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CAPÍTULO 2 – HISTÓRIA DE UMA EXPERIÊNCIA: O “FAZER-SE” DO MOVIMENTO

2.1.2 Jango e os estudantes pela defesa dos princípios democrático

Como assinala Ianni acima, o desenvolvimento econômico observado nos anos JK desencadeou uma nova dinâmica na estrutura da sociedade brasileira que fez emergir o espaço

urbano como principal locus dos acontecimentos e das decisões políticas. O ambiente

democrático pelo qual passara o Brasil nos últimos anos se viu ameaçado quando, depois do governo JK, Jânio Quadros assume em janeiro de 1961 para renunciar em agosto do mesmo ano. A constituição vigente à época garantia a posse do vice-presidente que, neste caso, era João Goulart. No entanto, Jango não era bem quisto entre os militares, estes o acusavam, “[...] de ser um notório agitador dos meios operários e de ter entregue a ‘agentes do comunismo

internacional’ posições-chave nos sindicatos, assim como de ter enaltecido o sucesso das comunas populares durante sua recente visita à China comunista” (SKIDMORE, 1982, p.257). Frente às forças que se opunham ao direito constitucional de João Goulart assumir a presidência – principalmente militares e membros da UDN –, formou-se uma “Campanha da Legalidade” com o objetivo de garantir a sua posse. A União Nacional dos Estudantes (UNE), juntamente com setores da sociedade civil como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola e outros fizeram parte desta campanha. Na ocasião, o jornal O Metropolitano, da União Nacional dos Estudantes (UNE), publicou a seguinte nota:

A Constituição Brasileira, que os estudantes com seu sangue ajudaram a ser criada, há alguns anos atrás, não será desrespeitada. Desde as primeiras horas da crise, a União Nacional dos Estudantes tem estado alerta e ativa na defesa da democracia e do regime. Fecharam nossa sede, perseguem nossos líderes, repelem nossas manifestações à força. Mas os estudantes hão de resistir... Não podemos aceitar qualquer espécie de golpe, e exigimos que seja cumprida à risca a letra da Constituição (MENDES JR, 1982 apud SANTANA, 2007, p. 20).

O apoio dos estudantes na defesa dos princípios democrático representou uma força de peso ajudando a fortalecer a opinião pública pela “Legalidade com Jango”, o que possibilitou a sua condução ao posto de Presidente da República em setembro de 1961. No entanto, a solução para o impasse só se deu com a adoção do regime parlamentarista, saída encontrada após negociação entre as forças políticas de então com os militares, o que limitava bastante o poder do novo presidente.

No início dos anos 1960, as transformações nas estruturas econômicas impulsionadas pela rápida industrialização – com reflexo nas relações entre as diferentes classes –, bem como o desenvolvimento das instituições políticas, estas em constante disputa pelos vários grupos de poder e interesses ideológicos, possibilitou um avanço dos movimentos sociais tanto na cidade quanto no campo e o surgimento de novos atores políticos.

Neste sentido, o surgimento das Ligas Camponesas, principalmente no Nordeste brasileiro, representou um avanço na organização dos trabalhadores rurais em prol da reforma agrária e de melhores condições de vida no campo. Parte da igreja católica, notadamente seu setor mais progressista, também assumiu um papel de destaque neste momento ao desenvolver um trabalho com as camadas populares através do Movimento de Educação de Base (MEB) com implantação de escolas radiofônicas com vistas a alfabetização de jovens e adultos da população carente.

Os desafios que o então presidente João Goulart teria que enfrentar não eram poucos. Havia por parte dos diferentes setores da sociedade uma grande expectativa sobre como se daria o seu governo – sem falar da desconfiança dos militares e setores da burguesia quanto as ligações de Jango com os ideais comunistas e o populismo. Neste momento, o Brasil passava por um período de crise política e econômica. No caso da primeira, evidenciada pela repentina renúncia de Jânio Quadros e os desdobramentos que levaram João Goulart ao poder. Quanto a crise econômica que Jango teria que enfrentar, esta “[...] manifestou-se da seguinte forma: reduziu-se o índice de investimentos, diminuiu a entrada de capital externo, caiu a taxa de lucro e agravou-se a inflação” (IANNI, 1991, p.196).

Assim sendo, no nível interno, o acirramento das lutas de classes foi notório, uma vez que a sociedade civil tornou-se mais ativa diante da ampliação da participação política e da organização dos trabalhadores urbanos e rurais. Outros setores da sociedade também se organizaram e participaram ativamente das mobilizações em favor das Reformas de Base, como os estudantes e os militares subalternos (sargentos, marinheiros etc.) (GERMANO, 1994, p.50).

O conjunto de medidas político econômicas propostas pelo governo João Goulart, denominadas de Reformas de Base, pretendiam abranger uma série de iniciativas governamentais que englobavam as reformas agrária, urbana, fiscal, bancária, universitária e administrativa como forma de tentar resolver a crise política e econômica a partir de mudanças estruturais com vistas a superação do subdesenvolvimento e diminuição das desigualdades sociais no Brasil. No entanto, tais reformas representavam

[...] um ataque indireto aos problemas mais difíceis e controvertidos da estrutura social brasileira e, portanto, da política interna”. Não tendo conseguido convencer o Congresso da necessidade de uma transformação da estrutura agrária rural, Jango lançava mão unilateralmente do decreto (SKIDMORE, 1982, p.350).

A dificuldade de João Goulart de atrair o apoio político necessário para as reformas de base está ligada ao alto grau de conservadorismo da elite brasileira que não via com bons olhos a questão da reforma agrária pretendida pelo governo. A insistência de Jango pelas reformas acirrou ainda mais a desconfiança em relação ao seu populismo junto às massas, aumentando os temores de que ele pretendesse instaurar um governo comunista no Brasil.

A reação conservadora não tardou, se manifestando, principalmente, na “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” organizada pela igreja católica em março de 1964, portanto, um mês antes do golpe militar. A base social necessária para o golpe de estado estava formada.

Com a insatisfação da burguesia nacional, de setores da igreja e da classe média somadas a insatisfação dos militares com os rumos da política, em 31 de março de 1964 foi deflagrado o golpe militar com o intuito de conter o “avanço comunista” e reestabelecer a ordem – gesto amplamente comemorado pelos meios de comunicação conservadores da época que logo se apressaram em celebrar a “revolução” de 1964.

Com tal gesto, a elite política brasileira demonstrava, mais uma vez, a sua grande habilidade e disposição para resolver os problemas políticos nacionais via golpe de Estado. Por sua vez, o movimento estudantil viveria o período mais difícil de sua existência saindo, forçosamente, de uma atuação institucionalizada para a luta na clandestinidade.

Os primeiros anos da UNE representaram seu momento de institucionalização e afirmação enquanto agente político voltado não só para as questões restritas ao campo da educação, mas também para as questões mais amplas da política nacional. Assim, o movimento estudantil se fez num processo ativo que envolve, por um lado, os condicionamentos e, por outro, a ação humana que evidencia, em grandes traços, a defesa dos interesses nacionais (campanha “O petróleo é nosso”), da legalidade e da democracia ("Campanha da Legalidade" em favor de João Goulart) e da ampliação do acesso ao ensino superior (reforma universitária).