, seja a preservação do patrimônio público na maior estatal brasileira-vira mera moeda de troca” (Singer, 2014).

Sobre críticas ao sistema partidário do Brasil, Rodrigues (2002) salienta que “a visão negativa do sistema partidário é predominante entre os brasilianistas”. Rodrigues (2002) resumiu essas críticas: “1) Ao excessivo número de partidos, ou seja, à alta fragmentação partidária que começara com a Constituinte. […]. 2) À fragilidade dos partidos, expressa pela descontinuidade em sua existência, meras legendas criadas para atender a projetos pessoais, […]. 3) Às sucessivas mudanças de partidos por parte dos políticos, aspecto que se vincula à falta de coesão, de disciplina e de fidelidade partidárias. […]. 4) À falta de consistência ideológico-programática […]. 5) À patronagem, ao clientelismo e ao patrimonialíssimo […]. 6) Ao individualismo dos políticos, característica que levaria à competição intrapartidária, à predominância das estratégias pessoais sobre as coletivas, à ocultação, quando de campanhas eleitorais, dos programas e, às vezes, das legendas dos partidos, de acordo com os interesses pessoais. 7) À indisciplina partidária, outra marca dos partidos brasileiros, […]. Barry Ames chega mesmo a considerar que ‘no plano nacional, os partidos brasileiros dificilmente poderiam ser considerados partidos políticos’” (Rodrigues, 2002: 18 a 22).