• Nenhum resultado encontrado

1.0 O REFERENCIAL TEÓRICO DA PESQUISA

2. DA FORMAÇÃO DO CAMPESINATO DA FLORESTA À CRIAÇÃO DAS RESERVAS

2.3. O avanço do capitalismo sobre a Amazônia na ditadura militar

Nas décadas de 1960 e 1970, o Estado brasileiro apresentou uma nova visão sobre a região da Amazônia e lançou mão de novas políticas institucionais de ocupação da região. Um reordenamento que, é bem verdade, já se encontrava de forma embrionária em políticas voltadas à Amazônia décadas antes na Velha República e durante o Estado Novo.

Como vimos, até a década de 1960, a economia amazônica girava em torno do extrativismo, como a produção do látex para a borracha. Apartir da instalação do regime militar em 1964, novos e mais poderosos agentes entraram cena:

A novidade agora é que ocorre uma internacionalização do grande capital internacional que, sob a tutela do próprio governo, se faz presente diretamente no interior do espaço amazônico. O grande capital extrarregional, tanto nacional como internacional, não explora mais a região de fora, como até a década de 1960 se fazia, mas a partir de dentro (PORTO-GONÇALVES, 2012, p.60).

Não se trata mais de um desenvolvimento com a floresta, mas sim contra a floresta. Não podemos deixar de mencionar que a nova realidade do país marcada por um regime de exceção, pela repressão aos movimentos políticos e sociais, pelo cerceamento da imprensa livre e dos direitos democráticos mais elementares, forjaram as condições políticas necessárias para que a Região Amazônica se tornasse alvo das ações do Estado, em uma escala inédita de violência e expropriações territoriais.

Todas as ações do regime ditatorial eram justificadas por um forte discurso ideológico supostamente nacionalista no qual a Amazônia era apresentada como um anecúmeno, um imenso “vazio demográfico e econômico”, “comparável as regiões polares”, conforme propaganda

institucional da época. Uma região que comprometia a soberania brasileira, ameaçada pelas pressões externas e internas. Portanto, era necessário “integrar para não entregar”, palavra de ordem que simbolizou o enquadramento da região às diretrizes da Doutrina de Segurança Nacional elaborada pela Escola Superior de Guerra. Dessa forma, “a efetiva integração da Amazônia ao processo de desenvolvimento econômico brasileiro será obtida através da ocupação efetiva e racional dos espaços vazios” (SUDAM, 1971, p. 13 e 16).

Mas qual espaço vazio? Aqueles que “apresentam potencialidade de recursos naturais” (SUDAM, 1971, p. 24). Nos projetos de ocupação da Amazônia, populações indígenas, ribeirinhos, posseiros, quilombolas e seringueiros sequer eram mencionados. Para essas populações sobraram às terríveis consequências do rolo compressor da ocupação da chamada “última fronteira”.

Com o objetivo de viabilizar a nova estratégia de desenvolvimento, foi colocada em curso a chamada “Operação Amazônia”, o que resultou na criação de um conjunto de instrumentos legais e na reconfiguração de instituições federais que atuavam na região. Assim, órgãos de planejamento regional foram substituídos, como foi o caso da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que cedeu lugar a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), em 196615. Como parte da Operação Amazônia, a Lei 5.174, de outubro de 1966, alterou e estendeu ainda mais a política de incentivos fiscais, incorporando fortemente a agropecuária. As empresas privadas de fora da Amazônia que investissem na região poderiam obter isenção de até 100% do Imposto de Renda (BRASIL, 1966). Também estariam isentas do imposto de exportação de produtos regionais e dos impostos sobre importação de máquinas e equipamentos.

Segundo Martins (2003), naquele momento o processo de expansão territorial do capital para a Amazônia responderia a um processo de acumulação primitiva, intimamente ligado à aliança entre os proprietários de terras com os capitalistas.

Pode-se falar em acumulação primitiva justamente porque por trás da figura do proprietário de terra estava a figurado empresário capitalista. Neste caso, porém, uma acumulação primitiva diversa do modelo clássico, pois o objetivo não era separar o trabalhador do seu meio de produção para convertê-lo em trabalhador para o capital. Concretamente, o que a expansão territorial do capital pretendeu foi se apossar da renda territorial viabilizada pela política de incentivos fiscais, meio de usar a renda fundiária como meio de acumulação não-capitalista do capital (MARTINS, 2003, p.95)

A compra de terras na Amazônia tornou-se um grande negócio, fonte de especulação e reserva de valor e, para as populações camponesas e indígenas, representou expropriação territorial,

15Com a Lei 5.122, de 28 de setembro de 1966, o governo transformou o Banco de Crédito da Amazônia S.A. em Banco

da Amazônia S. A. (BASA), o qual passou a ter suas atribuições ampliadas no tocante ao desenvolvimento regional. Em 28 de fevereiro de 1967, é assinado o Decreto-Lei 288, regulamentando a Zona Franca de Manaus (ZFM) e criando a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA).

violência e morte. O papel exercido pelo Estado no processo da transformação da terra em mercadoria foi fundamental. O investimento na compra de terras deixou de ser uma irracionalidade do capital, isto é, em um entrave à circulação e reprodução ampliada do capital, uma vez que comprar terra significa imobilizar o capital que poderia ser investido diretamente na produção (MARTINS, 1999). O Estado soluciona esta irracionalidade com os subsídios fiscais, o que possibilitou o pagamento da renda da terra capitalizada para que ela pudesse se integrar ao circuito de produção do capital. Conforme destaca Regina de Toledo Sader (1986, p. 27-28), que pesquisou neste período os conflitos de terra no Bico do Papagaio:

Sendo assim, a terra é hoje no Brasil, uma questão para o Estado, e é neste ponto que seu papel se torna fundamental. Se o Estado não pode substituir às contradições, ele pode agir sobre a evolução das mesmas, uma vez que o Estado não é exterior ao processo de acumulação, mas organicamente ligado a ele, e tem como função garantir essa acumulação nas melhores condições possíveis.

A Operação Amazônia foi uma expressão do desenvolvimentismo-autoritário e trazia uma concepção ideológica, caracterizando a Amazônia como “atrasada” e “subdesenvolvida”, uma região que precisava ser integrada à nação. Portanto, o governo ditatorial assume para si a condução da “integração” da região à “nação” brasileira e à modernidade. No entanto, sob o falso manto do nacionalismo, na política de segurança aplicada pela ditadura, conforme explica Oliveira (1991), encontrava-se um forte alinhamento ideológico do regime militar com os Estados Unidos, acobertando uma aliança entre o capital estrangeiro com o capital nacional. Dessa maneira, o regime militar reforçava o papel de subalternidade do Brasil diante dos países centrais do capitalismo, fomentando a exportação de produtos primários, particularmente na Amazônia, que cumpria um papel importante no modelo econômico dependente do chamado “milagre brasileiro”, pois ajudava, na produção de divisas e a sustentar o pagamento da dívida externa brasileira. Endividamento este que crescia na medida em que a ditadura implementava seus megaprojetos de infraestrutura país afora, e na própria Amazônia.

Conforme explica Oliveira (1991), a ocupação humana “racional” dos “espaços vazios” estava claramente orientada pelas grandes rodovias abertas e pelos projetos de colonização. Por meio do Decreto 1.106/70, o governo cria o Programa de Integração Nacional (PIN), cujo objetivo formal era garantir a integração por meio da construção de rodovias como a Transamazônica, ligando a região Norte ao Nordeste; a rodovia Belém – Brasília; a BR 368, ligando Acre e Rondônia; e a Cuiabá - Santarém, ligando o Mato Grosso à Transamazônica e ao porto de Santarém. Também encampava um programa de colonização na faixa de 10 km de cada lado das novas rodovias. Posteriormente, em 1971, realiza-se uma grande operação de federalização das terras, incluindo 100 km de cada lado das rodovias federais na Amazônia.

Os novos eixos rodoviários contrariavam a forma tradicional de circulação pela Amazônia, até então realizado pelos rios, e abriram novos acessos aos recursos naturais da região e aos grupos econômicos nacionais e internacionais. Milhares de hectares de terras foram vendidos a grandes grupos empresariais. Províncias minerais, como a Serra dos Carajás, foram abertas à exploração para grandes grupos econômicos nacionais e estrangeiros.

No que se refere ao Acre, o governador Wanderley Dantas (1971-1974) aliou-se à estratégia do regime ditatorial. Promoveu uma intensa campanha para atrair fazendeiros, empresários

interessados em adquirir terras no estado e ter acesso aos incentivos dados pela SUDAM. “O Acre, a nova Canaã. Um Nordeste sem seca, um Sul sem geada”, foi um dos muitos slogans adotados pelo governo na época. Em 1978, cerca de um terço das terras cadastradas do Acre se encontravam sob domínio de investidores do Sul e Sudeste (PAULA, 2005). Segundo Allegretti (2002), o governo do Acre se utilizava de falsas informações para atrair os investimentos. Apresentavam mapas que continham informações sobre uma rede de estradas e infraestrutura que simplesmente não existiam. Além disso, diziam que muitos seringais teriam a titulação regularizada, o que era falso. Os

fazendeiros passaram então, a comprar as terras e lotear os seringais, o que iniciou os conflitos com as famílias seringueiras que moravam na mata. O impacto foi brutal, especialmente em uma

sociedade na qual 72% dos seus habitantes viviam no campo, como foi o caso acreano.