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Durante a década de 80, várias mudanças estruturais aconteceram na sociedade mexicana, tanto no plano econômico, como social e político. Na economia, destacamos a mudança do modelo de desenvolvimento, pois a estratégia adotada no pós-guerra (Substituição de Importações203) apresentou sinais de esgotamento, havendo assim a necessidade de adotar uma nova estratégia. O modelo adotado a partir de 1982 enfatizava o comércio exterior, a privatização de empresas estatais, a liberalização comercial e financeira, diminuindo assim, o papel do Estado na economia e dando inicio a uma nova fase no país.

A transição204 no México se iniciou de maneira consistente a partir da crise de 1982. La Peña descreve como causas da crise a “inadequação do regime econômico e das deficiências e excessos dos dirigentes políticos e econômicos do país ante as grandes mudanças mundiais que se iniciaram uma década atrás” (1997, p.147).

Hiernaux-Nicolas destaca a importância do ano de 1982 para o México:

“Para dar uma data, ainda que aproximativa, que marque a arrancada para as transformações do território sob os embates da globalização, podemos assinalar o ano de 1982, quando o modelo econômico e territorial do México oriundo da revolução mexicana acabava de desabar. Esta data corresponde à chegada de um ‘impasse’ extremamente poderoso, depois da ultima tentativa de gerar um desenvolvimento para dentro aproveitando o mana da renda petrolífera” (2005, p. 24).

203 Conceito elaborado por economistas da CEPAL para designar um processo interno de crescimento,

estimulado por desequilíbrio externo e que resulta na dinamização, crescimento e diversificação do setor industrial. Portanto, e mais que a produção local de bens tradicionalmente importados. Sob essa óptica, considera-se que o desenvolvimento industrial brasileiro neste século ocorreu sob o estimulo das restrições externas: a depressão de 1929/32 e a Segunda Guerra Mundial. Depois, entre 1956 e 1961, a substituição de importações e aprofundada dando lugar a um crescimento econômico maior que nos períodos anteriores (Sandroni, 1996, p. 302).

204 É importante destacar que nos anos setenta a economia mexicana apresentou taxas de crescimento em

media de 6,8% ao ano e manteve ritmo mais intenso nos primeiros dois anos da década de 1980, em torno de 8,6% ao ano. Neste período o país vivia o governo de Lopez Portillo, que mascarava um grave problema no

A sociedade foi muito atingida pelas mudanças no modelo de desenvolvimento, o desemprego aumentou, a miséria atingiu níveis altíssimos, a corrupção crescente gerou um maior descontentamento da população. Além das conseqüências geradas pelos problemas econômicos, destacamos a destruição causada pelo terremoto de 1985 que espalhou a miséria, a fome e aumentou o descontentamento social no país. No campo político, destacamos o avanço da oposição205, tanto no poder legislativo como no executivo, onde Cuautémoc Cárdenas206 perdeu as eleições para Salinas em 1988, por causa da fraude promovida pelo PRI. Ficando caracterizado o descontentamento do povo mexicano com a situação econômica e com o governo do PRI, no poder desde 1929.

O Partido Revolucionário Institucional (PRI) esteve sempre a frente das questões políticas no México, seus presidentes não podiam se reeleger nem, em conseqüência, se perpetuar no poder. A cada seis anos, o sucessor eleito assumia o poder, demitia e nomeava quase todo o governo, garantindo assim uma selvagem “circulação das elites”. O regime priista revelo-se extravagante, ao mesmo tempo plutocrático e popular, estatólatra mas capitalista, desigual mas inclusivo, vertical mas inclinado a reformas, autoritário mas não ditatorial nem policialesco. Um regime de partido hegemônico em que sempre houve eleições e partidos de oposição (Camin, 2002, p. 36-7).

Como destacou Castells, o PRI:

“Conseguiu sobreviver com grande habilidade à inevitável e estreita relação com os Estados Unidos, preservando o nacionalismo mexicano e reafirmando a autonomia política do país, ao mesmo tempo gozando de boas relações com seu poderoso vizinho. Outra de suas conquistas foi a construção de uma identidade nacional indígena, estabelecendo o vínculo com a memória das civilizações pré- colombianas, embora mantendo em marginalidade obscura os 10% de sua população representados por índios” (1999, p. 325).

205 Em 1985, o parlamento mexicano ficou dividido do seguinte modo: Partido Revolucionário Institucional

(PRI), 290 cadeiras. Partido Ação Nacional (PAN), 8 cadeiras. O Partido Autêntico da Revolução Mexicana (PARM), 2 cadeiras (Boeker, 1995, p.86). Em 1997, as pesquisas mostravam que o PRI tinha 14% dos votos, atrás do PAN, com 36% e 24% do PRD. Outro indicativo importante da perda de poder do sexagenário PRI é o número de votos recebidos pelos presidentes anteriores. Miguel De la Madrid foi eleito com 71,63% dos votos, Carlos Salinas obteve 50,7% dos votos, Ernesto Zedillo teve 48,77%, e na eleição de 2000, o PRI finalmente perde a eleição para Vicente Fox, do PAN.

206 Cuautémoc Cárdenas é filho de Lázaro Cárdenas, um dos mais importantes estadistas mexicano do século

XX, que foi presidente do país em 1930-36. Cuautémoc obteve nestas eleições 31,12% dos votos, após estar liderando as pesquisas de opinião. A fraude de 1988 foi uma das mais descaradas ocorridas no país. Depois desta fraude ocorre uma ruptura dentro do PRI, que da origem ao Partido Revolucionário Democrático (PRD).

O ano de 1976 se caracterizou por uma grande crise econômica, o que obrigou o presidente recém empossado, Lopez Portillo, a adotar um programa de austeridade, que contou com o aval do FMI. Porém em 1979 com o segundo choque do petróleo207, o México aumentou bruscamente suas receitas, o que levou o governo a abandonar o programa de austeridade iniciado nos anos anteriores. A partir de então, os gastos públicos e a dívida externa aumentaram excessivamente, levando o país a bancarrota em 1982, quando o presidente do Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos) aumenta as taxas de juros do país208e leva toda a economia mundial a uma fase de recessão intensa. As taxas de juros altas absorveram toda a liquidez mundial e prejudicou toda a região, e o México em particular, pois o país acumulou dívidas crescentes durante os anos finais do governo de Lopez Portillo.

Como destacou Camín:

“Apesar de seus hábitos políticos arcaicos, o PRI não foi o partido da imobilidade. Nas décadas de domínio do partido, o país mudou pelo menos duas vezes de projeto nacional. Nos anos 50 e 60, voltou-se para a industrialização substitutiva de importações, deixando para trás a utopia socializante, corporativa e popular do cardenismo. Inaugurou uma época de estabilidade política e crescimento sustentado, conhecido ainda hoje como milagre mexicano (1946- 1970). Esse modelo sofreu nos anos 70 um processo de expansão dos gastos públicos que levou a uma estrondosa quebra das finanças governamentais e, portanto, do Estado clientelista e corporativo. A partir dos anos 80, como efeito em grande medida dessa quebra, mas também em razão das mudanças no cenário mundial, começou um segundo processo de reforma da economia e do Estado na era do PRI. Foi uma mudança em sentido contrário ao seguido até então: uma mudança em direção a abertura da economia e ao desmantelamento do Estado interventor” (2002, p. 36-37).

O ano de 1982 trouxe muitas dificuldades para a economia mexicana. O segundo choque do petróleo de 79 aumentou as receitas provenientes da exportação, estimulando o crescimento descontrolado dos gastos governamentais, e o endividamento externo. O aumento das taxas de juros americana ocorrida nos fins de 1979 gerou aumento dos serviços da dívida, criando inúmeros problemas macroeconômicos ao México, que declara

207 O México é um dos maiores produtores mundiais, não comunista, de petróleo, com uma produção diária de

2,6 milhões de barris. O petróleo representa 20% do PIB, quase a metade da receita do Tesouro sendo responsável por quase 80% das exportações do país (Casas, 1993, p.275)

208 A economia dos Estados Unidos estava sobre aquecida e com taxas de inflação altíssimas durante toda a

moratória, diante da impossibilidade de arcar com todos os recursos para o pagamento da dívida externa.

Os juros das dividas externas eram calculadas pelos juros internacionais, que deixaram de ser fixos para serem flutuantes, praticamente triplicando ate 1981, além dos prazos de pagamentos, que ficaram mais curtos em 1982, o que levou a quebra de 37 paises, dentre eles o México, o primeiro pais da América Latina a declarar moratória em agosto daquele ano.

A enorme fuga de capitais209 deflagrou a crise mexicana de 1982, o que levou o presidente Lopes Portillo a nacionalizar todo o sistema bancário no dia 1• de setembro, por considerar que era através dos bancos privados que os fundos imigravam e, junto com eles, as reservas monetárias do país.

A divida externa do país, traduzida em bilhões de dólares, era de 34 em 1980, passa a 53 em 1981; em 1982, passaria a 68 bilhões, e a 93 bilhões em 1988.

O período de 1982/1988 foi caracterizado por inúmeras mudanças na economia mexicana, destacamos neste período a recessão (o PIB cresceu 0,2% ao ano), e a demanda interna 0,3%; oscilações cambiais, onde o valor do peso passa de 26 por dólar para 2300, inflação, encarecimento das importações, contrações do crédito e do gasto público em termos reais, a queda do salário real. O aparelho produtivo sofreu intensas tensões, causando degradação nos níveis de emprego.

Miguel De La Madrid assume o governo em dezembro de 1982, iniciando um programa de ajuste baseado na ortodoxia. A privatização, liberalização, desregulamentação entram na ordem do dia. O desemprego, a miséria, o descontentamento social e a corrupção se acentuam.

Depois de receber bilhões de dólares para se recuperar da crise de 1982, o México passa a sofrer pressões externas para adotar políticas liberalizantes, reduzisse os subsídios, baixasse a proteção aduaneira, privatizasse empresas e posteriormente, aderisse ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt) (Almendra, 2003, p. 180).

Segundo Dedeca, a nova política econômica adotada no México nas décadas de 1980 e 1990 tem se realizado através da:

209 Somente entre 1981-1982 ocorreu uma sangria de US$ 45 bilhões da economia mexicana pela pura e

“(I) abertura comercial; (II) ancora cambial no dólar; (III) privatização de empresas e atividades exercidas pelo Estado; (IV) austeridade fiscal; (V) desregulamentação (flexibilização) das relações econômicas e de trabalho; (VI) focalização das políticas públicas” (1997, p. 507).

Todas estas transformações aumentaram a exposição dos agentes econômicos à concorrência interna e externa. Sob o argumento de que ela provocaria a oxigenação dos diversos mercados, obrigando os agentes a buscarem uma maior eficiência econômica. (Dedeca, 1997, p.508)

Como destacou Krugman: “No México, houve uma drástica liberalização comercial entre 1985 e 1989. A fração de importações sujeitas à licenças caiu de mais de 90% para menos de 25%, a tarifa máxima foi reduzida em 3/4 e mesmo a tarifa media caiu para a metade. Acrescentemos a onda de privatizações e teremos uma grande reforma econômica” (2003, p.180).

Em 1988, Carlos Salinas de Gortari toma posse no México e o PRI inicia um dos governos mais conturbados de sua história. É no governo de Salinas que o México é aceito no NAFTA210; nele também inicia-se a revolta de Chiapas, um dos Estados mais explorados211 do país; acusações de corrupção , ligações com o tráfico de drogas e a grave crise cambial legados para Zedillo e para toda a América Latina no final de 94.

Uma característica importante do modelo adotado no México no período posterior a Segunda Guerra Mundial, foi que, “...apesar do estrondoso crescimento econômico baseado na industria, que arrastou os demais setores em sua dinâmica, produziu-se uma concentração importante da produção, e consequentemente do poder econômico, em torno da Cidade do México. Disso resultou a concentração urbana mais intensa da América Latina: a Cidade do México212, que passou de um milhão de habitante em 1940 para cerca de 15 milhões em 1980” (Hiernaux-Nicolas, 2005, p.26).

210 North American Free Trade Agreement, o NAFTA é a ampliação do acordo de livre comércio já existente

entre os Estados Unidos e o Canadá desde 1989, agora incluindo o México. O acordo entrou em vigor no dia 1• janeiro de 1994, prevendo a eliminação das tarifas alfandegárias entre os três países num período de 15 anos, embora 50 das barreiras existentes se devessem eliminar logo no início daquele ano. O acordo significa a integração dos mercados dos três países, que em 1993 representavam um PIB de aproximadamente 7 trilhões de dólares e uma população de quase 400 milhões de habitantes.

211

O território de Chiapas possui o terceiro maior lago de petróleo do mundo, sem falar na parte turística, pois é neste estado que se encontra Cancún, um dos pontos turísticos mais atrativos do mundo.

A Cidade do México, neste período, foi o pólo de atração dos fluxos migratórios do sul do país, particularmente das zonas camponesas e indígenas. A Cidade do México foi escolhida como o nó central do modo de desenvolvimento. Outras cidades também cresceram neste momento de forma dinâmica, em particular as cidades de Guadalajara no centro-oeste e de Monterrey, no nordeste, ambas as metrópoles atuando como relés da economia da Cidade do México, epicentro do país (Hiernaux-Nicolas, 2005, p.27).

Apesar do crescimento que o México apresentou no período posterior a Segunda Guerra Mundial, a desigualdade regional cresceu, particularmente em relação ao sul do país, incapaz de integrar-se a modernização e ao crescimento do tipo fordista. Outro ponto importante a se destacar, foi que vastos setores da população urbana, ainda nas metrópoles, ficaram a margem do crescimento ou pelo menos entrando e saindo das atividades formais.