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3.4 – Análise das cenas e personagens cômicas

3.4.1 – Primeiro ato a comicidade do surdo

Na abertura da peça, antes de Fernando e Perdinari entrarem em cena, há um diálogo cômico entre Velasco e De La Torre. O engraçado nesta conversa é o desentendimento provocado pelo problema de surdez do primeiro. Henri Bergson, em seu ensaio sobre a comicidade, comenta sobre o cômico de caráter, que se relaciona com essa característica de Velasco:

A verdade é que a personagem cômica pode, a rigor andar em dia com a moral estrita. Falta-lhe apenas andar em dia com a sociedade. (...) Um vício flexível seria menos fácil de ridicularizar que uma virtude inflexível. É a

rigidez que parece suspeita à sociedade. (...) Quem quer que se isole

expõe-se ao ridículo, porque a comicidade é feita, em grande parte, desse isolamento. Assim se explica por que a comicidade é tão frequentemente relativa aos costumes, às ideias – aos preconceitos de uma sociedade, para darmos nomes às coisas.

No entanto, cumpre reconhecer, para mérito da humanidade, que ideal social e ideal moral não se diferem essencialmente. Podemos, portanto, admitir que, em regra geral, são exatamente os defeitos alheios que nos fazem rir, - desde que acrescentemos, é verdade, que esses defeitos nos fazem rir em razão da sua insociabilidade, e não da sua imoralidade. (BERGSON, 2007: 103 e 104)

De maneira resumida, Bergson concluí que o riso é produzido a partir do isolamento social de um indivíduo que apresenta um comportamento rígido. Nesta perspectiva, o fato de Velasco não ouvir é uma característica que o limita socialmente e o afasta das pessoas, por não ter a flexibilidade auditiva necessária para travar uma conversa dinâmica, além de desencadear uma série de equívocos

na comunicação e durante a maior parte do tempo permanecer à margem dos acontecimentos mais importantes do primeiro ato. Ao final do primeiro diálogo da peça, além de Velasco não compreender adequadamente o que De La Torre lhe diz, ainda acha que ele seja surdo também. Como podemos observar no diálogo seguinte:

TORRE – (mais alto) Este whisky não é falsificado? VELASCO - Ah!... Sou sim senhor.

TORRE - (admirado) Hein?!... VELASCO - Hein!?...

TORRE - (a Francisco, irritado) Não há nada pior do que conversar com

uma pessoa surda. (une a palavra ao gesto, indicando o ouvido)

VELASCO - (a Francisco, apontando Torre) Ele é surdo!... Ah, bom! (volta

ao balcão)

(PIMENTA, 2005: 203 e 204)

Nesta passagem é cômica a confusão que Velasco, por não ouvir bem, comete ao achar que De La Torre lhe perguntara alguma coisa a seu respeito, quando na verdade indagava sobre o uísque servido. Em seguida há uma passagem ainda mais engraçada, quando o dono do bar se equivoca ao compreender que o seu interlocutor seja surdo. Com isso, Velasco demonstra não ter consciência de seu problema auditivo, principalmente por agir sem considerar esta questão. A inconsciência é destacada por Bergson como uma premissa relevante para a personagem cômica.

A surdez também possibilita que De La Torre apresente suas intenções, como a de matar Perdinari, na presença de Velasco. Esta é uma característica interessante desta personagem: estar presente em cena a maior parte do tempo sem interferir na história e nem intimidar as demais personagens. Dessa forma, parte da construção cômica se dará a partir de suas ações cênicas ou atividades, como enxugar os copos do bar, que podem se tornar risíveis dependendo da maneira que forem realizadas. Sendo interpretado pelos palhaços, já havia a propensão de tornar estas ações ainda mais engraçadas por meio de sua atuação específica.

Após a entrada de Perdinari e sua conversa com De La Torre, responsável por aumentar ainda mais a tensão deste ato, Velasco volta à cena e comete um equívoco relacionado ao pagamento do aluguel, numa cena cômica muito interessante. O diálogo apresenta um movimento crescente no desentendimento do italiano com o dono do bar. Quando o primeiro lhe pede água, Velasco entende se

tratar do dinheiro, depois quando questiona faltarem cem cruzeiros, ele confunde e traz a água. Porém, na terceira vez, Perdinari já está muito nervoso e lhe fala de maneira “quase desesperada”, de acordo com a rubrica, gesticulando muito.

PERDINARI - Per la Madonna! Toda vez que venho aqui e o empregado

não está, é assim. Me deixa quase louco! (entra Velasco, trazendo água) Eh!... não estou falando?... (apanha o copo, põe sobre a mesa e, quase desesperado) Faltam cem cruzeiros! (pausa) Cem fiorins!! (pausa) Cem massones!!! (corta. Rápido para Torre) Que é que eu vou falar mais?

TORRE - Fala-lhe por sinais.

PERDINARI - (abrindo as duas mãos) Faltam cem cruzeiros! Não foi isso

que eu pedi. Faltam cem cruzeiros.

VELASCO - Ah! Dez copos d’água? (vai a sair e Perdinari segura-o)

PERDINARI - Não! (explica a frase mais com gestos do que com palavras)

Aqui faltam cem cruzeiros!

VELASCO - Ah, faltam cem cruzeiros? Eu vou buscar. Por que não falou

antes? (sai)

(PIMENTA, 2005: 223 e 224)

A crescente irritação de Perdinari em contraste com as reações passivas de Velasco se torna cômica. Principalmente ao final, quando o surdo finalmente compreende e lhe pergunta por que não dissera antes aquilo que tanto se esforçava para dizer. A cena toda é criada para este desfecho inusitado e, portanto, ainda mais engraçado: o italiano gesticulando e perdendo a paciência em contraponto com Velasco, que não percebe os equívocos que comete. Novamente se trata do cômico suscitado através da inconsciência de seu defeito físico e dos equívocos desencadeados pela surdez.

Outro aspecto interessante diz respeito ao momento em que este diálogo está inserido. Antes da entrada de Velasco, De La Torre e Perdinari conversavam a respeito de Fernando e sua possível readmissão. O diálogo cômico interrompe o sentimento de compaixão em relação a Fernando e distrai o espectador do foco do assassinato, e, quando este finalmente acontecer, após esta conversa, criará um impacto ainda maior nos espectadores.

3.4.2 – Segundo ato a comicidade do gago

A apresentação de Juca, a principal personagem cômica desta história, ocorre após a conversa entre D. Santa e Marlina abertura do segundo ato. Ele cumprimenta as personagens e em seguida é questionado se já é noite. Devido a sua gagueira,

se confunde para responder, pois ele entrara em cena para chamar sua irmã para ir embora, mas como é interrompido muitas vezes não se faz entender.

JUCA - (entrando) Boa... boa... boa noite. MARLI E SANTA - Boa noite.

SANTA - Já é noite?! JUCA - Já... já... SANTA - Ah, já? JUCA - Não. SANTA - Não? JUCA - Já... já...

MARLI - Mas o que é isso, Juca? Uma hora você diz quejá é noite, outra

hora você diz que não?

JUCA - Pois... num... num... num deixa eu... acabá defalá! Já... já... já são

mais de 6 horas...

MARLI - Então! Já é noite!

JUCA - (irritado) Mas... mas deixa eu acabá de falá! MARLI - Então, fala logo, Juca.

JUCA - Já... já... são mais de seis horas... MARLI - Mas você já falou isso, Juca!

JUCA - (muito irritado) Ma...ma...ma... (num repentenervoso, se

despenteando todo) Mais deixa eufalá! (Marli mostra-se irritada, D. Santa sorri)Já... já... já são mais de 6 horas e.. e... e... a...mamãe manda dizer que... que... que... logo que... que... que... a Neli chegá é para você ir para casa.

(PIMENTA, 2005: 241 a 243)

Desde sua entrada em cena, pretende falar a seguinte frase: “Já são mais de 6 horas e a mamãe manda dizer que logo que a Neli chegar é para você ir para casa.”. Porém, ao cumprimentá-las com “boa noite”, D. Santa o interrompe para lhe perguntar se já é noite, mas como ele é gago provavelmente se concentrara para falar e assim ignora o que D. Santa dissera. Em seguida ocorre uma série de equívocos engraçados, pois as falas de Juca coincidem com as perguntas feitas por D. Santa. É cômico o que a concentração demasiada de Juca ocasiona e se assemelha com a análise de Vladimir Propp sobre o cômico gerado pelas situações inesperadas:

Usando uma expressão um tanto paradoxal, é possível dizer que a distração

é consequência de alguma concentração. Entregando-se com exclusividade

a um pensamento ou preocupação, a pessoa não presta atenção aos seus atos, executa-os automaticamente, o que leva às consequências mais inesperadas. (PROPP, 1992:95)

Propp concorda com a premissa bergsoniana de o cômico ser gerado por alguma ação mecânica, desconsiderando a maleabilidade da vida, como o fato de

Juca se concentrar demasiadamente na sua fala e desprezar as perguntas de D. Santa. Este é um traço forte desta personagem ao longo de toda a peça: quando sua concentração está na fala muitas situações cômicas são geradas, por ignorar as interferências externas. É engraçado também o fato de sua resposta corresponder à pergunta feita, pois ele se preparara para falar o que a mãe pedira: “Já são mais de 6 horas...” e o início desta frase também serviu de resposta às perguntas de D.

Santa. Este tipo de comicidade se assemelha com a análise de Bergson da comicidade de palavras, mais precisamente com as interferências: “(...) a interferência, quer dizer, de dar à mesma frase dois significados independentes que se sobreponham.” (BERGSON, 2007: 87).

Outro elemento cômico desta cena está na crescente irritação de Juca (que inclusive se despenteia todo de raiva) em relação às interrupções feitas pela irmã. O jogo de intromissão, e a tentativa de completar as falas entrecortadas de Juca, acontecem ao longo de toda a peça. Muitas vezes através da suposição, feita pelas personagens, daquilo que Juca tenta falar. Nesta cena, Marli, por ser sua parente, expressa a irritação com o irmão, atitude que as demais personagens não apresentam de maneira evidente, devido à educação polida e decoro das relações, característico do gênero. A impaciência em relação a Juca é algo comum na conversa com um gago, responsável por gerar momentos engraçados.

Antenor conseguiu exprimir muito bem a dificuldade de Juca em formular frases simples, e soube usá-la gerando interrupções e equívocos interessantes. Como no momento seguinte deste diálogo, em que quase conta para D. Santa, e para o público, que Neli e Alberto estão namorando. Nesta passagem, além da cegueira de D. Santa, sua dificuldade de falar contribui para que sua irmã o interrompa a tempo. Eles falam baixo (a ponto de o público ouvir e D. Santa não) e Marli lhe pede para não contar. Neste momento o público, antes de D. Santa, fica sabendo da relação do casal.

SANTA - Escute-me, Marli. Há pouco você disse-me que Neli,às vezes, fica

muito alegre, tão feliz como se avida fosse um mar de venturas... Estive pensandopor que seria?... Ela sempre foi tão triste...

JUCA - Ah... a s... a s... a senhora não sabia? (Marli leva-o para o canto) É

por... que... ela... ela...

MARLI - (a meia voz) Cale-se! JUCA - Por... por quê?

MARLI - (baixo) Não quero que lhe diga.

JUCA - (idem) O quê?... Vo...Você num sabe o que eu iafalá!

MARLI - (idem ) Ia dizer-lhe que Neli está namorando oSr. Alberto, filho do

Sr. De La Torre.

JUCA - (idem) Taí! A...Agora você acertou. MARLI - (idem) Pois bem, não lhe diga. JUCA - (idem) Por... quê?

MARLI - (idem) Porque Neli não quer. Ela mesma é quelhe quer dizer. JUCA - (idem) Tá... bom. En...tão eu num falo. Maisque... eles tão

namorando, tão mesmo.

SANTA - Perdoe-me a pergunta, Marli. Mas por que estãovocês

conversando baixinho?

MARLI - É o Juca que está me contando umas coisas, massem importância.

(PIMENTA, 2005: 243 a 245)

O melodrama geralmente antecipa os próximos acontecimentos da trama como uma forma de atiçar a curiosidade dos espectadores, e manter seu interesse na história. Anunciar o próximo ato sem revelá-lo por completo faz com que o público fique ansioso pelo que virá, como ao juntar amorosamente Alberto e Neli, filha do suposto assassino do pai de seu amado. Podemos observar, através desta união, a construção intrigante da história, que busca incessantemente despertar o interesse do público.

Neste trecho, Juca realiza a importante função dramática de manter o espectador onisciente da trama, característica do gênero melodramático. Toda a encenação é criada visando estabelecer o diálogo com o público no sentido de agradá-lo e de lhe instigar o interesse. Tanto o melodrama quanto as outras atrações do circo se assemelham por prezar a relação de troca com os espectadores, explicitada através da interpretação dos atores com a utilização da triangulação com o público. O critério de escolha para o repertório dramático, para as atrações circenses, até mesmo as piadas feitas pelos palhaços, sempre será de acordo com o gosto popular. Esta particularidade possibilita que estas manifestações artísticas se mantenham atualizadas, por se recriarem junto com o interesse mutável do público. Dessa forma, conseguem acompanhar as mudanças sociais e as novas tendências culturais, sempre no sentido da apropriação e ressignificação.

Em seguida da conversa cômica de abertura do segundo ato, finalmente Neli e Alberto entram em cena, e então o interesse do público, em ver a figura dos dois jovens namorados, finalmente é realizado. Nesta situação, o gago deflagra tudo o que pensa em relação à amiga de maneira cômica e descontraída, sem prezar pela

boa educação. É comum a personagem cômica transgredir a norma social e fazer graça disso e Juca não se importa com as regras sociais de cordialidade, não é polido em seus comentários, fala de maneira direta e grosseira, se comparado a maioria das personagens da trama. Quando Neli entra em cena e diz que não tem ninguém em sua casa, Juca lhe responde: “Num... num... num tem ninguém aqui uma ova!En...tão eu n...num sô ninguém?” (PIMENTA, 2005: 246). Esta maneira de falar é característica de muitas personagens cômicas: falar de maneira objetiva e debochada, sem a polidez dos padrões de educação vigente, e isto suscitará o riso. Neli, por outro lado, responde com gentileza, de acordo com seu tipo de heroína: “Oh! Desculpe, Juca. Não tinha visto você.”.

A fala mais debochada e direta revela outra forma de se comunicar socialmente, e também demonstra que o mundo não é feito somente de cordialidade e formalidade. Aproxima-se de uma fala mais cotidiana e popular e por isso gera mais empatia com a plateia. Esta maneira de se expressar é engraçada principalmente por ser dita por Juca, uma figura muito simpática, e ajudante do núcleo do bem da história, que por isso conquistará a admiração do espectador.

NELI - Oh! Desculpe, Juca. Não tinha visto você.

JUCA - É a...assim mesmo. Por...que tá namorando o...seu Alberto, já... já

nem enxerga os amigos.

NELI - Desculpe Juca. (a Alberto) Alberto apresento-te aqui o meu

amiguinho Juca, a quem estimo como se fora um irmão. Juca, este é o Alberto, o meu namorado. Creio que já o conhecede vista.

ALBERTO - (apertando a mão de Juca) Muito prazer. JUCA - O... o...

ALBERTO - O mesmo? JUCA - O... o... o...

NELI - Já sei. O prazer é todo seu. JUCA - Não.

NELI - Não?

JUCA - N... num é isso... que eu quero falá! ALBERTO - (sorrindo) Fale.

JUCA - O s... o s... NELI - O senhor!

JUCA - (muito irritado) Ma...ma...ma... (num repente,nervoso, mexendo

outra vez todo o cabelo) Maisdeixa eu cabá de falá! O s... o seu nome éA...Aberto mesmo?

ALBERTO - Ah, sim! Meu nome é Alberto Perdinari. JUCA - Mu...mu...

ALBERTO - Muito prazer? JUCA - Taí! A...a...gora acertou. NELI -

Vovó está lá dentro, Juca?

JUCA - Tá.

JUCA - Já sei. É... é... (apontando os dois, dá umarisadinha maliciosa) É

pra mim dá o fora. Eu vô...n...um... é preciso mandá. (sai rindodiscretamente)

(PIMENTA, 2005: 246 a 248)

Outro aspecto de sua figura nos é revelado por falar aberta e francamente com Neli sobre o fato de ela ter se afastado dele por que começou a namorar. A maneira direta de apresentar seu descontentamento é cômica, principalmente por falar na frente do próprio namorado. Em seguida, novamente é engraçada a situação de Juca tentar falar frases muito simples como “O seu nome é Aberto mesmo?”, “Muito prazer”, ser interrompido e se irritar com a impaciência das demais personagens. Ao perguntar o nome do herói, o gago diz uma frase de duplo sentido, indagando se ele é aberto, fala esta que pode servir de material cômico ao ator que a realiza. No final deste trecho, interrompe de maneira grosseira, para o contexto melodramático, o que Neli ameaçara lhe pedir, dizendo que “vai dar o fora” antes que ela precise pedir.

No momento da despedida do casal, Juca, que ficara fora da casa, interrompe dizendo que não pode ficar no sereno porque está com o calo doendo. Esta frase pode revelar certa ingenuidade da personagem, porém parece se valer desta desculpa como uma forma de justificar que está se sentindo mal e quer ir embora. Demonstra um raciocínio de certa forma esperto, mesmo que ingênuo, para sair da situação incômoda que se encontra. Esta fala é engraçada principalmente por revelar uma conexão alógica feita por Juca com o fato de o sereno não ter nenhuma relação com a dor no calo. Propp comenta a respeito do riso de atitudes alógicas, que nos ajudará a analisar esta fala:

Ao lado do fracasso daquilo que se deseja por causas externas ou internas, há casos em que o fracasso se deve à falta de inteligência. A estultice, a incapacidade mais elementar de observar corretamente, de ligar causas e efeitos, desperta o riso.

Nas obras literárias, assim como na vida, o alogismo pode ter dupla natureza; os homens dizem coisas absurdas ou realizam ações insensatas. (PROPP, 1992: 107)

De acordo, portanto, com o trecho acima percebemos que o alogismo cometido por Juca está no que ele diz, com o fato de não ligar corretamente causa e efeito. O raciocínio revelado por esta fala é de o aumento da dor no calo ser devido

ao sereno e isto não é correspondente, por isso se torna engraçado. Quando Alberto finalmente deixa a cena, Neli chama Marli com um assobio e pede para Juca dizer que fora ele que assobiara. Quando D. Santa pergunta quem assobiara, Juca diz que foi ele, porém em seguida revela a verdade: diz que foi Neli e ela pediu para dizer que tinha sido ele. Dessa forma, expõe a situação que deveria ter sido acobertada: Neli assobiou para avisar Marli. Este tipo de colocação geralmente suscita o riso por surpreender o público e as personagens em cena e gerar uma situação constrangedora.

Na hora de se despedir para sair de cena, Juca gagueja e só consegue concluir a sua fala depois de Marli ter deixado a casa, cumprimenta todos e sai correndo. Como não houve nenhum motivo que o fizesse agir assim, esta maneira de se retirar torna-se descabida, e só poderia ser realizada desta maneira pela personagem cômica da peça. Termina então a participação de Juca neste ato que, em muitos momentos, contribui para o andamento da história mesmo que aparentemente a atrapalhe. Ele é responsável por desviar a atenção do público da trama que aos poucos se complica e intensifica. Neste ato, Juca reforça o fato de ser um moleque ingênuo e tolo que age despretensiosamente dentro deste conflituoso enredo.

3.4.3 –Terceiro ato a comicidade do tolo

Neste ato, Adélia e Benevides são os principais responsáveis pela comicidade. Desde o começo a portuguesa se mostra muito debochada na maneira de falar e agir. e, durante uma conversa com seu pai, utiliza inúmeras gírias que acabara de aprender no Brasil. Benevides não entende o discurso da filhaporque não conhece as gírias usadas e por interpretar literalmente o que a filha diz e não perceber que se trata de figura de linguagem. Como podemos ver na cena a seguir:

ADÉLIA - Oh, papai! Mas isto aqui é bom! Eu quisera nãovoltar mais para

Portugal. A coisa aqui é boa! Édo balaco-baco!...

BENEVIDES - É do quê?

ADÉLIA - É do balaco-baco. Aqui é cocoreco e pronto.

BENEVIDES - (aparte) Ela está ficando maluca! (alto) O que écoroquéco? ADÉLIA - Cocoreco é bico de pato. Quer dizer que aquinão tem conversa

mole pra boi dormir, não!

BENEVIDES - Escuta; o que é que tem o bico do pato com aconversa do

ADÉLIA - (depois de rir) Qual! O senhor não manja mesmonada. Para falar

com o senhor só mesmo àportuguesa.

BENEVIDES - É lógico! Tu vens falar em baco-baco, emcoroquéco, em bico

de boi, conversa de patoquando está dormindo! Vou lá entender essenegócio?...

ADÉLIA - (depois de rir) O senhor não emboca uma! Osenhor não pode

mesmo entender. No Brasil olero-lero é diferente. (pausa) Então, já cuidoudo casamento?

BENEVIDES - Já falei ao Sr. De La Torre. Ele consente e disseque o filho

gosta de ti.

ADÉLIA - Eu bem o sabia! Não há homem que resista auma bela cachopa

portuguesa!...

BENEVIDES - Escuta aqui, minha filha, mas fala direito. Nãoenrola a língua,

não. Tu amas esse rapaz?

ADÉLIA - Eu gosto dele, mas amar não! Amor hoje em diaé manga de

culete.

BENEVIDES - Manga de culete? Taí. É por isso que eu nãogosto de

modernismo. Nos meus culetes, eu nãodeixo por manga!

ADÉLIA - Creio que desta vez acertei a mão! BENEVIDES - Acertou a mão aonde?

ADÉLIA - Causarei inveja a todas as minhas patrícias.Mulher de um médico!

Qual, papai, vou casarcom ele! É o meu pedaço!

BENEVIDES - (espantado) Quê?! Falta um pedaço ao rapaz?Pois olha, eu

não sabia.

ADÉLIA - Fique sabendo agora. Mas com ele, papai, a conversaé outra. O

Albertinho gosta de romantismo.E nessa matéria eu sou mestra. (PIMENTA, 2005: 272 a 275)

Percebemos que Adélia não considera as falas de seu pai, pois ao explicar uma gíria utiliza outra no lugar, dificultando ainda mais a compreensão. Apesar de Benevides conhecer algumas das palavras ditas pela filha, não compreende o sentido atribuído a elas e por isso pensa que ela enlouqueceu. Este é um tipo de comicidade ressaltada por Bergson e Propp, que se encontra justamente no jogo de