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Composição da renda na RECM em 2009 (Fonte: ACRE, 2010)

3.9. O fracionamento familiar das colocações

Outro problema observado foi o fracionamento das colocações que é provocado pelo próprio crescimento natural das famílias. Isso também tem sido foco de tensão com os agentes ambientais, pois uma colocação com um número elevado de famílias pressiona por maiores áreas de clareiras para os roçados das famílias. Para Dercy Teles, essa questão não havia sido prevista no momento da criação da Reserva.

Por que não pensaram que as famílias iam se multiplicar e que as crianças estavam crescendo e iriam casar, formar novas famílias e iriam continuar morando na Reserva. Um dos adendos que contribui assim para o aumento de desmatamento.

71 Entrevista realizada com Anacleto Maciel em 11 de setembro de 2017. 72

Na época, o caso foi noticiado por jornalistas acreanos. Ver em: http://www.altinomachado.com.br/2009/07/evo- morales-expulsa-brasileiros.html.

Porque as colocações que moravam apenas uma família, hoje... Eu dou exemplo de uma colocação que é a Semitumba que era uma colocação de um morador e hoje deve ter oito famílias. Então isso significa, mais um roçado, mais uma vaca, mais tudo. E automaticamente as pessoas precisam abrir novas áreas para produzir a agricultura de subsistência.73

Com o aumento das famílias ao longo dos anos, algumas colocações foram subdividas pelo chefe da família entre seus filhos, cunhados e outros parentes. Um dos resultados é que a terra herdada é muito pequena, insuficiente para manter a reprodução camponesa, produzindo o que os seringueiros chamam de "lotes", pois são áreas menores do que as colocações que normalmente possuem no mínimo uma estrada de seringa.

Uma colocação de seringa, o pai faleceu e ficou a mulher e os filhos. Ficou só um filho na colocação cuidando. Mas aí os quatro voltaram e com toda razão, são filhos, tem necessidade, estão desempregados “na rua”. Dividiram os pedaços entre si. Mas na lei, no nosso plano de utilização diz hoje que uma colocação tem que ter duas estradas de seringa, o que equivale 200 hectare. Em si, se aquilo fosse dividido, não tem duas estradas de seringa pra cada um. Eu quero saber o que o ICMBio tem a dizer sobre isso?74

A cobrança que Romário faz ao órgão gestor faz sentido. A divisão familiar camponesa das colocações que pode ameaçar a reprodução de seu modo de vida tradicional com a floresta. Se a família dispõe de uma parcela de força de trabalho utilizada apenas parcialmente, será necessária a aquisição de áreas suplementares a fim de utilizar a força de trabalho não empregada e assim atender as demandas de consumo do grupo (CHAYANOV, 2014). Por isso, o crescimento das famílias exige a ocupação de novas colocações e seringais desabitados ou pouco ocupados. E eles existem. Em nosso trabalho de campo e a análise dos Mapas 3 e 5 demonstram a existências de áreas ainda pouco povoadas no interior da RECM. Como podemos observar no Mapa 5, a distribuição das colocações nos seringais está concentrada principalmente no Sul da Reserva Extrativista, particularmente próximas ao eixo da BR 317 e em seringais próximos às cidades de Xapuri, Brasileia e Assis Brasil. Também há uma significativa ocupação ao Leste, especialmente próximo à Capixaba e na área da capital Rio Branco. Ao Norte, às margens do Rio Iaco também se verifica a presença de colocações em áreas que pertencem ao município de Sena Madureira. No Mapa 4, que indica a cobertura florestal na RESEX, é possível perceber que a grande maioria das colocações tem um impacto muito pequeno no que se refere ao desmatamento da Reserva, com exceção do Seringais Nova Esperança, Rubicon e Santa Fé, localizados no município de Xapuri75.

73Entrevista realizada com Dercy Teles 05 de setembro de 2017.

74 Entrevista realizada com Romário em 24 de dezembro de 2014.

75 A RECM mantém 94% de cobertura florestal. Mas existem três pequenos seringais que apresentam um desmatamento

maior: o Nova Esperança (52% de sua área desmatada), Santa Fé (55% de sua área desmatada) e Rubicon (42%de sua área desmatada). Estes seringais estão próximos da rodovia BR-317 e são pressionado pela expansão pecuária das

É possível também observar que existem muitas colocações – os pontilhados em azul – fora dos limites da Reserva, especialmente nos limites Sul, Leste e Norte. Elas ocupam a Zona de Amortecimento, conforme a definição do Plano de Manejo da Unidade. Já ao Sul e ao Leste da Reserva, observamos o avanço de fazendas sobre essas colocações, identificadas pelas imagens geométricas que indicam desflorestamento no Mapa 3.

Os Mapas 3 e 5 também mostram outra questão importante: a existência de extensos seringais desocupados ou pouco habitados ao Norte e ao Oeste da Reserva. Como se pode observar, há seringais, como os Seringais Curitiba e Arary, que estão completamente desabitados. Outros, como o Seringal Petrópolis, no extremo Oeste, que só é habitado na margem no rio Iaco. De modo geral, os seringais localizados ao Norte e ao Oeste da Reserva possuem muitas áreas desocupadas, o que certamente oferece uma alternativa às famílias, embora para muitos seringueiros esse tipo de deslocamento não seja fácil, pois isso implica em um maior isolamento das famílias. Ao menos, por um certo período.

O Plano de Utilização adotado em 1995 não normatizava a ocupação de seringais vazios ou pouco ocupados. Isso porque, conforme relatos dos moradores mais antigos, muitos seringais se encontravam vazios no momento da criação da RECM, devido as ameaças dos fazendeiros. Na verdade, só após a criação da Reserva houve o seu repovoamento.

Em 2006, quando foi concluído o Plano de Manejo da RESEX, conforme determinava o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, foi realizado o Zoneamento da UC com objetivos de normatizar o seu uso. Assim, foram estabelecidas as Zonas Primitivas que seriam “áreas pouco alteradas que mantém no todo as características da vegetação original, podendo funcionar como refúgio da vida silvestre, fornecimento de propágulos e reprodução da fauna” (BRASIL, p. 60, 2006). Dessa forma, procurou-se em normatizar o uso dessas áreas:

Normas de uso: Nestas áreas o acesso e a intervenção na bióta (flora e fauna) devem ser restrito às pesquisas científicas, desde que devidamente autorizados pelo IBAMA e Conselho Deliberativo da RESEX. Os moradores podem acessar estas áreas somente em casos de urgência ou necessidades especiais (deslocamentos, fiscalização, combate a incêndios florestais e outros definidos pelo Conselho Deliberativo) (BRASIL, p. 60, 2006).

Esta zona subdivide-se em 4 áreas localizadas nas regiões Norte e Oeste da Reserva, abrangendo os Seringais Nova Olinda, Tabatinga/Santana, Amapá, Icuriã e Petrópolis, conforme é exibido no Figura 27.

A introdução deste tipo de zoneamento é estranha à proposta original das RESEXs. Como foi visto, ela surge no momento em que as Reservas Extrativistas são transformadas em Unidades fazendas (MASCARENHAS, 2017)

de Conservação de Uso Sustentável, com a Lei nº 9.985/ 2000. Criou-se uma Zona restrita às pesquisas científicas que não admite a ocupação humana. O acesso a essas áreas só é admitido sob a autorização do órgão gestor da Reserva. Mais uma vez se manifesta o conflito sobre a apropriação tradicional do camponês da floresta sobre os recursos naturais e o neomito sobre uma natureza selvagem e intocada. Por mais paradoxal que seja as zonas primitivas são, na prática, espaços de uso restrito criadas dentro de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável76. Consideramos que essa definição tem potencial de criar mais contradições entre a reprodução camponesa dos moradores, que precisam ocupar novas áreas em razão do aumento das famílias, com os órgãos de gestão do Estado.

76 Aliás, “zona primitiva” é um nome inadequado, uma vez que a mata destes seringais não é propriamente primitiva.

Basta lembrar que antes da criação da RECM, eles eram parte da indústria gomífera existente no Acre e eram ocupados por centenas de seringueiros. Foi essa ocupação que conferiu, inclusive, os nomes a esses seringais.

4. OS SABERES DO CAMPONÊS DA