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Sinestesia: Definição e algumas considerações

2 RECAPITULAÇÃO TEÓRICA

2.1 Delimitação Audiovisual

2.4.1 Sinestesia: Definição e algumas considerações

O termo sinestesia usualmente traz consigo a proposta de um parâmetro que pertence a um sentido específico, generalizando-o como pertencente a vários sentidos. Sua denominação vem “[...] do grego sýn, reunião, ação conjunta + aísthesis, sensação, a sinestesia é definida como a mistura espontânea das sensações” (CAZNOK, 2003, p. 110).

Sinestesia pode ser interpretada como “[...] um fenômeno que ocorre quando um estímulo em uma modalidade sensória imediatamente evoca uma sensação em outra modalidade” (CAMPEN, 2008, p. 1).

Historicamente o termo sinestesia é aplicado a dois diferentes fenômenos. Um ligado à questão psicológica onde ocorre uma co-sensação, como, por exemplo, perceber uma determinada cor ao escutar um som. “Este é um fenômeno raro considerado uma anormalidade do cérebro” (GALEYEV, 2001, p. 362).

Neurologistas afirmam que “[...] na sinestesia, regiões do cérebro que normalmente não se comunicam, como os córtices ligados ao visual e ao sonoro, mostram sinais do que é conhecido como crosstalk. Como conseqüência, estes sinestésicos experimentam o mundo de uma maneira diferente do resto das pessoas. Para eles, é difícil imaginar que outros não podem ouvir músicas nas cores” (CAMPEN, 2008, p. 1).

A dúvida se a sinestesia realmente ocorria às pessoas que se diziam sinestésicas ou se somente era fruto de uma imaginação ou alucinação gerou diversos tipos de testes20 e exames a fim de comprovar esta característica.

Exames em cérebros de sinestésicos tinham como intenção remover as dúvidas dos céticos. Eles fornecerão provas da existência neurológica da sinestesia. Experimentos que compararam a atividade no cérebro de sinestésicos com não sinestésicos revelaram que há diferenças neurológicas nas respostas ao mesmo estímulo. (CAMPEN, 2008, p. 5)

Duas observações podem ser realizadas com relação a esta sinestesia. A primeira corresponde a grande variedade de relações possíveis e diferentes entre os diferentes sinestésicos, o que acaba gerando dúvidas com relação à validade deste fenômeno.

20 Não entraremos em detalhes com relação a estes testes mais eles podem ser encontrados em

“Verificou-se que a uma enorme desproporção entre os tipos de sinestesia mais freqüentemente encontrados” (CAZNOK, 2003, p. 110). Estas diferenças podem ser exemplificadas através das relações de sons e cores de Scriabin e Korsakov:

Fig. 4 – Correspondências de cores em Scriabin. Fonte: CAZNOK, 2003, p. 48.

Fig. 5 – Correspondências de cores em Korsakov. Fonte: CAZNOK, 2003, p. 44.

Outra observação refere-se a dúvida do fato de a sinestesia ocorrer em “mão única”. Ou seja, uma sensação é evocada por um sentido diferente, mas o contrário não ocorre. Caznok afirma que ela opera apenas em uma direção:

“Descobriu-se, também, que a sinestesia opera em apenas uma direção, ou seja, os dois sentidos envolvidos não se evocam mutuamente: se o paladar remete à audição, esta não o provoca reciprocamente” (CAZNOK, 2003, p. 110).

No entanto, novos estudos admitem as duas formas de correspondências. Mas a bibliografia indica uma variedade muito maior de estudos que indicam apenas um caminho para a troca de sensações.

Até recentemente, cientistas assumiam que sinestesia era um processo de uma via. Em 2005, novos experimentos científicos produziram evidência que sinestesia pode ser um processo de duas vias. Foi descoberto que informações são trocadas entre os domínios sensórios, o que contradiz a suposição que a informação na sinestesia é transportada de um domínio sensório a outro. (CAMPEN, 2008, p. 17)

Outra forma de interpretar a sinestesia consiste em considerá-la como uma associação inter-sensorial21 ou pensamento metafórico22, mais relacionado às artes. “Neste sentido praticamente todas as pessoas são sinestésicas. É uma habilidade comum (de outra maneira nós não conseguiríamos compreender artistas que usam significados e métodos sinestésicos)” (GALEYEV, 2001, p. 362).

Galeyev em seu artigo denominado What is Synaesthesia: Myths and Reality de 1999, considera a sinestesia uma manifestação específica de um pensamento não-verbal

21 Tradução de intersensory association. 22 Tradução de metaphorical thinking.

através de comparações e similaridades estruturais, semânticas e emocionais, e não da percepção das impressões em diferentes modalidades. Assim, define esta outra forma de sinestesia como algo cultural, social e não como um fenômeno biológico como na descrita acima, na sinestesia interpretada como anormalidade.

Campen denomina esta forma de metáforas sinestésicas, e se assemelha muito à proposta por Galeyev.

Metáforas sinestésicas são figuras de linguagem onde significados são transpostos de um domínio sensorial a outro. Todos sabem o que significa um ‘som escuro’, quer sejamos sinestésicos ou não. Mas apenas em um sinestésico o som de um baixo evocará a percepção de uma cor escura. (CAMPEN, 2008, p. 92)

Ou seja, se trata de uma a diferença entre compreender e perceber. “[...] a metáfora sinestésica é um meio que relaciona um sentimento para um não sinestésico, e que pode ser uma percepção verdadeira para um sinestésico” (CAMPEN, 2008, p. 92).

Neste sentido, a sinestesia pode ser usada para transpor elementos de um meio perceptivo para outro. “Uma obra, peça, pode envolver a análise e a criação de uma estrutura no domínio sonoro e transpor esta informação na forma visual” (OX, 1999, p. 391).

O problema que consideramos da sinestesia ocorre em função dos parâmetros utilizados possuírem características que emergem e se destacam em demasia a um dos sentidos em especifico e sua utilização de maneira generalizada. Observamos no decorrer de nossa exposição, por exemplo, uma grande diferença entre um sinestésico e outro com relação a qual cor corresponde a qual altura.

Neste sentido, as relações propostas através da sinestesia podem correr o risco de serem perceptíveis apenas em um único evento, e apenas nele, como no caso de uma

obra audiovisual apoiada mais na poética e metáfora ou em um teste de laboratório. Sua generalização pode parecer por demais arbitrária. Esta não é só uma característica da relação cor-sonoridade, mas de correntes que buscam encontrar semelhanças estruturais em diversos campos de estudo. Por exemplo.

Em um experimento realizado pelo psicólogo da teoria da gestalt Wolfgang Köeler (1929) e refinado posteriormente por Werner (1934), dois desenhos [...] foram mostrados para uma variedade de pessoas. Quando perguntaram ‘Qual deles era o Bulba e qual era o Kiki? 90% das pessoas decidiram que a forma redonda era o ‘Bulba’ e a forma pontuda o ‘Kiki’. O veredicto esmagador é impressionante. [...] Em um trabalho sobre sinestesia, Ramachandran e Hubbard (2001) apresentaram fortes evidencias circunstanciais que o efeito Bulba/Kiki é criado por conectividade Cross-modal no cérebro [...] Em outras palavras, todos nós somos sinestésicos em algum grau. (JONES, NEVILE, 2005, p. 56-57)

Se uma obra fosse composta na qual a estrutura e o contexto, invertesse a proposição acima, definindo que a forma redonda fosse denominada “Kiki” e a pontuda “Bulba”, alguém se atreveria a dizer que estaria errado, pois testes demonstraram que 90% das pessoas efetuaram a relação oposta? Ou então, Korsakov se importaria se observasse uma obra na qual se relacionou à tonalidade de Dó Maior com a cor Azul? Provavelmente se incomodariam àqueles que se incomodam que um acorde de Sol Maior com sétima menor não resolva em algum tom fundamental, ou que um quadro não esteja construído sobra a seção áurea ou alguma perspectiva.

A posição de Michel Chion corrobora esta nossa afirmação, pois considera que nossos sentidos não correspondem a percepções homogêneas: “[...] a noção de sinestesia não se aplica mais, a partir do momento onde se toma consciência que cada sentido não representa um domínio de percepções homogêneas” (CHION, 2004, p. 61); e que isso também depende da terminologia utilizada: “[...] tudo depende daquilo que se denomina

‘som’: o valor que o som faz emergir, valor de altura, por exemplo (é sobre o qual Castel basearia seu teclado de correspondências)” (CHION, 2004, p. 579).

O autor considera também, que a generalização de tal relação se deve mais a fatores culturais e sociais do que propriamente uma teoria :

A cada um suas correspondências pessoais. O que nos leva a pensar que elas podem ser influenciadas por poderosos fatores culturais, individuais, históricos [...] Nós somos por nossa parte muito scépticos, não sobre o fenômeno, inegável, de ‘audições coloridas’ e outras ‘sinestesias’, mas sobre o caráter utilizável e generalizável de uma teoria a este sujeito. (CHION, 2004, p. 59)