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1.0 O REFERENCIAL TEÓRICO DA PESQUISA

2. DA FORMAÇÃO DO CAMPESINATO DA FLORESTA À CRIAÇÃO DAS RESERVAS

2.4. A Amazônia e a questão agrária

No que se refere à questão da terra, os projetos de colonização dirigida na Amazônia, tanto a estatal quanto a privada, precisam ser analisados à luz das contradições da política agrária encaminhada pelo regime ditatorial nas décadas de 1960 e 1970. Às vésperas do Golpe de 1964, o conflito agrário se estendeu sobre o país. A intensificação do sindicalismo rural e a atuação das Ligas Camponesas na Região Nordeste colocam a reforma agrária como uma pauta urgente. Mas também despertou o temor das classes dominantes, o que vai resultar no forte engajamento dos grandes proprietários de terra em prol do Golpe de Estado.

Neste contexto, buscando controlar as tensões agrárias e impedir o desenvolvimento de algum movimento de cunho revolucionário no campo, a ditadura procurou desenvolver uma política dúbia em relação a política de reforma agrária baseada no Estatuto da Terra, criado pela Lei 4.504 de 1964.

Na opinião de José de Souza Martins (1985, p. 33), o Estatuto da Terra teve como função ser um instrumento de controle dos conflitos agrários gerados pela concentração fundiária. Segundo o autor, o Estatuto foi peça central da estratégia do governo militar para o campo, servindo à desativação dos conflitos agrários e permitindo “o desenvolvimento econômico baseado nos

incentivos à progressiva e ampla penetração do grande capital na agropecuária”.

Sob o invólucro de reforma agrária, o regime militar inicia a implementação dos projetos de colonização dirigida (sob a responsabilidade do Estado ou da iniciativa privada) na Amazônia. Na realidade, os projetos de colonização realizados tinham por objetivo a preservação da estrutura fundiária em outras regiões do país, como o Sudeste, Sul e Nordeste. Também serviam como “válvula de escape” para os conflitos fundiários dessas regiões preservando a velha concentração fundiária.

Daí o segredo da “reforma agrária” que a colonização dirigida estaria realizando: distribuir as terras a alguns trabalhadores rurais para não distribuir as terras aos muitos trabalhadores rurais sem terras do Nordeste, do Centro-Sul e também do Oeste e no próprio Norte. Foi assim que a colonização dirigida, oficial e particular destinou-se a realizar uma contra-reforma agrária na Amazônia e, por implicação, nas outras regiões do país (IANNI, 1979, p. 236)

Além de intensificar a migração para a Amazônia de populações rurais marginalizadas, Otavio Ianni aponta também que outro objetivo da colonização dirigida seria o de controlar a reforma agrária espontânea realizada por trabalhadores rurais que migravam para a região.

Em 1970, o governo cria o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a partir da fusão do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC) com o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA). O novo órgão foi encarregado de implementar ao longo da rodovia Transamazônica os Projetos Integrados de Colonização (PIC). Apenas na Transamazônica, o objetivo do INCRA era assentar 100 mil famílias até 1974, mas até 1972 havia assentando apenas 3.872 famílias de forma absolutamente precária (OLIVEIRA, 1991).

Jogadas no meio da floresta, sem apoio institucional, isolados e vitimados por doenças, a maioria dos ocupantes dos lotes terminaram por abandoná-los. Em 1975, aproximadamente 40% dos colonos haviam deixado o projeto, conforme Oliveira (1991). Não se deve minimizar a pressão realizada por especuladores e fazendeiros para que muitos colonos abandonassem suas terras por meio da violência dos jagunços, muitas vezes associada com o aparato estatal. Assim, a verdadeira face da contrarreforma agrária do regime militar foi revelada anos mais tarde, quando a colonização dirigida provocou o fenômeno da reconcentração fundiária e permitiram o deslocamento de trabalhadores para garantir a implementação dos projetos no âmbito da Operação Amazônia.

O plano visava a, isto sim, “forçar” estes colonos a iniciarem o processo de abertura da região para que fossem formando um “contingente de mão-de-obra à disposição do grande capital”, que a partir de 1973 passou a ser oficialmente estimulado e convidado a participar da ocupação em grande escala, e em grandes áreas (OLIVEIRA, 1991, p. 86).

Em 1972 os assentamentos foram suspensos pelo INCRA. Procurava-se agora privilegiar, por meio da SUDAM, os grandes projetos agropecuários. Mas, muitos projetos de colonização prosseguiram, agora sob responsabilidade de empresas privadas credenciadas junto ao INCRA. Oliveira (2005) analisou a realidade do Mato Grosso, o estado com maior atuação da colonização privada, concentrando cerca 90% dos empreendimentos, principalmente no eixo da rodovia BR-163 Cuiabá-Santarém. Outra frente de colonização foi o estado de Rondônia, onde projetos de colonização privada conviviam com assentamentos do INCRA.

Em 1º de julho de 1971 foi criado o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA). O programa, que contava com recursos dos incentivos fiscais destinados à SUDAM e à Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), foi um ponto de virada na política de reforma agrária do regime militar. Com o PROTERRA o governo assume outra postura e define que a aquisição de terras e as desapropriações serão realizadas “mediante prévia e justa indenização em dinheiro, nos termos que a lei estabelecer, para posterior venda a pequenos e médios produtores rurais da região” (BRASIL, 1971). Assume- se, portanto, uma política de Reforma Agrária em prol dos grandes proprietários, que muitas vezes utilizaram o programa para financiar projetos agropecuários, saldar dívidas e vender terras irregulares(OLIVEIRA, 1991).

No caso do Acre, cabe ressaltar o empenho do governador do Acre Geraldo Mesquita (1975- 1979) que promoveu inúmeras desapropriações para transformar antigos seringais em Projetos de Assentamento Dirigidos (PADs) ou em projetos de Colonização. Até 1983, 1.889 assentamentos foram implantados no estado, conforme se pode ver no Quadro 3.

Quadro3 – Assentamentos do INCRA no Acre até 05/04/1983.

Assentamento Municípios Área (em ha) Número de

assentamentos

Pedro Peixoto Rio Branco, Placido de Castro, Sen. Guiomar

317.588 3.815

Boa Esperança Sena Madureira 275.646 442

Humaitá Rio Branco 63.861 809

Quixadá Brasileia 126.097 520

Santa Luíza Cruzeiros do Sul 69.700 118

TOTAL 535.304 1.889

Jean Hébette (2004, p.280) chamou a atenção para a forma como foram planejados muitos destes projetos de colonização. Na maioria dos casos, o desenho dos lotes era totalmente linear, “traçados em gabinetes, com um risco em cima do mapa […], sem conhecimento ou consideração do relevo, da disponibilidade de água e de qualquer restrição geográfica”. O traçado geométrico dos lotes dos assentamentos obedecia a uma lógica urbana, nada tinham a ver com a forma tradicional de ocupação territorial dos camponeses amazônicos. Para muitos seringueiros do Acre, como veremos mais adiante, os projetos de assentamentos resultaram na antessala da sua expropriação.