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CAPÍTULO 3 – QUE A UNIVERSIDADE SE PINTE DE POVO: UNIVERSIDADE PÚBLICA,

3.2. Universidade pública e projeto de sociedade

A universidade enquanto instituição que se dedicada a produção e transmissão do conhecimento e com a produção científica e tecnológica de um país ocupa um espaço de grande importância para o desenvolvimento não apenas econômico, mas cultural de uma nação. Por sua vez, a política – entendida também como esfera de tomada de decisão – é o meio através do qual se pode viabilizar tal desenvolvimento, tanto no campo econômico como no campo cultural.

Ao analisar a história da política econômica governamental brasileira (1930 a 1970), Ianni (1991) destaca que esta oscilou, como um movimento, entre duas tendências principais

indo do capitalismo nacional ao capitalismo associado ou dependente51. Cada uma destas

tendências exprime projetos de nação distintos que envolvem concepções políticas, econômicas e ideológicas também distintas. É importante não perdermos a analogia de vista.

Um olhar atento para a política econômica adotada pelos governos brasileiros nas últimas décadas nos mostra que estas duas tendências – a do capitalismo nacional e a do capitalismo associado/dependente – continuam atuando na política brasileira exprimindo concepções de Estado, de política econômica e de ideologia distintas. Como vimos mais acima, após os governos militares, o Brasil, no plano político, se democratizou a partir de uma ampla mobilização popular que colocou o país nos trilhos das nações republicanos. No entanto, as

51 No capitalismo nacional, o Estado se torna o principal centro de decisão sobre a política econômica agindo como formulador, orientador e executor dos programas de desenvolvimento do país. Neste sentido, assume uma postura de política externa independente em que o país passa a ser visto como uma potência autônoma. O capitalismo nacional, baseado na política de massas e no populismo, predominou nos anos 1930-45, 1951-54 e 1961-64 e pressupunha uma hegemonia do Brasil nas relações com os países da América Latina e da África. No capitalismo associado, o desenvolvimento econômico depende da associação, seja direta ou indireta, entre capitais e interesses políticos nacionais e estrangeiros. Muito embora o teor econômico deste padrão de capitalismo tenha entrado em execução plena com governo de Juscelino Kubitschek e o programa de metas de sua equipe econômica, o seu teor político assume forma mais ampla a partir de 1964 com o golpe militar. Assim, o que antes estava restrito apenas ao plano econômico, passou, a partir de 1964, a abranger o encadeamento entre o econômico e o político, o militar e o cultural (IANNI, 1971; 1991).

posições econômicas de caráter associado/dependente adotadas tanto antes quanto depois dos governos militares tiveram como resultado posterior a adoção de um Estado mínimo, ou seja, um Estado cada vez mais desobrigado de sua função de gerir os recursos sociais para a promoção de políticas públicas nas mais diversas áreas.

O reflexo das posições político-econômicas sobre a educação brasileira – desde as reformas educacionais impostas à época da ditadura até os dias atuais – tem sido ressaltado entre os estudiosos deste campo como algo danoso, uma vez que expressam uma “[...] intervenção do Estado com vistas a assegurar a dominação política existente, a manutenção do processo de acumulação de capital e, por vezes, afastar focos de tensão e de conflito [...]” (GERMANO, 2011, p. 32).

Também pelo fato da legislação educacional preservar “[...] o sentido social da educação enquanto mecanismo de ascensão social, legitimação das diferenças e justificação dos privilégios” (SAVIANI, 2015, p.161) ou de tais políticas públicas moldar o ensino superior segundo os padrões de uma “universidade administrada” (CHAUÍ, 2001). Desta forma, compreender a situação da universidade brasileira passa, segundo Frigotto (2006, p.22), pela compreensão desta como “[...] expressão contraditória do projeto de sociedade e de relações de poder dominantes entre capital e trabalho”.

Estudioso da ordenação jurídico-política da educação brasileira, Dermeval Saviani observa que

[...] a orientação neoliberal adotada pelo governo Collor e agora pelo de Fernando Henrique Cardoso vem se caracterizando por políticas claudicantes: combinam um discurso que reconhece a importância da educação com a redução dos investimentos na área e apelos à iniciativa privada e

organizações não governamentais, como se a responsabilidade do Estado

em matéria de educação pudesse ser transferida para uma etérea “boa vontade pública” (SAVIANI, 2011, p.262, grifo nosso).

Ao examinar o texto da Lei de Diretrizes e Base (LDB) que rege a educação brasileira promulgada em 1996, Saviani (2011, p.261) destaca a oportunidade perdida naquele momento: “Desta vez, a circunstância da elaboração de uma nova LDB, propiciada pela Constituição de 1988, criou novas esperanças que resultaram frustradas pela ofensiva neoconservadora que logrou tornar-se politicamente hegemônica a partir de 1990”. A esperança frustrada, para Saviani, diz respeito ao projeto que as sociedades modernas estabeleceram como fim entre os séculos XIX e XX, ou seja, uma educação pública, nacional e democrática adequada às necessidades e aspirações da população brasileira. Assim, “como resultado, o déficit histórico

em matéria de educação foi se acumulando de forma a neutralizar os pequenos avanços obtidos” (SAVIANI, 2011, p.261).

Retomando a metáfora do pêndulo evocada por Ianni (1991), percebemos os diferentes projetos de sociedade postos em movimento por classes, grupos e forças políticas antagônicas e seus desdobramentos sobre a política de educação brasileira. No entanto, as forças que regem a dinâmica do pêndulo resultam dos embates dessas mesmas classes, grupos e forças políticas antagônicas que ora se repelem, ora se aproximam de acordo com seus projetos de poder e com as oportunidades apresentadas.

Foi assim que, dentro desse movimento pendular, a síntese dos embates entre classes, grupos e forças políticas antagônicas fizeram emergir ao poder, em 2003, um grupo político identificado com a ideia de um capitalismo nacional, de relação autônoma e soberana com as demais nações e com forte apelo popular e democrático.

Apoiado num amplo pacto de classes52, a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao

governo brasileiro foi acompanhada de grande expectativa por parte dos setores mais progressistas da sociedade. Como procuramos mostrar acima, na área da educação, a política dos governos do PT – Lula e Dilma – priorizaram a ampliação e democratização ensino público (e também privado) com investimentos maciços por parte do Estado nesta área. Impulsionado pelo ciclo expansivo da economia brasileira, ainda no governo Lula, os investimentos dos governos do PT na educação, através de programas e políticas públicas, representaram um visível avanço em relação ao período FHC.

No entanto, a melhora na quantidade dos investimentos na educação por parte dos governos petista não foi acompanhada de uma melhora na qualidade do sistema de ensino público brasileiro, principalmente na educação básica (de responsabilidade dos Estados e municípios). No caso da educação superior, o grande volume de investimentos feitos nesta área promoveram mudanças importantes como a reestruturação e a ampliação das estruturas da universidade, renovação de equipamentos, contratação de professores, ampliação de bolsas de estudos, verbas para a assistência estudantil etc. No entanto, a crise econômica, ampliada pela crise política brasileira, e o entendimento da educação não como investimento, mas como gasto, tem prejudicado a eficiência de políticas públicas como o REUNI e seu efetivo potencial de

52 Para Boito (2012), nos governos Lula houve uma alteração no interior do bloco do poder no qual o capital financeiro internacional e uma fração da burguesia brasileira subordinada a ele – amplamente beneficiadas pela política econômica dos anos 1990 – perdem espaço para a grande burguesia interna. Segundo o autor a grande burguesia interna – formada por setores variados como: grupos industriais, do agronegócio, da construção civil, bancos, setores dos movimentos sociais etc.) compôs uma frente neodesenvolvimentista que deu a base de sustentação ao governo petista.

transformação do ensino público superior. A situação se torna mais dramática tendo em vista o quadro mundial de mercantilização da educação e predomínio da lógica do mercado.

Segundo LÉDA e MANCEBO (2009, p.55), muito embora a Constituição Federal de 1988, no seu Artigo 207, fale da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão – assim como o Artigo 52 da LDB –, "Todavia, surpreendentemente, a palavra ‘pesquisa’ não aparece uma só vez no Decreto que determina o REUNI [...]”. Assim, a política de reforma do ensino superior, financiada pelo REUNI, só visou o ensino e não a pesquisa, o que para as autoras foi visto à época como algo problemático. No tocante à autonomia da universidade em relação a aplicação dos recursos, esta deixa de existir uma vez que os recursos do REUNI não poderiam ser utilizados de outra maneira que os definidos no decreto. Outro ponto diz respeito ao estudante e a universidade: o acesso em massa de camadas populares ao ensino superior, sem o aporte de recursos suficientes, tem favorecido a precarização da instituição e um ensino de qualidade duvidosa, além da precarização da própria situação do estudante na universidade (LÉDA; MANCEBO, 2009).

Em publicação que trata da universidade pública brasileira, Chauí (2001) afirma o caráter heterônomo das instituições de ensino superior no Brasil, tendo em vista que estão submetidas a forças exteriores a ela própria e a pressões de órgãos internacionais. Para a autora, há uma visível sujeição do Ministério da Educação e Cultura ao Ministério do planejamento, sendo o primeiro um mero apêndice do segundo. Assim,

[...] com a subordinação da universidade ao Ministério do Planejamento, o ensino superior passa a funcionar como uma espécie de “variável flutuante” do modelo econômico, que ora é estimulada com investimentos ora é desativada por cortes de verbas, segundo critérios totalmente alheios à educação e à pesquisa, pois determinados exclusivamente pelo desempenho do capital (CHAUÍ, 2001, p.52-53).