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As décadas de 70 e 80 foram de grandes transformações para os países da região, caracterizados por regime autoritários e economias fechadas e ineficientes. Nestas economias, o mercado interno era protegido da concorrência externa e reservado aos produtores locais.

O crescimento econômico, iniciado no final dos anos 60, prossegue no inicio dos anos 70. O desenvolvimento ocorrido foi liderado, principalmente, pelos setores públicos, pelas indústrias de bens de consumo durável, representadas, na sua maioria pelas multinacionais e pela produção de bens primários (minerais e agropecuários).

Os sintomas de esgotamento das possibilidades de crescimento começam a aparecer em 1973. E neste momento, que a economia mundial passa por graves desequilíbrios, a crise do petróleo de outubro de 1973. O Choque do Petróleo significa uma grave transferência de recursos reais ao exterior, com a existência de um diferencial de divisas.

“No inicio dos anos 1980, eclodiu a crise divida externa, decorrente do aumento das taxas de juros nos Estados Unidos. Com o brutal incremento dos pagamentos internacionais em moeda forte, os paises latino-americanos entraram em recessão, enquanto todos os esforços eram voltados para as exportações visando ao pagamento dos bancos credores. Mas as dimensões da crise levaram vários paises a declarar moratórias temporárias. Isto, mais as conseqüências da Guerra das Malvinas, levou ao desgaste dos regimes militares, que logo deram lugar a transições negociadas de retorno à democracia” (2004, p. 56).

Neste momento, os paises da América Latina entram em uma nova fase de sua economia, marcada pelo endividamento e pela falta de recursos do Estado para manter o ritmo de crescimento.

Segundo Benecker e Nascimento: “A opção que se colocava naquele momento era o ajustamento, que seria baseado na contenção da demanda interna, para evitar que o choque externo se transformasse em inflação permanente, alem de viabilizar o equilíbrio externo” (2002, p.15).

Os paises deveriam ganhar tempo para ajustar a oferta interna54, mas para isso, era necessário um ambiente externo marcado pela alta liquidez e por créditos externos fáceis e baratos. Esse ambiente externo com alta liquidez era garantido pelos Petrodólares55.

O ambiente se alterou novamente em 1979 com o segundo choque do petróleo. Benecker e Nascimento destacam algumas mudanças ocorridas em 1979 com a II Crise do Petróleo:

“a) este choque deteriorou a situação da região por provocar aumentos na taxa de inflação, na divida externa e por acentuar o desequilíbrio no balanço de pagamentos; b) a recessão econômica nos paises capitalistas do Primeiro Mundo, em decorrência do “choque” do petróleo, provocou queda nas exportações dos paises em desenvolvimento e deterioração nos termos de troca; c) a elevação nas taxas de juros no mercado internacional aumentou os gastos com pagamento do serviço da divida externa dos paises latino-americano e; d) com a moratória do México em 1982, o sistema financeiro internacional suspendeu novos empréstimos para a região como um todo” (2002, p. 15-6).

54 Manutenção dos preços internos em equilíbrio e a constância dos níveis de crescimento econômico, tudo

isso apoiados no excesso de liquidez internacional e no endividamento externo.

55 Nome dado às divisas (geralmente em dólar) provenientes da exportação de petróleo. O termo difundiu-se

em 1973, quando a OPEP – Organização dos Paises Exportadores de Petróleo, entidade mantida por países exportadores de petróleo - elevou de 3 para 12 dólares o preço do barril de óleo cru, ocasionando um enorme afluxo de divisas para estes Estados.

Os anos 80 foi para os paises da região um período de alto índice inflacionário, isso devido a dois graves desequilíbrios acumulados pela região: 1) desequilíbrio relacionado as restrições externas, onde os paises necessitavam de superávits comerciais para saldar sua divida. Estes superávits só eram alcançados com hiperdesvalorização de suas taxas de cambio, que ao aumentar o superávit comercial gerava pressão inflacionaria. Ou seja, a região estava condenada a desvalorizar o câmbio para aumentar o superávit comercial e com isso desequilibrar os preços relativos internos, gerando inflação; 2) destacamos ainda, o problema fiscal do Estado, que se mostrava difícil de combater em uma sociedade com alto grau de desigualdade e, ainda mais num momento de redemocratização, onde o clamor social era de maiores gastos do governo.

Foi neste clima de instabilidade e desequilíbrio que surge as idéias do Consenso de Washington, descrita anteriormente, e que se resumiam a dois grandes eixos: diminuição do papel do Estado na economia e abertura econômica.

Arbix e Laplane, comentando o avanço do novo paradigma na América Latina, destaca: “Creditando e vinculando a estagnação dessa década às políticas protecionistas configuradas desde o pós-guerra no continente, os novos governantes dos anos 90 foram abandonando as políticas desenvolvimentistas e de substituição de importações, tentando se livrar de state-led tradition que marcou o continente por décadas. Um novo paradigma de política econômica começou a ser implementado e construído, com forte tendência privatizante e orientada para o mercado, tanto no nível interno quanto no externo” (2002, p. 80).

Como destacou Vizentini: “No campo econômico e político, o continente foi submetido a um único padrão, com exceção de Cuba. Privatizações de empresas estatais (geralmente compradas por companhias estrangeiras) abandono de importantes funções econômicas e sociais pelo Estado, abertura das economias nacionais e prioridade ao equilíbrio fiscal e ao combate à inflação passaram a ser uma regra” (2004, p. 58).

Segundo Benecker e Nascimento: “O Consenso de Washington visava equacionar a crise fiscal dos Estados e ao mesmo tempo corroborar para a estabilização da economia, uma vez que o modelo de substituição de importações, adotado ao longo desses anos, já se mostrara inadequado. A superproteção do mercado interno fez com que a indústria nacional ficasse cada vez mais atrasada e ineficiente” (2002, p. 17).

Tabela 1: Crescimento do Produto Interno Bruto nos paises Latino-americanos 1980-1999 (%) PAÍS 1980-1999 1990-1998 1993 1996 1999 _________________________________________________________________________ Argentina - 0,4 5,3 5,7 5,5 - 3,4 Bolívia - 0,2 4,2 4,3 4,4 0,4 Brasil 2,7 3,3 4,9 2,7 0,8 Chile 4,2 7,9 7,0 7,4 - 1,0 Colômbia 3,6 4,2 5,2 2,1 - 4,2 Costa Rico 3,0 3,7 7,4 0,9 8,2 Cuba - - - 14,9 7,8 6,2 Equador 2,0 2,9 2,0 2,0 - 7,3 Guatemala 0,8 4,2 3,9 3,0 3,8 México 0,7 2,5 2,0 5,1 3,7 Peru - 0,3 5,9 4,8 2,5 0,9 Uruguai 0,4 3,9 2,7 5,6 - 2,8 Venezuela 1,1 2,0 0,3 - 0,2 - 6,1 Fonte: Benecker e Nascimento (2002).

Vizentini destaca como impacto do Consenso de Washington, o forte retrocesso econômico, principalmente no setor industrial, embora tenha havido a modernização de alguns setores. Sob o pretexto de modernizar e tornar concorrenciais setores pouco competitivos, foram levados à falência importantes ramos das indústrias locais. Conceituadas e lucrativas empresas estatais foram vendidas a preços simbólicos, em operações geralmente marcadas por irregularidades e favorecimentos (2004, p. 58-9).

Ainda segundo Vizentini: “Direitos sociais foram suprimidos do dia para a noite, enquanto, o sindicalismo sofria um retrocesso marcante. Pior do que a queda dos salários, entretanto, foi a elevação brutal da taxa de desemprego, hoje, sem duvida, o maior problema do continente e do mundo. Para completar, o declínio dos indicadores de saúde e

educação produziu um processo de fragmentação social inédito na historia latino- americana” (2004, p. 59).

Tabela 2 - América Latina – indicadores macroeconômicos

1985/90 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 PIB 1,6 -0,2 3,9 3,2 4,1 5,6 0,4 3,5 Export. 5,2 6,0 3,6 7,1 11,7 10,7 10,4 11,3 Form. Capital 17,2 18,2 - 19,1 19,4 20,5 19,1 19,3 Inflação 686,5 1188,8 199,8 426,7 890,2 337,6 25,8 18,5 Fonte: Cepal apud Arbix e Laplane, 2002, p.83.

Da tabela acima, pode se concluir que alguns resultados se mostraram positivos, tais como: 1) a drástica redução da inflação, que caiu para algo em torno de 10% em 1997, sendo que nos anos 80 passou dos três dígitos; 2) o crescimento, ainda que moderado, do volume das exportações; 3) o aumento nos fluxos de capitais externos56, cujos efeitos ainda estão em desenvolvimento.

Agora, deve-se destacar ainda, os graves desequilíbrios causados por estas políticas, que segundo Arbix e Laplane:

“Fundamentalmente, um pífio crescimento do PIB e do emprego, baixo aumento da produtividade, uma tímida recuperação da relação PIB/investimento produtivo e a persistência de um dos piores indicadores de distribuição de renda do mundo, tanto individual quanto regional. E do ponto de vista macroeconômico, terreno por excelência de responsabilidade do novo Estado, a vulnerabilidade das economias tornou-se quase um pesadelo, ilustrado pelas sucessivas crises que envolveram México, Brasil e Argentina” (2002, p. 83).

Como destaca a tabela 3 abaixo, a América Latina, nos anos 90, recebeu uma grande quantidade de investimentos. Apenas no biênio 1997-1998, a média anual de entrada foi de cerca de US$ 70 bilhões, enquanto a média anual anterior à década de 1990 nunca havia

ultrapassado US$ 10 bilhões. O Investimento Direto Externo saltou de 1% para 4% do PIB entre 1980 e 1998.

É importante destacar, que grande parte dos recursos que entraram nas economias da região, via investimento direto externo, foi deslocado para o processo de privatização57 de empresas industriais e, principalmente, de setores de serviços públicos como energia elétrica e telecomunicações. Outra parte foi vinculado à crise do sistema bancário e à desnacionalização de bancos públicos e privados. A venda de empresas de serviços públicos para empresas estrangeiras é um dos fatores que explicam a participação crescente dos serviços na composição setorial dos investimentos estrangeiros no Brasil (Arbix e Laplane, 2002, p. 87).

Tabela 3 - Fluxo de Investimento Direto Externo (IDE) em países da América Latina – 1990-2000 (milhões de dólares) _______________________________________________________________ 1990/94 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Argentina 2982 5315 6522 8755 6670 23579 11957 Bolívia 86 393 474 731 957 1016 695 Brasil 1703 4859 11200 19650 31913 32659 30250 Chile 1207 2957 4634 5219 4638 9221 3676 Colômbia 818 968 3113 5638 2961 1140 1340 Equador 293 470 491 625 814 690 740 Paraguai 99 103 136 233 196 95 100 Peru 796 2056 3225 1781 1905 1969 1193 Uruguai - 157 137 126 164 229 180 Venezuela 836 985 2183 5536 4495 3187 4110 México 5430 9526 9186 831 11312 11786 12950 Total 14249 27789 41301 61125 66025 85571 67191 ______________________________________________________________ Fonte: Arbix e Laplane apud CEPAL (2002, p. 81).

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Em 1996, ingressaram apenas no Brasil, US$ 2645 bilhões referentes ao processo de privatização em curso, em 1997 foram US$ 5246 bilhões, 1998 US$ 6121 bilhões e em 1999 foram US$ 8766 bilhões (Banco Central, 2002).

Soares ao analisar as conseqüências dos ajustes neoliberais na América Latina, conclui, que: “Em relação a toda aquela alegação de que as reformas eram imprescindíveis para o crescimento, as evidencias não demonstram isso, pelo contrario. São paises que tiveram um crescimento econômico medíocre ou inexistente, cuja vulnerabilidade financeira aprofundou, em que o endividamento público aumentou, em que houve uma generalização da precarização do trabalho, taxas de desemprego58 inéditas na historia desses paises – obviamente o caso da Argentina e o mais gritante -, o desmonte das instituições publicas estatais, a redução e a eliminação da universalidade dos serviços, a focalização com acompanhamento da exclusão” (2003, p. 42).

A crise sócio-econômica e a instabilidade política trouxeram, ainda, para a região, as tentativas de golpe de Estado, como os ocorridos na Venezuela59, Peru e Haiti. Outro ponto importante a se destacar, foi o crescente aumento na criminalidade e na violência social, que atingiam níveis alarmantes, como o infeliz caso do Brasil, e revoltas populares eclodiram na Argentina, Bolívia, Venezuela, Haiti, México e em outros paises, como resposta à grave deterioração nas condições de vida.

Vizentini destaca, “a redução da soberania dos Estados nacionais pode ser percebida ate mesmo pela nova linguagem que impregnou as relações internacionais. Ate a década de 1980, era comum referir-se a paises com Brasil, México e Índia, por exemplo, como

potencias medias, potencias regionais, Estados em desenvolvimento ou paises recém- industrializados. Atualmente, são denominados mercados emergentes, tendo desaparecido

as noções de Estado, nação, desenvolvimento, potencia ou mesmo de projeto nacional. Além dos fatores internacionais que produziram tal fenômeno já descrito, e preciso considerar que as políticas neoliberais impedem os governos de governar, devido a falta de

58 O desemprego aberto atingiu na ultima década a sua maior taxa histórica, quase 12% em media. Se forem

registradas as regiões metropolitanas, as regiões mais deprimidas da América Latina e os trabalhadores de baixa renda, esse desemprego chega, em alguns casos, a 30% ou 40% da população. Outro ponto interessante que merece destaque, com relação ao emprego, e a situação dos autônomos, que aumentaram enormemente a sua participação. De 65% a 95% dos ocupados hoje, na América Latina, não tem nenhum contrato de trabalho. De 65% a 80% da população latino-americana não tem proteção social nem de saúde. E a cada 10 novos empregos criados na América Latina, na década passada, nove foram na área de serviços e 8,1 foram informais. Nessa condição se encontram 80% dos empregos gerados na região na década de 1990 (Soares, 2003, p. 43-4).

59 O golpe de Estado ocorrido na Venezuela contou com enorme simpatia popular, tanto que o líder golpista,

recursos debilitando assim internamente os Estados nacionais. O grave e que o capital estrangeiro e as empresas transnacionais se preocupam apenas com sua lucratividade (inclusive abandonando paises quando não são mais interessantes, como ocorreu com a Argentina), enquanto são os Estados nacionais e os governos que têm responsabilidade sobre a preservação das populações e do território” (2004, p. 75).

Como destaca Furtado: “Neste fim de século prevalece à tese de que o processo de globalização dos mercados ha de se impor no mundo todo, independentemente da política que este ou aquele país venha a seguir. Trata-se de um imperativo tecnológico, semelhante ao que comandou o processo de industrialização que moldou a sociedade moderna nos dois últimos séculos” (1998, p. 26).

A concentração de renda na região aumentou bastante. Enquanto em 1979 as famílias com renda inferior a média eram de 67%, em 1997, ultrapassava os 75% (Arruda, 1999, p. 23).

A divida externa da América Latina aumento de US$ 475 bilhões em 1990, para US$ 675 bilhões em 1996, a um ritmo anual de 2,5 %, enquanto havia crescido apenas 1,2% ao ano na década de 80. O serviço da divida (amortizações mais juros) também mais que dobrou nos anos 90, em media anual de US$ 38 bilhões nos 80 para US$ 86 bilhões nos 90 (Arruda, 1999, p. 24).

“Além de não resolver a pobreza”, conclui Soares, “...a conseqüência mais grave dessas reformas que supostamente iriam promover o crescimento econômico foi um brutal aumento da precarização, com uma queda generalizada de todos os empregos, mas principalmente nos empregos públicos. E a Cepal também afirma que o Estado latino- americano foi de tal forma desmontado que se tornou inviável a sua própria reforma. Quer dizer, o Estado se fragilizou no social na maioria dos paises, com péssima qualidade dos seus serviços, com servidores mal-remunerados e com perda de emprego. Aliás, o texto também ratifica que com isso se perdeu uma importante arma da política social latino- americana” (2000, p. 43).

Soares enfatiza ainda um comentário inédito feito pela Cepal, em que se reconhece que a perda da universalidade das políticas sociais latino-americanas levou a um aumento da exclusão. E que o excesso de focalização do gasto social nos pobres não só não incluiu todos os pobres, como também deixou de fora boa parte da classe média precarizada, sem

emprego, que hoje esta numa grave crise de acesso a serviços de infra-estrutura básica na América Latina (2003, p. 42-3).

Os resultados destas políticas para a região foram bastante negativos, como visto anteriormente, os próprios defensores destas idéias60 reconhecem que os resultados não foram tão positivos quanto o esperado, ou anunciado inicialmente. Com isso, os defensores destas políticas, tentam explicar porque o Consenso de Washington não trouxeram os benefícios anunciados, e destacam três motivos principais: 1) o tempo ainda é insuficiente para um balanço mais definitivo das medidas, pois mudanças profundas no continente ainda estão ocorrendo e deverão mostrar bons resultados brevemente; 2) os países latino- americanos não teriam realizado ou completado as reformas necessárias.

Diante destas explicações, os defensores do Consenso lista algumas novas medidas que poderiam ser implementadas para complementar o Consenso inicial, tais como: “1) Instituições regulatórias; 2) Reforma política; 3) Corrupção; 4) Redes de proteção social; 5) Flexibilização do mercado de trabalho; 6) Acordos da Organização Mundial do Comércio; 7) Padronização financeira; 8) Redução da pobreza; 9) Abertura nas contas de capital; 10) Regime cambial único” (Arbix e Laplane, 2002, p. 91).

O paradigma neoliberal adotado na América latina61 não respeitou a história dos países do continente, que tiveram no Estado o agente estruturador e fomentador do crescimento econômico.

“Infelizmente, nas últimas décadas, mesmo a economia do desenvolvimento e a história econômica – dois subcampos da economia que dão grande relevância à abordagem histórica – foram abafadas pela predominância da economia neoclássica, que rejeita categoricamente esse tipo de raciocínio indutivo. A conseqüência funesta disso foi tornar particularmente aistóricas as discussões contemporâneas sobre a política de desenvolvimento econômico” (Chang, 2004, p. 21).

60 Dentre os defensores dos ajustes neoliberais que se mostraram insatisfeitos com os resultados das políticas

adotadas na América Latina, destacamos John Willianson, Pedro Paulo Kuczynski, Ricardo López Murphy. Mesmo insatisfeitos com os resultados das políticas, defendem as política neoliberais e clamam uma intensificação delas.

61 O novo paradigma, na América Latina, foi reduzido à retomado do desenvolvimento dos países a um guia

de condutas sobre como desregulamentar, como liberalizar e privatizar, banindo ou pasteurizando o debate sobre um novo compromisso pela produção, capaz de ocupar o espaço do desenvolvimentismo e a passividade de corte liberal dos anos 90.

O paradigma neoliberal adotado na região não levou em conta questões fundamentais, negligenciando as dimensões da política, a produção e o lugar do Estado no desenvolvimento. Como destaca Rodrik, a critica rasa do nacional-desenvolvimentismo foi acompanhada da contração e drenagem do poder estruturante do Estado, sua capacidade de dialogar, negociar e articular com a sociedade. Questões como a recapacitação tecnológica, a trajetória e operacionalização das empresas foram secundarizadas, minando os processos de aprendizado e de aquisição de novos conhecimentos e tecnologia, que praticamente cederam lugar às preocupações com a macroeconomia. O ajuste fiscal e a flexibilização do comércio internacional foram transformados em palavras quase-mágicas na boca dos governantes. E, mesmo assim, os mercados foram valorizados em suas relações com as trocas e menos com a produção (apud Arbix e Laplane, 2002, p. 92).

Dentre as transformações em curso na sociedade mundial, a globalização e o neoliberalismo lideram e trazem conseqüências negativas marcantes, das quais se destaca a crescente vulnerabilidade externa e a agravamento da exclusão social. Estas conseqüências negativas causadas pelas transformações em curso não impactam apenas os paises em desenvolvimento, afetando também paises desenvolvidos. Nos Estados Unidos, a exclusão social se manifesta como concentração de renda e da riqueza, e, na Europa Ocidental, como desemprego aberto. Como destaca Furtado: “O grande desafio consiste em minimizar os males resultantes da perda de comando provocada pela Globalização, o que requer políticas que tenham em conta a especificidade do país” (1998, p. 74).

Furtado destaca ainda uma questão central na sociedade capitalista contemporânea, o crescente fortalecimento dos mercados e, como contrapartida, o enfraquecimento dos Estados Nacionais. Cabe destacar na integra suas observações:

“Muitas pessoas se perguntam porque a internacionalização das estruturas produtivas não esta provocando redução das desigualdades de renda como previam os arautos do pensamento liberal. E que a distribuição da renda nos planos nacional e internacional e assunto regido predominantemente por fatores políticos. Se o mundo se houvesse desenvolvido dentro das normas de um capitalismo mais puro, a renda seria ainda mais concentrada do que hoje. Mas a verdade foi que, desde o século passado, as forcas sociais contestadoras foram extremamente aguerridas na Europa e interferiram nas estruturas de poder político, abrindo espaço para reformas estruturais importantes como a redução do mercado de trabalho” (Furtado, 1998, p. 76).

Foi somente com a pressão exercida pelas forcas sociais que os benefícios começaram a serem incorporados pelos trabalhadores, os salários subiram acompanhando os incrementos de produtividade, que foram criados os sistemas de previdência social e se definiram políticas de ajuda a regiões menos desenvolvidas. Foi neste instante, que a distribuição de renda melhorou e a sociedade mudou bastante sua fisionomia, engendrando novas fontes de dinamismo.

Furtado destaca que “se a renda tivesse prosseguido em sua tendência a concentração, a estreiteza dos mercados ter-se-ia manifestado. As crises cíclicas teriam sido ainda mais agudas. Se elas abrandaram, foi porque o capitalismo mudou sob pressão das massas. A expressão disso em termos de política econômica foi o keynesianismo, que legitimou a utilização crescente de instrumentos políticos na esfera econômica, abrindo a era da social-democracia. Mesmo nos Estados Unidos, onde seu capitalismo teve seu desenvolvimento menos cerceado por fatores institucionais, a ação do Estado se intensificou para defender setores de atividades econômicas ou interesses regionais” (1999, p. 77).

E podemos ainda destacar, o custo dos ajustes neoliberais nos paises centrais como destaca Soares: “No interior dos paises centrais também houve uma distribuição desigual dos custos sociais: estes foram pagos, na maioria dos paises pelos Estados (crise financeira), pelos sindicatos e pelo emprego da forca de trabalho”. Outras conseqüências “dessa repartição desigual dos custos foram: a distribuição pessoal da renda piorou com o aumento da dispersão salarial; ouve ampliação dos autônomos com rendimentos desiguais e o surgimento de uma ‘casta’ de yuppie de rentistas: foram gerados bolsões de pobreza, sobretudo nos EUA e na Inglaterra; e foram desmontados os mecanismos compensatórios do Welfare State, sobretudo em função da crise fiscal. Essa crise fiscal62, que chegou a apresentar magnitude semelhante a dos paises periféricos, esteve associada tanto às