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Os Estados Unidos da América, maior economia do mundo, detentores de um Produto Interno Bruto de quase US$ 11 trilhões foram palco do maior esquema de corrupção orquestrado por uma empresa privada em toda história do sistema capitalista. O responsável por esta façanha foi a empresa de Energia Enron, uma empresa admirada por muitos e temida por outros, saiu quase do anonimato, para acumular receitas anuais declaradas de US$ 101 bilhões.

A empresa desenvolveu um método tão sofisticado de corrupção, que para desenrolá-lo foi criado um software115, apelidado de The Matrix, cuja finalidade era calcular o “...custo para a empresa de qualquer mudança nas leis e nos regulamentos do setor que afetasse seus interesses” (Costa, 2002, p. 38).

O esquema era tão sofisticado, que se disseminava por toda a estrutura de poder dos Estados Unidos, onde parlamentares, jornalistas, juízes, promotores e até o procurador- geral estava, direta ou indiretamente, ligado ao emaranhado criado pela empresa para usufruir de contatos políticos, e transformá-lo em benefícios escusos.

Silva destacou três pontos interessantes do esquema ao comentar o caso de ousadia e sofisticação desenvolvido pela empresa Enron:

114 Destacamos a Halliburton como uma das grandes ganhadoras das guerras, do Afeganistão e do Iraque. A

“Halliburton é a principal fornecedora norte-americana de tecnologia e equipamentos para a exploração de petróleo e, ao mesmo tempo, detém os índices mais elevados de engenharia e construção dessa área. É a maior empresa estadunidense de serviços para a indústria petrolífera e, 70% de suas atividades ocorrem fora dos Estados Unidos” (Fuentes, 2004, p. 13-4).

115

“Era através deste software, que os executivos da Enron sabiam exatamente quanto valia a pena pagar para derrubar um projeto de lei ou revogar uma regulamentação incômoda. Era só contatar parlamentares e ministros e mobilizar sua equipe de lobistas” (Costa, 2002, p. 38).

“Porque a fraude da Enron é tão sofisticada? Primeiro a economia norte- americana é a maior e tem os sistemas de controle contábil mais transparentes e regulados do mundo, neste item perdendo apenas para Cingapura. Então, para você fraudar, você tem de ser muito bom nisso. Há um segundo aspecto, sempre houve uma crença de que o mercado de empresas de auditoria e consultoria seria eficiente, no sentido de controlar o comportamento das empresas, principalmente de seus altos executivos. O caso da Enron provou o contrário, mostrou haver conluio de interesses. O órgão que fiscaliza é cooptado pelo fiscalizado. A fraude ocorreu por um problema de governança corporativa, mas também houve uma questão política: o financiamento da campanha, já que a Enron possui um lobby muito forte no atual governo, principalmente por lidar com energia, setor até mais problemático porque os EUA são grandes consumidores. Não havia interesse em investigar a Enron, porque ela possui muitas ligações com o atual governo e com vários deputados dos dois grandes partidos” (Silva, 2002, p. 40).

Os recursos da Enron desenvolveram, ainda, uma ligação promíscua com grandes empresas de auditorias internacionais, como a Andersen e a Price WaterhouseCoopers, além de contatos no sistema financeiro com a Goldman Sachs, que aconselhava os investidores a adquirir ações da empresa de Energia, mesmo sabendo que a Enron não estaca muito sólida em termos financeiros.

O esquema era muito sólido e sofisticado, com a ajuda destas instituições, uma atestando a solidez dos balanços da empresa de Energia Enron e, a outra, aconselhando os investidores, muitos deles com pouca experiência nestes investimentos financeiros, a comprarem as ações da empresa.

Para Costa:

“Também se conclui que, no centro, ainda mais que na periferia do mundo, o clientelismo e a corrupção, ativa ou passiva, não são privilégios do Estado. O dinheiro da Enron corrompeu a auditoria Andersen de forma ainda mais completa e eficiente que o Congresso e a Casa Branca” (2002, p. 39).

Os funcionários da Enron foram muito prejudicados pelos esquemas de corrupção montados pela empresa, pois perderam todas as suas economias ao se evaporam os fundos de pensão da empresa, formado apenas por suas próprias ações.

A empresa era administrada de uma forma pouco democrática, pois exigia de seus funcionários que fizessem contribuições financeiras116 para os candidatos a cargos públicos, por ela apoiados.

Como destacou Costa:

116 As contribuições somadas ultrapassaram US$ 1 milhão para candidatos a cargos federais de ambos os

“Em abril de 1999, ainda no início da disputa pela candidatura republicana, seus executivos de segundo escalão receberam uma carta exigindo contribuições para a campanha de George W. Bush e fazendo referências ameaçadoras a seus altos salários. Mais de cem diretores e gerentes sentiram-se forçados a contribuir, bem como muita de suas esposas” (2002, p. 40).

Como destacou ainda Silva, o caso Enron “...pôs ainda mais em dúvida a crença dos próprios americanos na democracia117 do país, que já vinha sendo questionada” (2002, p. 43).

A Enron não era apenas uma empresa de energia, para a maioria, era o modelo da nova empresa americana: a desregulamentação havia aberto novas oportunidades, e a Enron as havia aproveitado muito bem, crescendo e gerando dividendos para os acionistas.

As fraudes utilizadas pela empresa eram imensamente sofisticadas, pois atuavam em inúmeros negócios ao mesmo tempo, mas podemos destacar dois instrumentos usados para a operação fraudulenta: primeiro, registrar hoje vendas de gás ou eletricidade para entrega em algum momento no futuro, e em segundo lugar, a criação de uma empresa fictícia, de fachada, criada apenas para a compra de gás da Enron, não precisando vender para outras empresas. A empresa criada não tinha interesse na compra de gás, mas a Enron resolvia este problema comprando esse gás de volta (Stiglitz, 2003, p. 258-9).

A Enron é um produto da desregulamentação, que foi vendida pelo mercado como o mantra usual do livre mercado – reduzir a regulamentação libera as forças do mercado, forças de mercado conduzem a uma maior eficiência, e a competição garante que os benefícios das forças de mercado sejam repassados ao consumidor.

Como destacou Stiglitz:

“...a história da Enron ajuda a revelar a natureza fundamental do que está errado: os acionistas não tinham informações para poder julgar o que estava acontecendo, e havia incentivos não para se fornecerem essas informações, mas sim informações distorcidas. O sistema de mercado propiciara incentivos nos quais, ao fazer o bem para si próprios, os executivos não beneficiavam os acionistas, mas, ao contrário, seus ganhos se davam à custa daqueles para os quais deveriam estar trabalhando, e haviam exposto os acionistas a riscos que eles jamais poderiam imaginar” (2003, p. 261).

117 Silva destacou ainda que, pesquisa feita pela Revista Business Week, bastião do capitalismo norte-

americano, 75% da população não confiam nas grandes corporações, que desvirtuam a democracia, não respeitam o consumidor e o acionista e fazem com que o poder do dinheiro contasse mais na hora da eleição e na gestão (2002, p. 43).

A Califórnia foi pioneira na desregulamentação do setor de energia, e os custos desta política foram altíssimos, o que levou o governador Gray Davis, a intervir no setor, pois corria o risco de perder sua reputação de lugar excepcional para se fazer negócio. O custo desta intervenção foi de US$ 45 bilhões.

O esquema de corrupção e fraudes desenvolvido envolvia uma relação muito estreita entre o presidente George W. Bush e o CEO Kenneth Lay, de quem recebera quantias substanciais para a campanha eleitoral e ao qual recorrera para aconselhá-lo em política energética.

Aktouf analisando o caso Enron, faz o seguinte comentário:

“Quem não se recorda, hoje, do escândalo da empresa de corretagem de energia Enron (que respingou na Casa Branca e no establishment financeiro e petrolífero americano)? Valendo-se sem cessar de formas de fazer subir ilimitadamente o valor de suas ações, essa organização – que manipula bilhões de dólares! – chegou, com a ajuda de empresas de consultoria e de auditorias conhecidas mundialmente, como Arthur Andersen, a adulterar literalmente suas contas, ocultando perdas e dívidas, inchando artificialmente os ganhos, etc. Paralelamente dirigentes e os grandes acionistas venderam suas ações para realizar lucros de bilhões de dólares antes que a bolha estourasse, proibindo ao mesmo tempo seus empregados, que possuíam ações, de vendê-las! E empurraram para a falência grande número de aposentados e pequenos investidores americanos” (2004, p. 60).

A indignação com o caso Enron só foi maior quando se descobriu que os executivos da empresa estavam vendendo suas participações na empresa, mas ao mesmo tempo recomendavam aos funcionários que conservassem suas ações.

O resultado disso tudo foi descrito por Stiglitz, que destaca que os altos executivos da Enron venderam suas ações, e os lucros:

“...foi de US$ 1,1 bilhão. Mas os empregados da Enron viram seu futuro ameaçado, pois mais de US$ 1 bilhão de pensões que havia sido investido em ações da Enron desapareceu com sua falência” (2003, p. 256).

A corrupção não é exclusividade dos países pobres, atinge também os países ricos, mas estes se caracterizam por que “...lá existem instituições bem estruturadas, que

asseguram a detecção, a investigação e a punição118 dos corruptos. Aliás, esses países ficaram ricos exatamente porque construíram instituições que promovem a riqueza e inibem posturas contra o desenvolvimento, como a corrupção” (Nóbrega, 2004).

A corrupção atrapalha os países, gerando custos negativos que afugentam investidores e degradam os indicadores econômicos e sociais, o combate ao desvio de recursos é fundamental para o crescimento das economias e auxilia diretamente no desenvolvimento dos países. A construção de instituições sólidas é fundamental para o desenvolvimento dos países, mas acreditamos, complementando Nóbrega, que a construção de instituições não garantiu sozinha, o desenvolvimento econômico dos países desenvolvidos, que além de instituições contou com uma forte política protecionista com relação à questão comercial, política esta que até os dias atuais desempenha um papel relevante.

No próximo capítulo analisaremos o Neoliberalismo no Brasil no período de Fernando Collor de Mello (1990-1992), que assim como Carlos Salinas, introduziu políticas de cunho neoliberal e que se caracterizaram por altos índices de corrupção, gerando desgaste político, indignação social e repercussão internacional, onde o primeiro, Fernando Collor de Mello, foi impedido de continuar governando, sofreu um processo de impeachment, e o segundo, Carlos Salinas de Gortari foi defenestrado da vida política do país. As medidas neoliberais adotadas aqui, privatização e diminuição do Estado, basicamente, não foram suficientes para deter os altos índices de corrupção como apregoavam o Banco Mundial e os países desenvolvidos.

118 Recentemente alguns do envolvidos no caso Enron foram condenados a mais de duas décadas de

corrupção, uma condenação para muitos descrita como exagerada, mas para outros é a única forma de evidenciar que estas fraudes deturpam o sistema capitalista norte-americano e devem ser violentamente punidas.

Capítulo 3

A Experiência Neoliberal brasileira

Introdução

Da mesma forma que outros países latino-americanos, o Brasil também viveu experiência de cunho neoliberal, que transformaram de forma intensa sua estrutura econômica e intensificou alguns indicadores sociais, tais como o desemprego, a miséria, a concentração da renda e a violência.

A primeira grande experiência neoliberal no Brasil aconteceu no período Fernando Collor de Mello (1990-1992), onde depois de uma eleição disputada, o candidato de um partido pouco expressivo, o PRN119, ganhou no segundo turno do candidato do Partido dos Trabalhadores, Luís Inácio Lula da Silva.

A eleição de Fernando Collor representou uma mudança na política econômica, com idéias neoliberais de privatização, diminuição do papel do Estado na economia, abertura econômica, desregulamentação e liberalização financeira. Estas medidas, inicialmente chamadas de modernizadoras, impactaram na sociedade de forma geral, os empresários passaram a sentir o peso da concorrência de empresas estrangeiras, o mercado passou a conhecer novos produtos, os automóveis produzidos internamente120 apresentam sensíveis melhoras, com incremento tecnológico, melhoras na qualidade e na produtividade do setor121.

119Partido da Reconstrução Nacional (PRN).

120 O presidente Fernando Collor, no afã das políticas neoliberais, declara na campanha eleitoral de 1989, que

os carros produzidos no país são na verdade carroças, isso devido a baixa tecnologia existentes nestes produtos, esta declaração teve grandes impactos na sociedade e na economia.

121 O setor automobilístico, tão importante nos anos 50 para o processo de industrialização, passa por grandes

mudanças nos anos 90 depois da abertura promovida pelo governo Fernando Collor, com incremento tecnológico e melhoria da qualidade dos produtos. Atualmente, o Brasil possui mais de dez montadoras de automóveis, contra apenas cinco nos anos 80.