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A situação política era de intensa instabilidade, onde, os grupos políticos se organizavam para defender seus interesses, o governo mobilizando seus instrumentos de “persuasão”, marcados pelo fisiologismo e o clientelismo180, tentavam cooptar parlamentares para reverter a situação que se encontrava. De outro lado, a oposição, mobilizando forças e buscando instrumentos legais para garantir o Impeachment do presidente Fernando Collor de Mello.

Neste instante, a população emerge como uma força fundamental, num movimento, que ficara conhecido como “Fora Collor”, onde os manifestantes se organizam em torno da bandeira da “ética na política”.

Em julho de 1992, em Porto Alegre, iniciam-se as manifestações, com a “Caminhada contra a Corrupção”, organizada por partidos políticos e sindicatos.

Estas manifestações se alastram pelo país no mês de julho, Belo Horizonte, Belém, João Pessoa e São Paulo, todos exigindo o Impeachment do presidente Fernando Collor.

Neste momento, as pesquisas mostravam que 62% dos deputados estariam dispostos a processar o presidente caso a CPI confirmasse as irregularidades denunciadas (Folha de São Paulo, 12/07/92).

As investigações continuavam e as provas de corrupção surgiam naturalmente, com o depoimento das secretárias particulares de Collor, o esquema ia sendo revelado, o que incriminava ainda mais o presidente, ligando-o diretamente ao empresário PC

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No momento mais delicado do governo Fernando Collor, onde a população estava bastante agitada pedindo a condenação, o presidente iniciou um período de intensa distribuição de cargos e nomeações para empresas estatais, tentando cooptar parlamentares para evitar a sua cassação.

Farias. O governo usava métodos espúrios181 para obstruir as investigações, e com isso, impedir que as investigações avançassem.

A situação se complicou quando foram encontrados cheques que comprovavam o pagamento feito por empresas de PC Farias a pessoas ligadas ao presidente Fernando Collor, entre elas, a primeira-dama, Rosane Collor, a mãe do presidente D. Leda, o ex- secretário Cláudio Vieira, e o ex-porta-voz, Cláudio Humberto. Estas informações foram dadas, inicialmente, pelo motorista Francisco Eriberto França, indicando até o banco onde os pagamentos eram feitos (Rodrigues, 2000, p. 195).

Estas descobertas motivaram o deputado Antonio Delfim Neto, a escrever um artigo no jornal Folha de São Paulo, onde sentenciou: “O governo acabou” (FSP, 28/06/92).

É interessante notar que foi Fernando Collor de Mello quem determinou a mudanças das regras bancárias sobre o preenchimento de cheques como destacou Skidmore:

“Recapitulando, a presidência de Collor, tem-se a impressão de que ele já trilhava a algum tempo o caminho da autodestruição política. Especialmente, depois da votação de 1992, autorizando uma comissão parlamentar para investigar as acusações contra ele, parecia que Collor seguia um roteiro feito só de erros e gafes, a começar pela decisão, em 1990, de mudar as regras bancárias sobre o preenchimento de cheques. Anteriormente, os brasileiros podiam emitir cheques ao portador, o que significava que não havia registro de quem os recebera. O governo recém eleito de Collor eliminou esse costume, exigindo que dali em diante, os favorecidos fossem nomeados nos cheques. Essa mudança voltou para assombrar o presidente quando a comissão parlamentar de inquérito conseguiu quebrar o sigilo bancário. Entre os 40 mil cheques examinados, havia alguns emitidos por empresas de PC Farias a favor de Collor (para um carro, para o “Jardim da Babilônia” em sua casa, etc.) (2000,p.37).

À medida que a investigação se desenvolvia, parecia que o empresário Paulo César Cavalcante Farias fora extremamente descuidado em deixar tamanho rastro de provas, algo impensável para quem pratica a corrupção em larga escala. Isto

181 O método usado pelo governo para postergar as investigações era o atraso na liberação de documentos e o

adiamento de prazos, por parte do Banco Central, além de tentar impor, um “recesso branco” ao Congresso, e até mesmo, usaram, como tática, forjar a fuga de depoentes da CPI. O jornal Folha de São Paulo publicou inúmeras matérias mostrando a tática do governo Collor para cooptar deputados neste momento difícil: “O presidente Collor distribuiu ontem cerca de Cr$ 177,5 bilhões em verbas em uma cerimônia com 11 governadores” (09/07/1992) ou “O governo vai abrir mais uma vez seus cofres hoje” através de “convênio entre a Secretaria de Desenvolvimento Regional e os governos estaduais das regiões Norte e Centro-Oeste” (15/09/1992).

demonstrava ainda, uma despreocupação com a punição e um excesso de confiança no esquema desenvolvido para desviar recursos públicos para seus interesses privados.

Outras denúncias apareciam todos os dias nos meios de comunicação, como a descoberta por parte da Receita Federal, de provas de que a Brazil Jet, de PC Farias, pagara serviços da CBrazil’s Garden, empresa que fizera a reforma dos jardins da Casa da Dinda (Rodrigues, 2000, p.208).

A Folha de São Paulo publica, na edição de 26-27 de julho de 1992, uma pesquisa realizada em dez capitais, onde a população ainda via com alguma hesitação o afastamento de Collor e com certa descrença as investigações da CPI: 38% dos entrevistados queriam a renúncia de Collor e 39% defendiam a permanência do presidente no cargo. Sobre a CPI, 25% achavam que a Comissão investigaria as denúncias até o fim e 66% achavam que a CPI faria apenas uma encenação, sem chegar a qualquer resultado.

No final de julho, outras denúncias sobre a ligação entre o presidente Collor e o empresário PC Farias vieram à tona. Em depoimento a CPI, Cláudio Vieira afirmava que os depósitos efetuados na conta do presidente eram provenientes de um empréstimo de US$ 3,75 milhões tomados no Uruguai por ocasião da campanha eleitoral, e que teria sido convertido em ouro quando de sua entrada no Brasil. Era a chamada “Operação Uruguai”. A operação era completamente inverossímil, e os membros da CPI deram um prazo de 72 horas para que a operação fosse comprovada182, coisa que não aconteceu.

As denúncias criavam graves problemas ao governo. Neste momento, o único partido que continuava apoiando o governo era o PFL, mas mesmo assim, com 70% do parlamentares, os outros 30% abandonaram o presidente. Para segurar a bancada, “o presidente se viu na necessidade de recrudescer a concessão de favores, a despeito da resistência do Ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira. Já na segunda semana de agosto, o Ministério dos Transportes e Comunicações divulgou cinco editais para concessão de emissoras de rádio e televisão no Maranhão e Santa Catarina, as primeiras de um lote maior destinado à caça de votos na Câmara” (Rodrigues, 2000, p.213).

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Além de não comprovar a operação, dizendo não ter registros, Vieira ainda acabou sendo envolvido num incrível episódio de lavagem de dinheiro, supostamente feito com auxílio de doleiros, falsários e contrabandistas (Isto é, 05/08/92).

As manifestações do “Fora Collor” da população se intensificavam, o mês de agosto foi repleto de passeatas, mobilizações e atos pelo Impeachment do presidente. Em Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife, Curitiba, São José dos Campos, São Paulo, Fortaleza, e outras cidades, a população se mobilizava exigindo “Ética na Política” e entoando o “Fora Collor”.Um dos grupos mais representativo foi o formado pelos estudantes, chamados de “caras pintadas”, que reuniu um grupo grande de estudantes de todas as idades, oriundos de escolas públicas e privadas e de todas as regiões, que se uniram com um único compromisso, a destituição de Fernando Collor de Mello, presidente eleito em 1989, cujo governo estava envolto em corrupção.

O presidente perdia apoio todos os instantes, até os mais “leais” foram o abandonando, depois que começaram a perceber que a população exigia o Impeachment de Collor. Partidos até então leais ao presidente, como o PSC, o PDS, o PL e PDT começaram a abandonar o governo. A opinião pública, segundo pesquisa do jornal Folha de São Paulo publicada em agosto de 1992, 70% dos entrevistados queriam o afastamento de Collor, mas apenas 31% acreditavam que o Congresso aprovasse o

Impeachment

Desesperado e sem apoio popular, o presidente comete um grave equívoco, o que deu grande energia aos manifestantes contrários ao seu governo. Collor convoca a população a usar as cores verde e amarela, como forma de defender o governo e rechaçar as denúncias feitas contra seu governo pela CPI.

A convocação de Collor teve impacto adverso na população, que estimuladas pelo clima de indignação e repulsa ao governo adotou medida contrária.

O jornal Folha de São Paulo, em seu editorial, propõe que a população usasse outra cor como forma de manifestação ao pedido do presidente:

“Os símbolos nacionais que foram levantados pela população nos grandes momentos de mobilização cívica e de luta pela democracia viram-se se usurpados por um presidente sem condições políticas para governar [...] O presidente Collor já esgotou todas as reservas de credibilidade que poderia possuir junto à população, [...] Lança-se ao delírio, à histeria, à provocação. Recorre à bandeira nacional para defender a continuidade insuportável de uma crise, [...] Generaliza- se a idéia de usar cor negra como expressão de descontentamento, do protesto, da rebeldia, contra um governo desmoralizado. [...] Mais do que isso, trata-se de enunciar o sentimento que predomina neste instante: o luto (Folha de São Paulo, 15/08/1992).

No dia 16, a população foi para as ruas usando o negro, o que ficou conhecido como o “domingo negro”. Segundo o Datafolha, em pesquisa divulgada no dia 16/07/1992, apenas 5% dos que foram as ruas, usaram as cores nacionais, o que demonstrava que o presidente estava totalmente desacreditado pela população, o que levou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a decidir por unanimidade que a entidade encabeçaria o encaminhamento de um pedido formal de Impeachment contra o presidente, que seria baseado no relatório da CPI.

O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito foi aprovado em 26 de agosto de 1992, por 16 votos favoráveis e 5 contrários. O relatório descrevia, em detalhes, as relações entre o presidente Fernando Collor e o empresário PC Farias, incriminava o presidente e abria a possibilidade de instauração de um processo de

Impeachment.

Aprovado o relatório, inicia-se a tramitação na Câmara dos Deputados, o pedido de Impeachment do presidente Fernando Collor de Mello.

As baixas se acentuavam, o que obrigou Collor a assumir pessoalmente as negociações com os parlamentares, aumentando o fisiologismo e a troca de favores. Mas parecia que a situação era irreversível, o apoio ao governo criava graves constrangimentos com os eleitores, o que evitava que os parlamentares ficassem do lado do presidente.

As passeatas eram cada vez maiores, UNE, CUT, OAB, ABI, CNBB e outras instituições183, promoviam constantes mobilizações em prol do Impeachment de Collor. Até em Nova York184, “brasileiros residentes nos Estados Unidos fizeram na véspera do Dia da Independência um ato contra o governo Collor, onde os manifestantes, alguns vestidos de preto, promoveram o enterro simbólico do presidente” (Rodrigues, 2000, p.234).

Depois de muitas discussões jurídicas quanto a forma de votação, em 29 de Setembro de 1992, em decisão inédita, o presidente Fernando Collor de Mello, foi

183 União Nacional dos Estudantes, Central Única dos Trabalhadores, Ordem dos Advogados do Brasil,

Associação Brasileira de Imprensa e Confederação Nacional dos Bispos do Brasil.

184 Em Lisboa, Portugal, cidadãos brasileiros organizaram algumas manifestações em frente à embaixada

afastado pelo Congresso Nacional, por esmagadora maioria: 441 votos a favor, 38 contra, uma abstenção e 23 ausências.

Durante aproximadamente 60 dias, o presidente tentou cancelar a decisão, mas não teve sucesso, o que o levou a renunciar ao cargo de Presidente da República em 29 de dezembro, como forma de evitar que o processo de Impeachment fosse votado no Senado, deixando intocados seus direitos políticos, mas por 73 votos contra oito, os senadores decidiram prosseguir com o julgamento. Na madrugada do dia 30, o ex- presidente teve cassado, por 76 votos contra três, seus direitos políticos, tornando-se inelegível por oito anos.

Pelo noticiário185, o brasileiro passou a reconhecer novas identidades, assistiu à criação de grupos e coletividades que – seja no plano factual ou no plano imaginário – tomavam parte nesse embate de discursos e ideologias. “Marajás” e “descamisados”, “colloridos” e “caras-pintadas” povoaram o noticiário e os debates políticos. Marajá passou a significar na mídia o funcionário público privilegiado, combatido por Collor, enquanto descamisados eram os que formavam a massa de excluídos a quem ele prometia o ingresso no chamado Primeiro Mundo. O adjetivo collorido passou a ser usado na imprensa com nova grafia (o duplo ll, em analogia ao sobrenome do presidente) para identificar os que defendiam a subida e depois a permanência de Collor no poder. E cara-pintada passou a designar uma categoria específica186, dentre aqueles que pediam o impeachment, com faixa etária, estética e comportamentos diferenciados dos demais participantes dos protestos nas ruas.

É evidente que a mobilização das forças políticas contra e a favor de Collor de Mello, as manifestações populares, assim como os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e o julgamento político que levaram ao seu afastamento, ocupam um lugar na memória do brasileiro que hoje é adulto.

185 Alguns jornalistas se destacaram muito no período, como Gustavo Krieger, Luiz Antônio Novaes e Tales

Faria, todos do jornal Folha de São Paulo e que mais tarde publicariam o livro “Todos os sócios do presidente”, onde descrevem as relações corruptas no período. Ricardo Noblat, do Jornal do Brasil (JB), que a dois dias da eleição de Collor publicou um artigo intitulado “Vale tudo para ganhar”, onde escreveu “(ele) é um político capaz de fazer qualquer coisa, mas qualquer coisa mesmo para alcançar seus objetivos. Releva aspectos morais e éticos, desrespeita costumes e atropela princípios para obter o que deseja. Pode conseguir se eleger presidente da República assim. Mas que tipo de presidente será?” (Noblat, 2004, p.153). Depois deste artigo, o jornalista foi demitido....

186 De estudantes que não se conformam mais com as práticas de corrupção existentes na sociedade brasileira,

Duas representações sociais tiveram função diversa em relação a Collor. A dos marajás foi criada no momento da sua ascensão, enquanto a dos caras-pintadas marcou a sua queda. Os marajás foram popularizados por força do discurso de Collor, pelo seu empenho – em concurso com o das empresas de mídia. Já os caras-pintadas tomaram as ruas e as primeiras páginas à sua revelia, contra os seus interesses.

O principal trunfo que levou Collor à Presidência da República aos 41 anos de idade foi o vazio político e a falência das instituições partidárias ao final da chamada Nova República. Sua popularidade cresceu imersa em um caldo de cultura formado pela desilusão popular com a classe política. As condições eram ideais para o surgimento de um nome novo, um personagem que representasse o moderno e pudesse ser mostrado ao eleitorado como uma opção inteiramente diferente daquela que havia sido cogitada até então. É interessante destacar ainda, que Collor era um out-side, não estava diretamente ligado ao sistema política tradicional, não era um político de dimensões nacionais, como Lula. Como um out-side, seu fim foi único.

Para ocupar esse espaço aberto à sua medida, Collor precisava da mídia. E a grande imprensa, por seu lado, precisava de Collor. Não dele, especificamente, mas de um personagem capaz de empolgar o eleitorado em torno de uma agenda de reformas inspirada pela onda neoliberal que se espalhava pelos continentes. Da agenda faziam parte a redução do papel do estado na economia, a liberalização do fluxo de capitais, a abertura para as importações, a flexibilização das leis trabalhistas. Com esse ideário estavam sintonizadas as grandes empresas de mídia, entre elas as Organizações Globo.

Os marajás de Collor eram o melhor caminho para alcançar esses objetivos. No entanto, os dois projetos – o de Collor e o da grande imprensa – não se confundiram de imediato. Em um primeiro momento, o personagem foi acolhido por O Globo e outros veículos de abrangência nacional como um eficiente garoto-propaganda daquele ideário. Mas isso não significava, em 1987, uma adesão incondicional da grande imprensa ao projeto pessoal do político alagoano, de chegar ao Planalto.