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A experiência neoliberal norte-americana teve inicio na década de 80, num momento em que a política econômica era caracterizada por políticas monetárias restritivas, estas políticas foram adotadas com o objetivo de reverter a tendência inflacionaria. O programa anti-inflacionário teve repercussão interna e externa: a taxa de inflação caiu de 13% para 4%, as taxas de juros aumentaram e a economia entrou em recessão, elevando o desemprego e afetando particularmente as indústrias da construção civil, bens de produção e de consumo duráveis.

Do ponto de vista externo, as elevadas taxas de juros estimularam a demanda internacional de ativos em dólar, gerando elevados déficits na balança comercial, mesmo assim a moeda norte-americana se manteve valorizada frente ao iene e o marco33.

Destacamos também, no âmbito externo, as conseqüências do aumento das taxas de juros sobre os países que “...sustentaram seu crescimento aproveitando a liquidez internacional vigente em décadas anteriores”, que “foram lançados numa crise de endividamento sem precedentes” (Fernandes, 1995, p. 22).

A política monetária restritiva adotada pelo governo norte-americano e o Federal Reserve (FED) levou vários países a adotarem políticas semelhantes, inclusive governos social-democratas e socialistas.

Segundo Mattos:

“...o golpe fatal no sistema de regulação de Bretton Woods ocorreu com a brutal elevação das taxas de juros decidida unilateralmente pelos Estados Unidos em

33 O Japão e a Alemanha foram os paises que mais se beneficiaram com a valorização do dólar, pois grande

1979. Como conseqüência desta decisão dos americanos, os anos 80 (e também depois os anos 90) foram marcados por intensas flutuações das taxas de cambio e por significativos aumentos das taxas de juros. Com esta medida, porém, os Estados Unidos atingiram seus objetivos de fortalecimento de sua moeda, ampliando sua função de reserva de valor, e financiaram seus déficits através da atração da riqueza financeira internacional; não obstante, enterraram as convenções definidas em Brettom Woods” (1998, p. 20).

O ponto central do “ataque conservador”34 era o Estado Regulador, e a defesa do retorno do Estado idealizado pelos Clássicos35. Segundo os ideólogos clássicos, o Estado Keynesiano era o responsável pela crise dos anos 70.

Cano descreve como a solução dessa crise de hegemonia foi encaminhada pelo governo norte-americano:

“Primeiro seria pouco realístico pensar em uma transferência de poder hegemônico ao Japão e à Alemanha, os incontestes lideres do desenvolvimento capitalista e tecnológico dos anos 70. Segundo, a política fiscal e monetária praticada pelos Estados Unidos, a partir de 1979, com a elevação dos juros, tornou compulsória, principalmente para o Japão e a Alemanha, a transferência de fluxos de financiamento para cobrir seus enormes déficits fiscal e de balanço de pagamentos. Terceiro, quando Ronald Reagan anuncia o projeto “Guerra nas Estrelas”, o endividado mundo socialista perdeu claramente a “corrida” militar tecnológica e a possibilidade de manter o regime socialista, já abalado pelo crescimento das telecomunicações. Da perestróika à queda do Muro de Berlim, foi preciso pouco tempo para deter o novo poder alemão, econômica e financeiramente abalado a partir da reunificação das duas Alemanhas. Com essas políticas, os Estados Unidos ganharam tempo para promover sua reestruturação produtiva e colocar em pratica o ajuste macroeconômico. Com isso recuperou seu “tempo perdido” pelo avanço dos países lideres da Terceira Revolução Industrial” (1998, p. 37).

34 Tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, greves foram detonadas pelos sindicatos contra os governos

conservadores, dentre elas destacamos a greve dos mineiros de carvão (Inglaterra), que permaneceram um ano parados, a partir daí, o governo isolou os grevistas, evitou a escassez do minério importando-o diretamente da África do Sul; e nos Estados Unidos, a greve dos controladores de vôo, o que evidenciou a derrota do mundo do trabalho e o enfraquecimento dos sindicatos diante dos mecanismos de reordenamento do capital e da ofensiva neoliberal.

35 Segundo a vertente clássica, cujo expoente máximo e Adam Smith, cabe ao Estado uma atuação restrita

A política econômica36 adotada por Reagan foi influenciada pelas idéias dos partidários da economia da oferta, cujo teórico mais relevante era Arthur Lafer, segundo a qual, para a economia crescer, era preciso incentivar o investimento e que este incentivo adviria da retirada das amarras do setor publico que impediam o crescimento do setor privado, para fazê-lo era preciso uma redução das alíquotas de impostos, que levaria ao aumento da renda pessoal disponível e da poupança das famílias e à reversão das expectativas dos empresários, acelerando o investimento, aumentando a produção e proporcionando, consequentemente, a elevação da receita pública37.

Fernandes destaca algumas políticas adotadas no governo Reagan que tiveram influencia dos partidários da economia da oferta:

“a) reforma tributária, que instituiu a diminuição das alíquotas fiscais (em 10% anuais, durante três anos) e a redução da carga tributaria das empresas, através do estimulo à depreciação acelerada dos ativos;

b) redução dos crescimentos dos gastos públicos, com exceção dos relativos à defesa (com aumento previsto de 60% em três anos);

c) reforma da política de regulamentação, a fim de eliminar os regulamentos desnecessários e reduzir os excessivos impostos à empresa privada e aos governos estaduais e municipais;

d) uma política monetária que não permita o incremento da moeda e um ritmo continuamente mais acelerado que o de bens e serviços” (1995, p. 15-6).

O período Reagan foi pautado por uma política externa totalmente voltada para a retomada da hegemonia norte-americana, portanto, dois pontos fundamentais caracterizam

36 Segundo Oliveira: “A nova corrente liberal da ‘economia da oferta’ propôe o que seria uma volta à tradição

do pensamento econômico desde Adam Smith, ou seja, que preferencialmente se enfoque o lado da oferta que, segundo eles, teria sido equivocadamente abandonado pelos Keynesianos. Assim, Feldstein afirma: ‘nos anos 60 e 70 estava claro para a maioria dos economistas que era errado enfocar exclusivamente a demanda e ignorar os fatores que aumentam o potencial de oferta do produto - a acumulação de capital, o progresso técnico, melhorias na qualificação da forca de trabalho, liberdade diante de interferências reguladoras e aumento dos incentivos pessoais. Muitos de nos concluímos também que o persistente e alto nível de desemprego não refletia uma demanda inadequada, mas era devido a políticas governamentais, tais como: o seguro-desemprego, as restrições do Welfare, o salário mínimo etc., que reduziam a oferta de trabalho” (1989, p. 6).

37 Percebe-se que os argumentos usados pelos teóricos da economia do lado da oferta eram baseados na

discutível curva de Lafer, segundo a qual existe um ponto de alíquota tributaria que maximiza a receita publica, a partir do qual ocorre o desestimulo ao trabalho ou a evasão fiscal, levando a uma progressiva redução de receita. Segundo Lafer, as alíquotas fiscais nos Estados Unidos eram muito altas, situando a economia americana na parte descendente da curva e que a base de tributação havia se reduzido porque diminuíram os incentivos ao trabalho e a produção. Assim, uma redução nas alíquotas estimularia o trabalho e a produção, gerando incremento na receita publica, possibilitando, desta forma, redução dos déficits Keynesianos das gestões anteriores.

este momento: 1) Diplomacia do dólar forte, e 2) Retomada da guerra fria (Fiori, 1997, p. 116).

A chamada Diplomacia do dólar forte, iniciada em 1979, teve como objetivo principal reverter as tendências de um mundo sem pólo hegemônico e retomar o controle financeiro internacional.

“Em 1979, o presidente do Federal Reserve (FED), Paul Volcker, se revoltou contra a decisão do Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos seus países membros, que tendiam a manter o dólar desvalorizado e a implementar um novo padrão monetário internacional. Diante disso, Volcker declara que o dólar se manteria como padrão internacional e que a hegemonia de sua moeda seria restaurada. Esta restauração do poder financeiro do FED custou aos EUA mergulharem a si mesmos e à economia mundial numa recessão continua por três anos. Quebraram inclusive varias grandes empresas e alguns bancos americanos, alem de submeterem a própria economia americana a uma violenta tensão estrutural. O inicio da recessão e a violenta elevação da taxa de juros pesaram decisivamente na derrota popular de Cárter” (Tavares, 1985, p. 6).

Com a política do dólar forte, a economia mundial mergulha numa das piores recessões de sua história recente, 1981-1984; neste período as economias da América Latina entram em colapso.

O resultado destas medidas foi que “...a economia americana passou a apresentar, a partir de 1983, uma recuperação de seu crescimento, alicerçado em um vigoroso processo de absorção de liquidez, capitais e créditos do resto do mundo”, mas o comportamento do povo americano “...respondeu ao corte de impostos com aumento da dívida ao invés de aumento da poupança” (Fernandes 1995, p.16).

“Entre 1980 e 1985, a dívida global (publica e privada) duplicou de US$ 4,3 trilhões para US$ 8,2 trilhões, por outro lado, a necessidade de financiamento do déficit orçamentário anual da ordem de US$ 200 bilhões fez com que a taxa de poupança americana declinasse de 17% para 12%, o nível de investimento interno se reduzisse e os empréstimos externos se elevassem” (Fernandes, 1995, p.17).

Mattos faz a diferenciação do neoliberalismo europeu do neoliberalismo norte- americano da seguinte forma:

“Enquanto o alvo central do neoliberalismo europeu era a destruição do Estado de Bem-Estar Social do pós-guerra, na versão norte-americana capitaneada por Reagan, o que estava em pauta era a radicalização da cruzada anticomunista a partir da intervenção soviética no Afeganistão” (1998, p. 22).

A intensificação do conflito Leste-Oeste38, que ficou conhecida como a 2° Guerra Fria, culminou com a desagregação do império soviético, o chamado império vermelho. Entre as características mais importantes desta política destacamos: 1) Apoio político e financeiro para os grupos e forças comunistas no mundo todo. 2) Instalação de mísseis na Europa com dois objetivos estratégicos, o primeiro foi uma clara ameaça ao território soviético, e segundo “adoçar” o comportamento dos aliados europeus. 3) “Projeto Guerra nas Estrelas”, que consumiu grandes recursos econômicos do Estado. 4) Reaproximação com a China, uma política iniciada no período Nixon-Kissinger.

No período de 1985-1991, a economia norte-americana alavancou a economia mundial para o crescimento, mas no inicio dos anos 90 surgem várias situações difíceis, dentre elas podemos citar: 1) Crise da Bolsa em Tóquio; 2) A Guerra do Golfo; 3)Desagregação da União Soviética; 4) Inicio da recessão Européia e, 4) perda de fôlego dos mercados latinos.

A economia mundial passa por períodos de intensas transformações, globalização e especulação financeira39; soma-se a isto a desagregação da União Soviética40, que levou a ideologia neoliberal e a economia de mercado a avançar sem resistência sobre o Leste europeu e o mundo.

Desde 1991, os Estados Unidos se comportavam como se fossem o único orientador da economia e da sociedade mundiais, um mundo unipolar; toda afirmação neste sentido nos parece precipitada, porém, enquanto os Estados Unidos e a China cresciam, a Europa41 e o Japão estão em crise econômica e a Rússia devastada economicamente tenta reconstruir sua economia.

Dois autores de grande relevância no debate contemporâneo divergem com relação ao futuro da ordem emergente: de um lado está Henry Kissinger que acredita num novo sistema de equilíbrio de poder, mas agora entre sete ou oito países ou blocos regionais,

38 Os gastos com a defesa tiveram um incremento significativo, o que serviu para reforçar a expansão da

economia americana nos anos 80.

39Dentre elas destacamos a Crise Mexicana (1994), onde o governo norte-americano foi bastante rápido para

evitar o “contágio” para outros países; e a Crise da Tailândia (1997), onde o governo japonês, o FMI e outros onze países articularam recursos para socorrer este país asiático.

40 Com o fim do comunismo, a Política Externa dos Estados Unidos se orientou para a busca de novos

mercados externos.

41 Mesmo em crise, a Europa ainda é uma incógnita, pois sua unificação pode trazer inúmeros dividendos

porém, não tem dúvida do poder dos Estados Unidos neste novo sistema, em conjunto com lideranças regionais (apud Fiori, 1997, p. 129).

Huntington acredita:

“...numa nova forma de conflito, originários nas diferenças e fronteiras das grandes civilizações, porém o poder mundial continuara nas “mãos” de dois diretórios: um militar, formado pelos Estados Unidos, França e Inglaterra; e outro econômico, formado pelos Estados Unidos, Alemanha e Japão” (1997,p.129).

Do ponto de vista do relacionamento com os países em desenvolvimento, destacamos o endurecimento e o “enquadramento” dos países periféricos, onde do ponto de vista militar varias intervenções na América Central e Caribe, alinhamento com a Inglaterra na Guerra das Malvinas42. Já na questão econômica, os Estados Unidos impuseram inúmeros ajustes obrigatórios às economias endividadas, particularmente, as economias latino-americanas, depois da moratória mexicana de 1982.

Segundo Ayerbe, o Reaganomics trouxe resultados econômicos significativos no primeiro governo Reagan:

“Os resultados da política econômica, a partir de 1983, podem ser considerados positivos. A inflação se reduz de 12% ao ano no final do governo Cárter para 5%, o desemprego cai de 10,7% em 1982 para 7,3%, a renda media aumenta em 9%, permitindo a reeleição43 de Reagan em 1984” (1998).

Podemos sintetizar os principais aspectos da política econômica do Governo Reagan, na primeira metade dos anos 80, na valorização do dólar, em uma política de taxa de juros elevados e de uma política fiscal expansionista (através de gastos militares e da reforma tributaria), ao lado de uma política monetária ativa (Fernandes, 1995, p. 17).

Os resultados positivos desta estratégia foram a queda da inflação e o posterior crescimento do PIB (pós 1983), porém, com relação à queda das taxas de inflação, questiona-se se não teria sido resultante da política monetária apertada sobre a política fiscal expansionista, o que teria que se creditar os méritos à política adotada por Volcker e pelo FED, e não à Reaganomics.

42 Conflito ocorrido no inicio dos anos 80 entre a Inglaterra e a Argentina, neste conflito os ingleses saíram

vencedores.

43 A performance da economia norte-americana se mantém positiva até o fim do segundo mandato de Reagan,

Oliveira destaca a atuação da administração Reagan no campo social:

“...no campo social é importante chamar a atenção para as características que assume a política redistributivista do liberalismo real. Aumentou-se a renda das camadas mais favorecidas (via redução de impostos) e subtraiu-se a renda das camadas mais carentes (via corte de gastos sociais)” (1989, p.7).

Todo o esforço norte-americano pela retomada da hegemonia foi coroado com grande sucesso, pois “em 1985 o mundo parecia estar de novo em ordem” (Fiori, 1997, p. 120).

No segundo Governo Reagan, os indicadores negativos levaram a uma revisão44 da Reaganomics, gerando no plano fiscal uma segundo reforma tributária (1986-1988), que procurou reduzir parte dos benefícios concedidos aos empresários na primeira reforma.

Os aspectos até aqui levantados ilustram o indiscutível avanço da aceitação das idéias neoliberais que se verificam a partir de meados da década dos 70, quando, inclusive, os governos conservadores de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, aderiram às pratica de políticas neoliberais. A partir de então, as palavras chave que passaram a ser usadas, em boa parte dos países capitalistas ocidentais, foram: estabilizar, desregulamentar e privatizar.

Os resultados das experiências desenvolvidas pelo Thatcherismo e pela Reaganomics não foram dos mais animadores. Com o desmantelamento, em seus países do Welfare State, houve um dramático incremento nos índices de pobreza. Nos Estados Unidos, os déficits orçamentários e da balança de pagamentos crescem de forma inédita, acumulando-se gigantescas dívidas externas e internas. A Inglaterra, em decorrência dessas políticas “ficou no pior dos mundos” (Tavares, 1992, p. 30), vivendo um intenso processo de desindustrialização e assistindo à dramática redução da competitividade externa dos seus produtos manufaturados.

As políticas neoliberais foram bem sucedidas na diminuição das taxas da inflação, nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a inflação caiu de 8,8% nos anos 70, para 5,2% nos anos 80 e 2,8% nos anos 90.

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A segunda reforma tributária foi aprovada pelo legislativo norte americano, o que contrariou a vontade de Reagan e dos defensores da supply side economics. Um pacote fiscal, aprovado em 1988, conseguiu estabilizar o déficit em torno de US$ 150 bilhões, porem não conseguiu reduzi-lo como se objetivava.

Devemos destacar ainda, que as políticas neoliberais ampliaram as desigualdades e o desemprego no final do século, e conforme suas previsões a recuperação da disciplina laboral, a flexibilidade do uso e remuneração da mão-de-obra e a elevação da concorrência no mercado de trabalho não permitiram a emergência de uma nova fase de expansão do capitalismo. Pelo contrário, as duas últimas décadas foram decepcionantes do ponto de vista do desempenho econômico. Do lado social, os prejuízos foram bastante grandes, confirmados com o aumento da pobreza e do desemprego, que na Europa Ocidental subiu, nas décadas de 1960, 1970 e 1980, de 1,5% para 4,2% e para 9,2%, alcançando 11% em 1993.

Soares destaca, que “...o ajuste não foi levado adiante na mesma magnitude nos paises centrais, que em boa medida transferiram sua crise para a periferia via divida externa, mantendo protegida suas economias” (2001, p.14). As idéias neoliberais passam a se difundir pelo mundo todo, primeiro invade os países latino-americanos e depois atinge outras regiões. É nesse contexto que vai se inserir as políticas preconizadas pelo Consenso de Washington, conjunto de medidas “sugeridas” pelos agentes econômicos e políticos internacionais como forma de estimular o desenvolvimento das economias emergentes da América Latina.

Depois dos efeitos devastadores da crise financeira e a explosão da crise da divida externa nos anos 80, o modelo implantado em alguns paises na década anterior pelo Banco Mundial, pelo FMI e pelo governo dos EUA ganhou forca. Este modelo ficou conhecido como ajuste estrutural, e pretende desencadear as necessárias mudanças através de políticas liberalizantes, privatizantes e de mercado.

“Por trás de todas estas medidas está a idéia central de que é o livre jogo das forcas de mercado45, sem nenhuma interferência, o que levaria a uma melhor utilização dos fatores produtivos em beneficio de toda a coletividade” (Soares, 2000, p. 15).

Os resultados destas políticas foram sentidos com maior força nos anos 90, quando os custos sociais dos ajustes neoliberais implementados pelo governo conservador de Ronald Reagan se tornaram visíveis.

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Destaca-se o fato de que, enquanto o modelo neoliberal, que propõe para a América Latina a liberalização comercial e financeira a todo custo, entra em aberta contradição com o intenso neoprotecionismo nos paises centrais.

Como destacou Wacquant, referindo-se ao governo dos Estados Unidos nos anos 90: “...apesar do discurso ambiente violentamente anti-estatal, a força pública, entendida em seu sentido próprio, desempenha um papel cada vez mais determinante na organização e na condução da vida nacional” (2003, p. 19).

Ainda segundo Wacquant, comentando as mudanças estruturais46 ocorrida na sociedade norte-americana das últimas décadas:

“No decorrer das três últimas décadas, ou seja, depois dos confrontos raciais que abalaram os grandes guetos de suas metrópoles, a América lançou-se numa experiência social e política sem precedente nem paralelos entre as sociedades ocidentais do pós-guerra: a substituição progressiva de um (semi) Estado providência47 por um Estado penal e policial, no seio do qual a criminalização da marginalidade e a ‘contenção punitiva’ das categorias deserdadas faz as vezes de política social” (2003, p.19-20).

No final de 1994, “mais de 5 milhões de americanos estavam submetidos a algum tipo de restrição legal. De acordo com números do Departamento de Justiça, cerca de 1,5 milhão estava nas prisões48 – federais, estaduais e municipais. Isto quer dizer que um em cada 193 adultos é prisioneiro, ou 373 em cada 100 mil americanos. Compare-se com 103 em cada 100 mil quando Ronald Reagan assumiu a presidência em 1980. Três e meio milhões de americanos estavam sob sursis ou liberdade condicional” (Gray, 1999, p. 153).

O recuo do Estado norte-americano operou-se em inúmeras frentes e não poupou o domínio privilegiado da questão social. Em 1975, o seguro desemprego, instaurado pelo Social Security Act de 1935, cobria 81% dos assalariados que perdiam o emprego; em 1990, esta cifra caiu para um em cada quatro, em razão das restrições administrativas

46 Quando se fala em Estado Providência, entende-se àquele Estado que tem por objetivo proporcionar ao

conjunto dos cidadãos padrões de vida mínimos, desenvolver a produção de bens e serviços sociais, controlar o ciclo econômico e ajustar o total da produção, considerando os custos e as rendas sociais.

47 O próprio Wacquant prefere chamar o Estado norte-americano de Estado Caritativo, ao invés de Estado

Providência, pois nos EUA, “os programas voltados para as populações vulneráveis foram desde sempre