• Nenhum resultado encontrado

A inflação vinha tomando grandes proporções nos anos oitenta, e depois de inúmeros planos de estabilização fracassados145, o governo Collor assume com o objetivo de acabar com o processo inflacionário com um único golpe.

Quando Collor assumiu a Presidência da República, em março de 1990, a inflação havia atingido uma taxa mensal de 81%. Diante disso, o governo lança as bases do chamado Plano Collor, que foi descrito assim pelo Ministério da Economia:

144 Reinaldo Gonçalves, professor de Economia Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ), filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e um dos formuladores das propostas econômicas do partido nas diversas campanhas presidenciais (1989, 1994, 1998 e 2002).

145

No Governo de José Sarney (1985/1990), o Brasil conheceu alguns Planos de Estabilização, que tiveram como objetivo principal atacar os altos índices inflacionários, destaca-se o Plano Cruzado de 1996, o Plano Bresser de 1987 e o Plano Verão de 1989.

“A partir do dia 16 de março, a moeda nacional passa a ser o cruzeiro. A moeda anterior, o cruzado novo, deixa de circular. [...] E o dinheiro que você tem no banco? Você poderá sacar o quanto quiser até 50 mil cruzeiros do total do que você dispunha em sua conta corrente antes do dia 16. A partir daí, você poderá movimentá-la livremente, sempre em cruzeiros. [...] O montante que ultrapassar 50 mil cruzeiros, você não pode retirar antes de setembro do ano que vem. [...] É como se fosse uma caderneta de poupança, só que mais longa. [...] E por falar em caderneta de poupança... Se você tinha mais de 50 mil cruzados novos na poupança, você passa a ter uma caderneta de 50 mil cruzeiros e a movimentá-la de acordo com as regras da poupança” (Brasil, Ministério da Economia, 1990).

Para os economistas e teóricos responsáveis pela formulação da nova estratégia do governo para estabilizar a economia, o Plano Collor penalizava os ricos e não os pobres, posto que apenas 10% da população possuíam ativos financeiros superiores aos 50 mil cruzeiros146 estabelecidos.

O Plano Collor foi um grande choque para aqueles que difundiram a idéia de que seria no governo do petista Lula, que se recorreria ao confisco dos recursos financeiros.

Segundo Andrei e Arruda Sampaio, foi:

“Através do Plano Collor I a gestão econômica colocou os principais tópicos do receituário neoliberal147 como eixo da agenda da gestão estatal no Brasil: a necessidade de desestatizar e abrir a economia aos produtos e capitais estrangeiros para modernizá-la: o combate a inflação prioritariamente por meio do reforço financeiro do Estado e da contenção monetária; a aposta no investimento privado, doméstico e externo, como motor espontâneo da retomada do crescimento; a subordinação da gestão econômica a uma estratégia baseada em duas etapas subseqüentes: primeiro, a estabilização e a “modernização” e, a seguir, a retomada do crescimento” (1993).

A concepção do Plano Collor I estava subordinada ao diagnóstico convencional da crise econômica brasileira, que aponta o problema fiscal como raiz do descontrole inflacionário, e este último como a principal causa da estagnação da economia. Assim, propunha-se organizar a gestão econômica em torno da seqüência ajuste fiscal – estabilização de preços – retomada do crescimento.

A lógica dos criadores do Plano Collor I era reconhecer que a crise fiscal decorria de um desequilíbrio patrimonial do setor público. Diante dessa análise, era

146 Na área monetária, o cruzeiro voltou a ser utilizado (extinto por ocasião do Plano Cruzado) na economia

em substituição ao cruzado novo, mantendo-se a paridade da moeda.

147 É importante destacar, que a Política Econômica do Governo Collor se pautou pela adesão ao Chamado

“Consenso de Washington”, conjunto de políticas recomendadas por grandes organismos multilaterais (em especial o FMI e o Banco Mundial) ao longo dos anos 80. Um comentário mais apurado sobre o Consenso de Washington encontra-se no capítulo I deste trabalho.

impossível obter um equilíbrio fiscal duradouro apenas através de ajustes dos fluxos de receita e despesa. Para atingir o equilíbrio fiscal, era necessário alterar a estrutura de ativos e passivos do setor público para recuperar a solvência do Estado e a eficácia dos instrumentos convencionais de política fiscal e monetário.

O Plano Collor se assentava em três objetivos simultâneos: evitar a eclosão de uma hiperinflação, estabilizar os preços e liberalizar a economia, especialmente as relações com o exterior.

Além do confisco148 de toda caderneta de poupança ou conta corrente no que excedesse cinqüenta mil cruzeiros, ou 25 mil no caso do overnight – dinheiro a ser devolvido depois de 18 meses, acrescido de juros de 6% ao ano mais correção monetária, em doze parcelas mensais – todos os preços da economia retroagiriam a 12 de março e os empresários e comerciantes foram admoestados pela boca do próprio chefe de Estado149.

O objetivo inicial era mesmo evitar uma hiperinflação, o que levou o governo a manter a taxa de câmbio fortemente valorizada nos primeiros meses após a implantação do Plano, para evitar pressões inflacionárias.

O governo adotou uma política de rendimentos150 que se centrava na compressão dos salários reais. Os salários foram congelados por dois meses (através da prefixação de reajustes em zero por cento) e proibiu-se a reposição das perdas acumuladas antes do Plano, objeto de intensa mobilização sindical. Com relação aos preços do setor privado, também foram prefixados em zero por cento, em dois meses, bem como a variação das políticas públicas, e se tentou acionar os instrumentos tradicionais de controle de preços (tabelas de preços, e reforço da legislação contra “maquiagens” etc.). Após esse período, iniciou-se um processo rápido de liberação dos preços, concluído em meados de 1990.

148 O bloqueio temporário da maior parte dos haveres financeiros tinha diversos propósitos: 1) afastar a

possibilidade de uma hiperinflação, neutralizando o poder de especulação dos agentes; 2) favorecer o ajuste das contas públicas, ao reduzir a carga de juros sobre a dívida interna e adiar por cerca de dois anos seu impacto no caixa do Tesouro; 3) viabilizar uma política monetária orientada para o controle quantitativo dos haveres financeiros.

149 Segundo declarações do próprio Presidente da República: “Abuso econômico passa a dar até 5 anos de

cadeia neste país. Esconder mercadorias, exagerar nos preços, iludir o consumidor, levará para trás das grades o gerente, o diretor e o dono da empresa”.

150 O governo preocupou-se em vetar as tentativas de reindexação formal propostas com insistência no

Congresso, e a recomposição dos salários reais vigentes antes do Plano, obtida por meio da Justiça do Trabalho. Ao mesmo tempo, procurou impor a livre negociação como única forma de determinação dos reajustes.

A situação era de intensa recessão, caracterizada pelo enxugamento da base monetária, câmbio valorizado e forte ajuste fiscal. A recessão era vista, pelo governo, como um mal necessário para reequilibrar a economia, ao eliminar a possibilidade de operação lucrativa de empresas ineficientes, prepararia o terreno para a reestruturação e modernização da economia.

As taxas de inflação no governo Sarney foram sempre altas, como demonstra a tabela abaixo:

Tabela 7 – Taxas de inflação – 1985/1989

____________________________________________________________ ANO INFLAÇÃO ____________________________________________________________ 1985 235,1 1986 65 1987 415,8 1988 1037,6 1989 1782,9 ____________________________________________________________ Fonte: www.ipeadata.gov.br

Destacamos ainda, no plano fiscal, a adoção de um pacote que aumentava o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e a diminuição do prazo de recolhimento do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

Outro ponto fundamental no início do Governo Collor foi a diminuição no número de ministérios, dos 27 anteriormente existentes, restaram apenas 12, com extinção de alguns e fusões em outras áreas.

“Ao mesmo tempo em que manifestou a disposição de reformar estruturalmente a máquina estatal, enxugando seu poder de intervenção na vida social, e de modernizar o sistema produtivo, integrando-o de modo mais estreito com a economia internacional e promovendo o livre trânsito do capital transnacional nas mais variadas áreas, o novo governo também (a) criou um imposto extraordinário sobre operações de crédito, câmbio, seguro e venda ou alienação de títulos e valores mobiliários, sobre transmissão, venda e resgate de ouro e sobre os saques efetuados em caderneta de poupança; (b) obrigou os bancos a comprarem compulsoriamente, certificados de privatização’ das empresas estatais; (c) ordenou a prisão de empresários acusando-os de ‘abuso de poder econômico’; (d) agiu no sentido de impedir os tribunais de apreciarem

liminarmente os atos do Executivo de constitucionalidade duvidosa; (e) determinou o expurgo, nos reajustes salariais, da inflação de 84% relativa ao período de 15 de fevereiro a 15 de março de 1990 (apesar de um inciso VI do artigo da Constituição assegurar como direito fundamental dos trabalhadores a irredutibilidade do salário); (f) substituiu a moeda velha e apodrecida – o ‘cruzado’ – pela moeda nova e sadia – o ‘cruzeiro’; e (g) comprometeu-se a devolver parceladamente, com uma carência de dezoito meses e uma correção monetária de mais de 6% de juros ao ano, os cruzados bloqueados” (Faria151, 1993, p.32-3).

Depois da tramitação do Plano Collor no Congresso Nacional, poucas emendas foram feitas, a Reforma Monetária foi aprovada em bloco, inclusive com os limites de saque à poupança e aplicações. As mudanças mais significativas foram a obtenção de um aumento de 5% no salário mínimo, a não extinção de alguns órgãos públicos e, no processo de privatizações a ser deflagrado, alguma limitação à participação do capital estrangeiro, além da supressão de dispositivos que atentavam contra a liberdade de expressão e associação dos funcionários públicos. (Rodrigues, 2000, p.102).

A opção ideológica de Fernando Collor causava grandes discussões entre analistas políticos e cientistas sociais.

Rodrigues acreditava que a:

“...a combinação entre, de um lado, o discurso de abertura industrial e comercial, de enxugamento do aparelho de Estado, de desregulamentação e privatização futuras em moldes ultraliberais (evidentemente contrastando com o tratamento policialesco dado pelo plano de estabilização monetária às relações econômicas) e, de outro, o conservadorismo político e a extrema centralização tecnocrática no processo de tomada de decisões, essa combinação apontava claramente para a opção neoliberal do governo Collor´ (2000, p. 103),

Para Bresser Pereira:

“Collor adotou um programa corajoso de reformas econômicas orientadas para a liberalização comercial e a privatização. Na opinião da maioria dos intelectuais da esquerda, essas reformas identificavam o governo Collor com a direita neoliberal. Era uma visão equivocada, a não ser que se insista, como vem fazenda a esquerda populista na América Latina, em identificar o neoliberalismo com o conservadorismo e com reformas orientadas para o mercado. O neoliberalismo é um fenômeno muito mais específico. É a ideologia da nova direita, do neoconservadorismo. É uma forma radical de individualismo e de liberalismo, contrária a qualquer tipo de intervenção do Estado no plano econômico e social. O neoliberalismo é o velho liberalismo econômico atualizado pelas visões dos intelectuais da escola austríaca (Hayek), da microeconomia monetarista e neoclássica (Friedman e Lucas, respectivamente) e da escola da escolha racional

151 José Eduardo Faria, advogado e professor universitário, responsável por pesquisas que abordam o período

(Buchanan e Olson). É uma crítica, sob certos aspectos brilhantes, das distorções a que foi sujeita a intervenção do Estado na economia. De como agentes econômicos e políticos em busca de vantagens pessoais (rent seeking)) submetem as políticas públicas a seus interesses particulares. Mas sua proposta de solução do problema – retirar o Estado dos problemas econômicos e sociais – é completamente irrealista. O neoliberalismo é o que Margareth Thatcher tentou, sem sucesso, implementar na Inglaterra por onze anos. O neoliberalismo é o que o governo Reagan apregoou ao invés de praticar, já que é impossível reduzir o Estado ao mínimo e deixar a coordenação da economia exclusivamente para o mercado. A experiência pretendidamente neoliberal de Reagan – na verdade um mero episódio de política conservadora – afinal foi marcada por uma curiosa mistura de políticas populistas e concentradoras de renda, que levaram a economia americana à crise fiscal e agravaram seriamente os problemas sociais do país” (1996, p. 188-9).

A partir de maio, a inflação já apresentava sinais de incremento, embora o governo continuasse a insistir na transitoriedade do fenômeno, o que leva a uma queima dos estoques de legitimidade do governo, e a oposição, particularmente o PT, passa a estimular mobilização social.

A tabela 8 - Inflação mensal - 1990 (%).

MÊS % Janeiro 74,53 Fevereiro 70,16 Março 79,11 Abril 20,19 Maio 8,53 Junho 11,70 Julho 11,31 Agosto 11,83 Setembro 13,13 Outubro 15,83 Novembro 18,56 Dezembro 16,03

Fonte: Bresser Pereira, 1996, p. 235.

Do ponto de vista da reforma burocrática, os planos eram de demitir mais de 20% de todo o funcionalismo (cerca de 350 mil num universo de 1,6 milhão), sendo 330

mil nas empresas estatais, especialmente bancos oficiais, e vinte mil na administração direta, como forma de uma economia de recursos que transformasse o déficit fiscal em conta corrente do governo de 8% em 1989 num superávit de 2% em 1990.

Como destacou Andrei & Arruda Sampaio:

“O Congresso não aprovou a criação de novos impostos e não encaminhou rapidamente as reformas liberalizantes. A reforma administrativa não alcançou seus objetivos de redução de pessoal, limitando-se a colocar em disponibilidade 120 mil servidores. Estes continuaram a receber seus salários, por decisão da justiça, de forma que não houve economia relevante de recursos por meio deste expediente, que só redundou em deterioração da qualidade do serviço público” (1993)

O mês de maio foi realmente ruim para o governo Collor, no dia 29, “um juiz de primeira instância de São Paulo determinou em sentença, a liberação de NCz$ 800 mil de uma caderneta de poupança retida pelo confisco. Foi a primeira do gênero e segui-se em breve por inúmeras outras por todo o país” (Rodrigues,2000,p.111)

No dia 31, do mesmo mês, o governo sofre, sua primeira derrota no Congresso152, nas votações das MPs relativas ao pacote. Esta derrota foi consequência da lentidão do governo na distribuição de cargos do segundo escalão nos ministérios, autarquias e estatais.

Collor conseguiu, com seu estilo arrogante e autoritário, se indispor com inúmeros setores capazes de algum grau de reação política, tais como: correntistas e poupadores que perderam dinheiro, funcionários públicos ameaçados de demissão, juristas boquiabertos com as bateladas de inconstitucionalidades das Medidas Provisórias, decretos e portarias do plano, militares furiosos com a extinção do SNI, parlamentares fisiológicos “prejudicados” pela ausência das nomeações exigidas.

Com a crise se agravando e suas medidas destinadas ao controle da inflação se mostrando insuficientes, Collor passa a patrocinar um pacto social.

O ambiente para o governo era bastante negativo, as greves eclodiam uma após a outra. De acordo com a revista Isto é Senhor:

152 Por 152 votos a 130 o Congresso derrubou a MP 185 que autorizava o Tribunal Superior do Trabalho

(TST) nos julgamentos de dissídios coletivos. O objetivo da medida, estabelecida pelo governo em concomitância à decretação da “livre negociação” salarial, era conter a concessão de reajustes baseados na estimativa das perdas salariais com inflação passada. Em resposta à decisão da justiça, o governo reeditou a medida, sob o número 190 e com uma pequena alteração cosmética, propondo novamente a suspensão dos dissídios (Rodrigues,2000,p. 111).

“Só em São Paulo, contabilizavam 250 mil trabalhadores parados, 65 mil dos quais eram metalúrgicos (de Santo André, São Bernardo, Campinas e São José dos campos). Ao mesmo tempo, somavam-se já 440 mil trabalhadores demitidos na indústria em junho, na Grande São Paulo. No serviço público, os funcionários da CEF entraram em greve exigindo as revisões das demissões de mais de 2500 funcionários concursados. Os petroleiros, do mesmo modo, condicionaram o retorno à atividade à revisão das demissões na Petrobrás. Com o aumento das pressões, o governo acabou cedendo em algum caso: após uma semana com 75 mil servidores da Eletrobrás em greve, o governo abriu mão das demissões na empresa e concedeu reajuste de 51% aos funcionários” (17/06/90).

Com o recrudescimento da inflação a partir de junho e a aproximação das eleições153 dificultaram a concretização das pretensões do Executivo no campo salarial. Em julho foi concedido um abono salarial equivalente a US$ 40 e instituiu-se, por Medida Provisória, uma sistemática de correção anual de salários. No fim de agosto, o Executivo recuou novamente e admitiu qualquer reajuste fora das datas base, desde que regulado por acordo ou convenção de trabalho (Andrei e Arruda Sampaio, 1993, p. 23).

Neste ambiente de crise econômica, marcada por greve de trabalhadores e recessão, o Instituto Datafolha divulga pesquisa em 04/07/90, que, contra a expectativa positiva da ordem de 71% de dias antes da posse, Collor amargava agora uma aprovação de 36% apenas.

O Plano Collor I apresentou como características, algumas inconsistências, que com o passar dos tempos foram se agravando e inviabilizando o plano. Destacamos, por exemplo, o voluntarismo político exacerbado, onde diversos elementos centrais do seu desenho original foram esvaziados passadas poucas semanas de sua implementação. Medidas fortes154 foram propostas, sem levar em conta a necessidade de construir a correlação de forças requerida para sua viabilização. O mesmo pode ser dito, com relação às reformas liberalizantes, que não avançaram com a velocidade pretendida, e com a tentativa de desregulamentar o mercado de trabalho para viabilizar uma maior compressão dos salários.

Como afirma Andrei e Arruda Sampaio:

153 No segundo semestre de 1990 foram realizadas eleições para o Congresso Nacional, deputados e senadores

estavam em plena campanha. Em 1994 seriam unificadas as eleições para o Congresso Nacional, para os governos dos estados e para a Presidência da República.

154 O bloqueio dos ativos financeiros, a venda maciça de Certificados de Privatização (CP) e a introdução do

“Os gestores da política econômica pareciam crer que seriam capazes de implementar a agenda neoliberal não apenas confrontando os interesses dos trabalhadores, mas também sem encaminhar uma negociação da distribuição de perdas e da redefinição dos espaços econômicos no interior das elites econômicas” (1993, p. 24)