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1.3 Juventudes. A experiência de ser jovem e sua atuação política na

1.3.1 O ambiente moderno contestado

16 Aqui a expressão assume o sentido de formas de ação, ou seja, as diversas formas de atuar dentro do movimento

estudantil e que podem mudar de acordo com o contexto sociopolítico ou com a própria demanda do movimento. Isto tudo deriva de uma necessidade primeira que está relacionada à questão “como agir?”.

É nas diversas maneiras juvenis de existir – em tempos e espaços sociais distintos – que devemos circunscrever a atuação política da juventude de ontem e de hoje entendendo-a como uma de suas expressões. Categoria em permanente mudança, a juventude despertou olhares distintos ao longo do tempo que acompanharam o ritmo das transformações histórico-sociais. Neste sentido, compreender as características do momento presente pode nos oferecer um caminho que elucide a heterogeneidade das experiências juvenis na sociedade contemporânea.

Muito embora não haja um consenso entre os cientistas sociais a respeito do status atual

das sociedades na passagem do século XX para o século XXI, todos concordam que transformações importantes ocorreram nos modelos de produção, distribuição e consumo da sociedade; na relação entre Estado e Sociedade Civil; na estrutura da família e nas relações entre o público e o privado remodelando os papéis sociais e sexuais; na emergência da indústria cultural e da publicidade e seu impacto na vida cotidiana das pessoas na criação de desejos, comportamentos e modas passageiras etc. Tais mudanças pesam sobre o sujeito remodelando sensibilidades e subjetividades reforçando uma cultura individualista.

O conjunto destas transformações gerou um intenso debate nas diversas áreas das ciências humanas que apontam para um cenário sociocultural distinto – caracterizado por muitos de pós-moderno – e que tem questionado as bases ontológicas da modernidade abrindo caminho para a crítica dos seus alicerces filosóficos, políticos e culturais. A emergência destas mudanças demandou uma série de esforços com vistas a captar a sua amplitude na sociedade, o que possibilitou o surgimento de novas teorias, epistemologias e posições políticas divergentes.

Movimento que começou nas artes e na arquitetura como crítica estética, logo se espraiou para campos distintos do pensamento passando a designar uma ruptura com os ideais iluministas de ciência, verdade e razão pertencentes ao mundo moderno e que compõem seus valores e princípios. No campo das Ciências Humanas, mudanças significativas no estatuto do saber eram apontadas abrindo caminho para a crítica às grandes narrativas e suas ideias de emancipação da sociedade colocando na berlinda qualquer discurso com vistas à formulação de projetos universais.

A passagem da fase industrial à pós-industrial e da cultura moderna à pós-moderna, em meados do século XX, provocou alterações significativas nas sociedades fortemente marcadas pela expansão da tecnologia informática e seu entrelaçamento nos mais diversos campos da vida social. Tal passagem evidencia um cenário de informatização da sociedade que tem um impacto direto sobre a ciência e o conhecimento moderno. As implicações deste cenário pós-moderno – notadamente marcado pelos dispositivos informacionais – recai sobre a concepção

de saber científico da modernidade provocando uma “deslegitimação” das metanarrativas de emancipação da humanidade que marcaram os enunciados científicos do século XIX e início do século XX (LYOTARD, 1888).

Ao apontar o status do saber e da produção científica contemporânea nas sociedades

informatizadas, Lyotard (1988, p.83) mostra que “a administração da prova, [...] passa assim a ser controlada por um outro jogo de linguagem onde o que está em questão não é a verdade, mas o desempenho [...]”. Para o autor, a ciência moderna – impulsionada pela razão e pela promessa de felicidade e emancipação humana – se caracterizava pela busca incessante da verdade. No entanto, o que esta concepção de ciência produziu foram visões totalizantes da história prescrevendo condutas éticas e políticas.

As observações de Lyotard em seu livro “A condição pós-moderna”, lançado em 1979, colocou em questão a validade, para os dias atuais, dos relatos de emancipação do cidadão e da sociedade sem classes aos quais os modernos recorriam tanto para legitimar como criticar seus saberes e suas ações. Para o filósofo, “a novidade é que, neste contexto [pós-moderno], os antigos pólos de atração formados pelos Estados-nações, os partidos, os profissionais, as instituições e as tradições históricas perdem seu atrativo” (LYOTARD, 1988, p.27-28).

Muito embora Lyotard se atenha às implicações do desenvolvimento das técnicas e das

tecnologias, a partir da Segunda Guerra Mundial, sobre o status do saber e da produção do

conhecimento nas universidades e centros de pesquisas, sua obra provocou um intenso debate despertando posições favoráveis e divergentes às suas assertivas. De modo geral, aqueles que se colocam a favor do pós-modernismo vão ressaltar as experiências e modos de subjetividade típicas da sociedade capitalista contemporânea como um sintoma de uma nova ordem internacional pós-moderna. Entre elas podemos destacar: a fragmentação, a falta de profundidade, o acaso (contra a ideia de projeto), a instabilidade, o presente como algo perpétuo (alterando assim a experiência de tempo), o individual (se opondo ao coletivo), a dispersão etc.

Na contramão dos argumentos pós-modernistas vamos encontrar vozes dissonantes que vão procurar realinhar as transformações que se abateram sobre as sociedades, a partir da segunda metade do século XX, com o impulso transformador que é típico da modernidade e já ressaltado por autores, como Marx e Engels, que afirmaram que “essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes” (2010, p.43, grifo nosso). Para os defensores da modernidade, as mudanças ocorridas no seio das sociedades de capitalismo avançado estão em sintonia com esse movimento constante de autotransformação da era moderna.

Seguindo Ernest Mandel, Jameson (1997) concorda que o capitalismo teria passado por três estágios, são eles: 1) capitalismo de mercado, 2) capitalismo imperialista (ou monopolista)

e, 3) capitalismo tardio17. Assim, como afirma o autor, seus estudos “[...] devem [...] ser

entendidos como uma tentativa de teorizar sobre a lógica específica da produção cultural nesse terceiro estágio” (JAMERSON, 2006, p.68).

Para Jameson, o pós-modernismo se apresenta como a dominante cultural que se instaurou em fins dos anos 1950 e começo dos anos 1960. Se para cada estágio do capitalismo correspondeu um estilo cultural específico, no capitalismo tardio a pós-modernidade é o modelo cultural dominante. Sua análise, que se alinha à corrente marxista, procura entender os fenômenos da sociedade contemporânea a partir de uma perspectiva totalizante e dialética, uma clara provocação aos estudos fragmentários pós-modernistas. Para tanto, se vale de uma gama de produtos culturais contemporâneos como: o vídeo, imagens publicitárias, o cinema, a arquitetura pós-moderna, diversos textos e obras de arte que são analisados em seus pormenores como elementos que se harmonizam com a lógica de funcionamento pós-moderna.

Ao reconhecer as transformações pelas quais passaram o capitalismo, cada uma engendrando dinâmicas culturais específicas, Jameson insere seu estudo dentro de uma perspectiva histórica reconhecendo que não há uma ordem social nova (pós-industrial), mas uma transformação do capitalismo na contemporaneidade que possibilitou uma nova dinâmica cultural: “o pós-modernismo não é a dominante cultural de uma ordem social totalmente nova [...] mas é apenas reflexo e aspecto concomitante de mais uma modificação sistêmica do próprio capitalismo” (JAMESON, 1997, p. 16). Para isso, os pré-requisitos (tecnológicos) que engendraram estas mudanças já estavam postos desde o final da Segunda Guerra Mundial. No campo da cultura, as transformações sociais dos anos 1960 que permitiram o rompimento com a tradição e o conservadorismo e que provocaram uma ruptura entre gerações, possibilitou todo

um habitus psíquico de uma nova era sendo, desta forma, sua precondição (JAMESON, 1997,

p. 23).

A leitura do pós-modernismo como um desdobramento do capitalismo tardio permitiu

a Jameson realinhar o debate sobre o status sociocultural contemporâneo nos trilhos do

marxismo. Neste sentido, sugere, assim como Marx no Manifesto, uma avaliação dialética do momento atual em que o pós-modernismo é a dominante cultural. Diante de novas práticas estéticas, situações históricas e dilemas novos, Jameson propõe, se é que é possível, uma nova cultura política e pedagógica chamada de “estética do mapeamento cognitivo” que permita

17 O autor usa outros sinônimos como: capitalismo multinacional, sociedade do espetáculo ou da imagem,

“[...] a representação situacional por parte do sujeito individual em relação àquela totalidade mais vasta e verdadeiramente irrepresentável que é o conjunto das estruturas da sociedade como um todo” (JAMESON, 1997, p. 76) e que possibilite ao indivíduo uma melhor compreensão de seu lugar neste sistema global.

Parece ser consenso entre cientistas políticos e sociólogos que atingimos uma crise das instituições de representação política em que as práticas engendradas em seu interior já se mostram esgotadas, o que tem gerado uma série de protestos e movimentos de contestação pelo mundo – entre eles o dos estudantes. De diferentes formas, se fala hoje da necessidade de uma “nova política”, de novos modelos e práticas políticas mais coerentes com o momento presente. O projeto de Jameson parece se encaixar nesta perspectiva.

Mais adiante retomaremos este ponto. No momento, basta dizer que não é nosso objetivo

aqui fazer um apanhado de todos as opiniões prós e contra a modernidade18. Acreditamos que

a exposição geral da discussão feita acima, a partir dos dois autores aqui apresentados, é capaz de situar o leitor nas principais linhas de argumentação deste debate. Além do mais, há uma

vasta bibliografia nas ciências sociais sobre o assunto19. O que nos interessa nessa discussão –

e que creio ser um consenso tanto entre os defensores da modernidade quanto da pós-modernidade – são as novas formas de experiências culturais e sociais que emergiram a partir dos anos 1960 e seus efeitos objetivos e subjetivos no plano da existência humana e mais especificamente nas novas formas de expressão cultural e na experiência política da juventude.