• Nenhum resultado encontrado

Com a queda de Fernando Collor da Presidência da República, chegava ao fim um estilo despótico de governar, autoritário, caracterizado pelo estilo oligárquico, pela subsunção dos espaços públicos aos domínios privados que impusera com a prática predatória de poucos favoritos sobre o erário e pelo desprezo ostensivo para com as garantias constitucionais; um governo provinciano, como o demonstrara a truculência política dos próceres da “República de Alagoas”187 (Rodrigues, 2000, p.243).

É importante destacar, que Fernando Collor não era nenhum estranho à política, apesar de tentar se apresentar como tal. Tanto em suas qualidades, quanto em seus defeitos, era um autêntico fruto da cultura política brasileira. Como descreve Skidmore:

“A família de seu pai era de Alagoas, um dos estados mais pobres do empobrecido Nordeste. A família era um estereótipo das oligarquias regionais nordestinas que se haviam enriquecido com a cultura do açúcar, embora dependente há décadas dos subsídios do governo federal, ao mesmo tempo em que continuavam a política e a economia de seus estados”. (2000, p. 25)

Fernando Collor era fruto de um sistema político degradado e ineficaz, sua capacidade de trocar tão prontamente de partido constituía mais uma prova de que ele era um autêntico produto do sistema. Collor aproveitou muito bem o sistema político brasileiro, a troca constante de partidos visava aumentar seu tempo de exposição188 no rádio e na TV. Fernando Collor explorou muito bem a imagem de messias político, como milagreiro que iria acabar com a corrupção, modernizaria a economia e prepararia o país para os desafios dos anos futuros.

Faltava ao país à época uma tradição democrática, pois, desde 1945, somente dois presidentes eleitos por voto direto terminaram seus mandatos.

187 O termo “República de Alagoas” passou a ser usado com grande freqüência pela mídia no período de

Fernando Collor, isto porque ao chegar a presidência da República, Collor levou para o governo federal muitas pessoas oriundas de Alagoas, inclusive muitas que tinham participado de seu governo, quando Collor foi governador do estado.

188

A legislação brasileira concedia tempo livre no rádio e na TV a todos os partidos, até mesmo aos mínimos, a partir daí, Collor comprava com dinheiro o tempo de vários partidos pequenos, em sua maioria desconhecidos.

A boa aparência de Collor, tão falada na campanha eleitoral, não conseguia esconder uma atitude arrogante própria de uma fase anterior da política brasileira. Esse atributo é comum entre as personalidades públicas, mas Collor não se esforçava por escondê-lo. Estava habituado a fazer poucas concessões ao lidar com outros políticos. Parecia a encarnação moderna do infame “coronel” da política nordestina, acostumado a mandar, ao invés de negociar (Skidmore, 2000, p.35).

O governo de Fernando Collor189 foi marcado constantemente pelo confronto, além da forma inábil de negociar no Congresso e de tratar as negociações políticas, fruto de sua visão autoritária, o governo apresentava Cláudio Humberto190 como porta- voz da presidência. Seu estilo era marcado pelo conflito e pela turbulência, um padrão “anormal” para o cargo. Seu linguajar era ofensivo191, com ataques pessoais aos jornalistas e seus editores, tudo isso, tinha como pano de fundo, a falta de critério do presidente, criando uma atmosfera pesada para o debate público.

Como destaca Silva, o processo de Impeachment do ex-presidente Collor evidenciou que existe algum estoque de energia cívica na sociedade brasileira. No entanto, não se pode cair em ilusões: tal processo foi fundamentalmente conduzido pela conjuntura política e econômica192 (2001, p. 100).

Dias destaca um dos mais graves equívocos cometidos pelo presidente Fernando Collor de Mello, que ao dar muito poder ao seu tesoureiro de campanha, este começou a se movimentar nos meandros empresariais e políticos de forma pouco sutil e deixando muitas pegadas, fáceis de serem rastreadas em futuras investigações. PC Farias:

189 “O governo Collor teve como característica interessante, o fato de tentar trazer Alagoas para Brasília. Todo

presidente traz amigos e auxiliares de seu estado natal, no entanto, Alagoas é um pobre estado nordestino que encarna a política ao velho estilo, vista com condescendência pelos brasileiros do Centro-Sul mais desenvolvido. Collor não percebeu que era preciso atenuar o ar provinciano de seu governo para tornar-se politicamente eficaz em escala nacional. Poderia ter seguido o exemplo de seu antecessor, José Sarney, oriundo do igualmente pobre estado nordestino do Maranhão. Sarney foi muito mais cuidadoso com suas relações públicas, especialmente nos primeiros anos de seu governo, e, ao contrário de Collor, mostrara perante o público e os demais políticos um temperamento muito mais conciliador” (Skidmore, 2000, p.36).

190 Cláudio Humberto estava diretamente envolvido no esquema montado pelo presidente Collor no Palácio

do Planalto, com extorsões de recursos e enriquecimento ilícito.

191O destempero verbal do porta-voz da presidência era tamanho, que chamou o presidente da Federação das

Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), de “coronel do empresariado”.

192 A Operação Mãos Limpas na Itália, na década de 80, revelou que a atuação persistente e contínua de

grupos organizados na sociedade civil e uma disposição forte do Judiciário são fatores importantes para o combate à corrupção. A sociedade precisa estar realmente disposta a reformas profundas na maneira pela qual se relaciona com o governo (Silva, 2001, p.100).

“Operava com muita voracidade e, geralmente, sem a costumeira sutileza com que o assunto é tratado” (2004, p. 134).

Com o final do governo Collor, algumas lições podem ser tiradas deste triste período da história brasileira. Primeira, que o sistema político deve ser reformado, com o objetivo de se criar um sistema com menos partidos políticos e muito mais disciplina e responsabilidade partidárias. Destacamos ainda, como fator positivo, o primeiro passo para transformar a economia “voltada para dentro” numa economia competitiva em termos mundiais, baixando as tarifas193, abolindo subsídios governamentais às indústrias e promovendo a competição entre as empresas que produziam para o mercado interno. Collor introduziu uma nova agenda para o país, adotando a privatização de empresas estatais e iniciando uma ampla reforma do Estado, além da diminuição dos funcionários públicos, inchado nos governos anteriores.

Com relação aos problemas deixados como herança do período Collor, podemos destacar, no campo econômico e no campo social, no primeiro havia se tornado bastante evidentes, com inflação em descontrole, competitividade defasada, investimentos insuficientes, infra-estrutura decadente e aumento da falência de empresas, vítimas da violenta abertura da economia. No campo social, as conseqüências não eram das melhores, escalada do crime nas ruas, índices persistentemente elevados de analfabetismo e péssima situação do sistema de saúde e uma das piores distribuições de renda do mundo. Além dos problemas econômicos e sociais, destacamos as conseqüências psicológicas, tais como o aumento do cinismo e o incremento da emigração.

Depois de muitos anos investigando o esquema de corrupção criado no governo de Fernando Collor pelo empresário Paulo César Cavalcante Farias, o delegado Paulo Lacerda194, descreveu o esquema montado para extração de recursos públicos no período:

“Por tratar-se de pessoa intimamente ligada ao presidente Fernando Collor, de que fora um dos principais colaboradores nas vitoriosas campanhas eleitorais de

193 A média das tarifas de importação no Brasil estava na casa do 30-40% antes de Collor assumir, sendo que

seu governo as diminuiu para a casa do 10-20%.

194 Delegado da Polícia Federal responsável pelas investigações do esquema montado por PC Farias para

1986, ao governo de Alagoas, e de 1989, para a presidência da República, o empresário Paulo César Farias utilizara toda a influência e prestígio para montar um amplo e bem estruturado esquema ilegal de apropriação de recursos mediante atos criminosos a envolver órgãos da Administração Pública Federal. A rede de traficantes de influências contava com a participação de pessoas de confiança colocadas estrategicamente em altas funções do governo federal, submetidas ao comando oficioso de Paulo César farias, num autêntico ‘Ministério Paralelo’, que se convencionou denominar esquema PC. A ação desse grupo acabou envolvendo funcionários públicos, empresários, industriais, comerciantes e particulares, num quadro de corrupção, concussão, exploração de prestígio, extorsão, usurpação de função, entre outros crimes, com total desapreço aos princípios que regem a administração pública” (Figueiredo, 2000, p. 57).

É importante destacar que os argumentos utilizados por Paulo César Farias no momento de orquestrar este esquema de corrupção eram diversos, na eleição, se justificava a arrecadação dos recursos para evitar que a esquerda ganhasse a eleição, depois a retórica usada era de que era preciso garantir uma sólida bancada federal para apoiar o governo nas futuras mudanças195.

Figueiredo destaca ainda, outras formas de angariar recursos pelo esquema PC Farias:

“Em alguns casos, os empresários eram simplesmente achacados: ou davam dinheiro, ou teriam dificuldades em conseguir a liberação de pagamentos de contratos firmados com o governo federal. Fosse qual fosse o argumento utilizado, os empresários se mostravam generosos e eram poucos os que se negavam a entrar no esquema” (Figueiredo, 2000, p. 58).

Os recursos eram legalizados por empresas de fachada do esquema PC, que expedia notas fiscais “frias” para os “doadores”196, justificando o pagamento com recibos de serviços que nunca haviam sido prestados, como assessoria ou transporte aéreo (Figueiredo, 2000, p. 58).

195As famosas reformas liberalizantes, privatização, modernização do Estado, reformas no mercado de

trabalho, abertura do mercado, etc...

196 Figueiredo destaca algumas empresas que fizeram doações ao esquema PC Farias: “Empresas nacionais e

estrangeiras, tais como, Mercedes-Benz, Credicard, Sharp, Andrade Gutierrez, Grupo Votorantim, Tratex, CR Almeida, Queiroz Galvão, Norberto Odebrecht, White Martins, Rhodia, Copersucar, Tintas Coral, Sid Informática, Encol, Viação Itapemirim, Indústria Brasileira de Formulários (IBF), Cetenco Engenharia, entre outras (2000, p. 58-9).

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), depois de encerrar o relatório, concluiu que o ex-presidente197 tinha sido beneficiado com pelo menos US$ 10,6 milhões, somente com pagamento de despesas pessoais, além de outros recursos que saíram do país de forma ilegal, através das contas CC5198 e de milhares de dólares comprados no mercado paralelo, onde foram usadas 20 contas bancárias no Brasil (Figueiredo, 2000, p. 60).

Apesar das evidências levantadas contra Paulo César Farias, o empresário foi absolvido199 da principal acusação: corrupção ativa. Sendo condenado a quatro anos de prisão, em regime aberto, por sonegação fiscal e depois, novamente condenado, agora por falsidade ideológica, devido as operações com contas bancárias fantasmas.

Dos principais integrantes do esquema PC, nenhum foi condenado em última instância200. Rosane Collor chegou a ser condenada a 11 anos de prisão por corrupção ativa201 e peculato, mas logo depois o Tribunal Regional Federal anulou a condenação. Zélia Cardoso foi condenada por 13 anos por corrupção ativa e, o ex-ministro do Trabalho, Antônio Rogério Magri, foi condenado a dois anos de prisão por receber propinas, mas ambos recorreram e seus casos devem demorar mais uns dez anos para serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal (Figueiredo, 2000, p. 62).

Mesmo com o farto relatório levantado pelo delegado Federal Paulo Lacerda, o ex-presidente Fernando Collor de Mello foi absolvido de todas as acusações202 no Supremo Tribunal Federal, incluindo a acusação de corrupção ativa.

197 Além do ex-presidente, outras pessoas se beneficiaram do esquema, como a ex-ministra da Economia Zélia

Cardo de Mello, Marcos Coimbra (secretário-geral da presidência), Cláudio Humberto Rosa e Silva (porta- voz da presidência), Cláudio Vieira (secretário particular da Presidência), Vítor Werebe (superintendente da Receita Federal em São Paulo) e Dario Cavalcante (assessor especial da presidência).

198 O esquema conseguiu “alugar” 15 contas de estrangeiros residentes no Brasil, que foram usadas para

enviar recursos para o exterior, como Panamá, Ilhas Virgens Britânicas, Uruguai e Paraguai.

199 Outros três integrantes secundários do esquema foram condenados, o piloto Jorge Bandeira, 1 ano e dois

meses de cadeia por falsidade ideológica, mas a pena foi diminuída posteriormente pelo STF e depois foi considerada extinta; Rosinete Melanias e Ricardo Campos, funcionários de PC foram condenado a uma pena de 2 anos e oito meses em regime aberto.

200 Atualmente, tramitam na Justiça cerca de 60 processos abertos a partir das informações levantada no

chamado inquérito-mãe, presidido pelo Delegado Federal, Paulo Lacerda, onde a maioria está parada ou se arrasta pelos escaninhos da burocracia.

201 Processo referente à compra superfaturada de 1 tonelada e meia de leite em pó pela Legião Brasileira da

Assist6encia (LBA), entidade dirigida, na época, pela primeira dama.

202

Deve-se destacar ainda, “...que o então procurador-geral da República, Aristides Junqueira, produziu uma peça de denúncia contra Collor considerada fraca no meio jurídico, chegando a ser classificada como ‘de difícil compreensão’ por um dos ministros do Supremo Tribunal Federal” (Figueiredo, 2000, p. 62).

No capítulo seguinte, analisaremos a implantação do neoliberalismo no México, adotado inicialmente a partir da crise de 1982 e intensificado com o governo do Presidente Carlos Salinas de Gortari (1988-1994), do Partido Revolucionário Institucional. Foi neste momento que grandes transformações foram implementadas na sociedade mexicana, de um modelo centrado no Estado e altamente protecionista e intervencionista em um modelo onde o Mercado passa a se tornar o centro da sociedade.

Capítulo 4

A Experiência Neoliberal Mexicana

Introdução

Os países da América Latina passaram por inúmeras transformações nos últimos 30 anos, de um Estado intervencionista, protecionista e proprietário de inúmeras empresas estatais, características fortemente ligadas ao pensamento desenvolvimentista instaladas na região a partir dos anos 30. A partir dos anos 70, o modelo baseado no Estado Keynesiano-Desenvolvimentista dá sinais de esgotamento, que se manifestam no aumento das taxas de inflação e na desaceleração do crescimento econômico do pós- guerra, impactam diretamente sobre os formuladores da política econômica, abrindo espaço para o fortalecimento e a expansão do pensamento Liberal, com uma nova roupagem, caracterizado como Neoliberalismo.

Os anos 70 se caracterizaram como um período de transformação nas estruturas ideológicas do sistema capitalista, onde o Desenvolvimentismo acaba perdendo força e o pensamento Liberal se fortalece e passa a dominar não só a região, mas quase todos os espaços da sociedade internacional.

O presente capítulo tem por objetivo analisar o Neoliberalismo implantado no México a partir da crise da dívida externa de 1982 e a reconversão da estrutura de desenvolvimento, que antes tinha no Estado sua estrutura fundamental e agora passa a se assentar no mercado, que passa a assumir um papel hegemônico.

A ascensão do neoliberalismo no México alterou intensamente a sociedade, a estrutura produtiva e a autonomia do Estado nacional, abrindo espaço para uma transformação intensa e culminou na adesão do país ao Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), além de estimular movimentos sociais de contestação da

situação social degradante, como o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que inaugura uma nova forma de organização dos movimentos sociais.