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A década de 80 foi um período de grande inquietação econômica, onde a taxa de crescimento econômico foi de 0,4%, o que se convencionou caracterizá-la como a década perdida, com altas taxas de inflação, descontroles monetário e fiscal e incremento no endividamento externo. Foi neste momento que o país passou por algumas das principais experiências de combate a inflação, com inúmeros planos econômicos fracassados e instabilidade política.

Essa crise teve início com a interrupção da oferta de financiamento externo, no início dos anos 80, e se prolongou por toda a década devido à resposta passiva da política econômica ao novo contexto internacional, combinada com a reação das grandes corporações privadas.

No governo Sarney o caráter protelatório da gestão estatal acentuou-se. Enquanto seguiram avançando importantes transformações na economia internacional – tecnológicas, gerenciais e financeiras -, o Estado Brasileiro revelava sua impotência para articular um conjunto de interesses capaz de redefinir as fontes de financiamento e de dinamismo da economia, bem como sua inserção na divisão internacional do trabalho.

A política econômica limitou-se, na prática, a “administrar” a inflação através de choques e outros expedientes que apenas mantinham em suspenso, de forma cada vez mais precária, a tendência a hiperinflação e a depressão. Esse processo culminou, nos últimos meses do Governo Sarney, em uma ameaça de irrupção, enfim, de uma hiperinflação aberta.

No plano político, o presidente José Sarney se empenhava em estender seu mandato para cinco anos, aliado a escândalos de corrupção de ex-ministros e a acusações de favorecimentos, contribui para desmoralizar ainda mais o governo e a acentuar as críticas às políticas clientelistas, ao caráter patrimonialista do governo e à impunidade.

Não foi por acaso que nas eleições presidenciais de 1989 os candidatos que disputaram o segundo turno foram os que mais passaram a imagem de oposição ao governo e de ruptura com o passado.

Quanto ao conteúdo programático da campanha, embora a maioria dos candidatos assumissem claramente uma posição (neoliberal ou social-democrata), este não foi o caso de Fernando Collor, que desde o início da campanha manteve a liderança nas pesquisas. Muito pelo contrário, enquanto candidato, em nenhum momento Collor explicitou qualquer programa de cunho neoliberal, mas também sua campanha jamais esboçou qualquer projeto de governo. No plano econômico, procurou-se enfatizar questões consensuais como a necessidade de combate à inflação, à especulação financeira e aos monopólios. No plano político, suas críticas ao Estado restringiram-se a

ataques desferidos contra privilégios de uma parte do funcionalismo público – os chamados “marajás” – e contra o “clientelismo” e a corrupção.

Por outro lado, como afirmou Diniz “...a recusa de um claro compromisso com os partidos existentes ou com quaisquer das lideranças e forças políticas relevantes foi uma das marcas de sua campanha” (1997, p.133),.

Mas, se as observações acima estão corretas, como explicar então que, em dezembro de 1989, um trabalho sob a coordenação de Abílio Diniz134 (1990) propusesse um ambicioso (e não menos otimista) programa integrado de reformas liberalizantes, que abrangia desde uma política de liberalização comercial até um amplo programa de privatização, e que não colocava quaisquer obstáculos às reformas que não a vontade política de executá-las? Como explicar ainda que, ao menos no que se refere à privatização, em início de 1990, antes mesmo que Collor assumisse, uma série de eventos já apontasse a tendência liberalizante do Governo Collor?

No Balanço Financeiro de 1990, Altair Silva informa que:

“Reporta[va]-se às expectativas e às antecipações que percorreram o mercado acionário antes da posse de Collor acerca da forma que assumiria o programa de privatização do futuro governo. Quais seriam as empresas privatizáveis e qual processo seria adotado constituem as questões centrais dos diversos depoimentos prestados por pessoas ligados ao mercado de capitais, a bancos e à CVM” (apud Maciel, 1999, p.126).

Por outro lado, duas pesquisas de opinião pública e uma entre empresários industriais sobre o apoio à privatização eram realizadas ainda em fevereiro.

“O resultado destas pesquisas e, a partir de março, uma quantidade enorme de editoriais e um número expressivo de artigos publicados na grande imprensa levavam a crer que o processo de privatização contaria com forte apoio por parte do empresariado, de expressivo número de formadores de opinião e da própria opinião pública. A estes se poderia ainda acrescentar “o apoio à privatização de altos dirigentes de empresas arroladas como privatizáveis”, “de técnicos do

134 O empresário Abílio Diniz, herdeiro do Grupo Pão de Açúcar havia coordenado uma pesquisa, que

destacava as políticas neoliberais como uma forma sensata de retirar o país do atraso da última década. Diniz era um dos empresários que depositaram em Fernando Collor recursos financeiros e apoio político para que este fosse eleito Presidente da República e liderasse estas políticas. Abílio Diniz também havia sido destaque, meses anteriores quando foi seqüestrado e mantido em cativeiro por algumas semanas, em seu resgate, foram atribuíram vínculos entre os seqüestradores e o Partido dos Trabalhadores (PT), partido que na época disputava o segundo turno com o então candidato Fernando Collor (PRN)..

BNDES e dos ministérios encarregados das atividades de planejamento e investimento em infra-estrutura” (Boschi, 1991.).

No entanto, o que menos importa ressaltar é o resultado de pesquisas ou a posição de segmentos da burocracia. O que importa ressaltar é o fato de que este consenso era meramente aparente: alinhadas em torno da candidatura de Collor, as forças neoliberais cosmopolitas (a mídia, o PFL e o PPR, grandes grupos empresariais estrangeiros e nacionais) viram na vitória de seu candidato a oportunidade de retomar aquelas questões que haviam sido objeto de intensa controvérsia na Assembléia Constituinte. Isto, aliado à polarização ocorrida no segundo turno das eleições, permitiu que estas forças fizessem prevalecer seus interesses e teses em torno do processo de privatização e, em menor medida, de reformas liberalizantes.

Assim, no que se refere ao empresariado, por exemplo, Cruz chama a atenção para o fato de que, a partir de fins da década de oitenta, se poderia identificar pelo menos três correntes: uma neoliberal, outra social democrata e uma terceira neo-social democrata. Enquanto as duas últimas tomavam como experiências a serem seguidas as dos países do sudeste asiático e do Japão, e recebiam com cautela a intenção de se promover à abertura comercial, a privatização era encarada de maneira mais consensual. Neste caso, no entanto, o que chama a atenção é menos o apoio do que a falta de interesse e mesmo de condição de participar de um processo de privatização (que, inclusive, não havia ainda sido definido) (Apud Maciel, 1999, p. 127).