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Este trabalho se destina a estudar a personagem cômica das peças melodramáticas, geralmente representada por um empregado ou uma personagem humilde. É muito comum nestas tramas haver personagens ricas e pobres em

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Fernando Neves nasceu no Circo Teatro Pavilhão Arethuzza e viveu durante sua infância neste circo.

contraste, e o cômico, na maioria das narrativas, integra o último núcleo social. A presença do cômico demonstra outra compreensão dos acontecimentos cênicos, menos grave e intensa, tal como expresso pela maioria das personagens dramáticas. Sua fala é coloquial e costuma ser carregada de algum sotaque regional, destoando, dessa forma, da maneira formal de se expressar, comum às demais personagens. Geralmente este tipo, dentro do contexto melodramático, é interpretado pelos palhaços da primeira parte do espetáculo circense (em que se apresentam números artísticos variados), que não seja o mais importante da companhia. No Circo Nerino, o excêntrico principal, Picolino, não participava dos dramas, por ser uma figura muito característica da primeira parte, porém costumava protagonizar as peças cômicas. Os clowns que faziam dupla com ele, Arthur Fernandes, Júlio Avanzi, Hernani Avanzi e Walmir dos Santos, eram os que geralmente representavam as personagens cômicas dos melodramas.

Há de se levar em conta que o intervalo entre a primeira e a segunda parte do espetáculo era curto demais para tirar a maquiagem, a roupa de palhaço e caracterizar outro personagem. E também não é muito bom o palhaço do circo representar papéis dramáticos. O Arrelia conta que ele estava representando Jesus em A Paixão de Cristo quando um moleque o reconheceu e gritou: - O Cristo é o Arrelia! O Cristo é o Arrelia! (AVANZI e TAMAOKI, 2004: 82)

Podemos dizer que existe uma grande semelhança entre os palhaços da primeira parte, e daqueles que protagonizavam as peças cômicas, com as personagens cômicas dos melodramas. Bolognesi, ao traçar a etimologia da palavra clown, indica características comuns entre estas duas figuras cômicas: “Sua matriz etimológica reporta a colonus e clod, cujo sentido aproximado seria homem rústico, do campo. Clod, ou clown, tinha também o sentido de lout, homem desajeitado, grosseiro (...).” (BOLOGNESI, 2003: 62). Ainda de acordo com este autor, na pantomima inglesa o termo designava o cômico principal com funções de um serviçal. E no contexto circense se refere ao artista que participa de cenas curtas explorando sua tolice. Estas definições se aproximam do perfil tanto do palhaço quanto da personagem cômica do melodrama, ambos representados no Circo Nerino, na primeira e segunda parte do espetáculo respectivamente. Ambos suscitarão os momentos engraçados a partir do seu jeito desajeitado e tolo, como

sublinhado pela definição acima. O palhaço despertará o riso, essencialmente a partir da sua desenvoltura corporal, e o outro provocará o chiste através da fala e os equívocos decorrentes dela.

A primeira parte do espetáculo, no Nerino e em muitos circos do período, se destinava a apresentação de números variados de risco e superação humana, alternados com entradas de palhaços, em um amplo espaço cênico explorado em diversas as direções. A lona favorecia a verticalidade necessária à execução de alguns números, tais como trapézio, acrobacias, a corda bamba, atrações estas bastante conhecidas neste circo. Nas fotos abaixotemos algumas ilustrações da primeira parte do espetáculo do Circo Nerino, as quais nos ajudam a compreender alguns aspectos abordados por este tipo de espetacularidade, majoritariamente

Figura 8 - Fotos da primeira parte do espetáculo do Circo Nerino Fonte: Acervo pessoal de Walmir dos Santos

Figura 8 A – (Esq.)O atirador de facas: Gaetan Ribolá e Amandine Ribolá. (Dir.) Alice Avanzi Silva, na corda bamba, e Hernani Avanzi.

Fonte: AVANZI e TAMAOKI, 2004. (Esq.) 22. (Dir.) 234.

Figura 8 B – (Esq.) Acrobacia: Gaetan Ribolá (no alto), Alice Avanzi Silva (no ar) e Roger Avanzi. (Dir.) O equilibrista: José Américo e Vick Américo.

A extensão do espaço determina uma linguagem artística transversalizada, na tentativa de abarcar e comunicar com todos os espectadores presentes. Diversos elementos do espetáculo terão este objetivo, tais como: o figurino dos artistas, através do colorido, paetês e adornos; as atrações que costumam explorar diversas direções do espaço; a interpretação diferenciada e estilizada nas peças de teatro; os números de palhaço, que exploram ações cômicas e usam uma maquiagem e roupa exageradas.

Na primeira parte do espetáculo, as trocas de aparelhos dos números acrobáticos costumam ser executadas na frente do público. Nestes momentos, o palhaço entra para distrair os espectadores enquanto os técnicos realizam a montagem dos equipamentos. A construção artística se torna então aparente, mas isto não diminui o entusiasmo e expectativa em relação aos desdobramentos do espetáculo. A apreensão do público se dará através dos números de risco e superação humana, executados em ordem progressiva de dificuldade. A figura do apresentador, junto com a música, ressalta as dificuldades e emoções diante dos números que desafiam os limites, principalmente corporais, do homem.

Todos estes elementos caracterizam a estética circense de maneira particular, ao criar um espetáculo essencialmente visual, que ressalta as emoções e sensações. Através da oposição entre o sublime e admiração, dos números de habilidade; e do grotesco e risível, dos números de palhaço, o espectador percorrerá diversos e opostos sentimentos. O espetáculo apresenta ao imaginário do público habilidades humanas impensáveis, atuando na fantasia e revelando novas possibilidades ao cotidiano limitado.

A representação teatral, realizada usualmente na segunda parte do espetáculo, está inserida dentro deste contexto específico que impõe aos artistas alguns procedimentos. Como a estilização da linguagem cênica, necessária para estabelecer uma comunicação com os diversos espectadores que se encontram amplamente distribuídos no espaço. A interpretação dos atores, de tipos reconhecidos pela plateia, é ampliada e visa criar uma comunicação direta e clara. Faz o público acompanhar a história de maneira onisciente, porém sendo constantemente surpreendido pelos desdobramentos inimagináveis, deixando-o

Para criar este vínculo, os atores utilizam a prática chamada de triangulação com os espectadores, descritas por Carlos Alberto Soffredini9da seguinte forma:

O público é o vértice de maior peso no triângulo. É o CÚMPLICE na representação. É o CENTRO dela. É para ele que se CONTA a história, portanto ele é o dono dessa história. Muitas vezes ele conhece dados dela que ou um ou os outros dois vértices do triângulo (os atores) desconhecem. Ele conhece o caráter e a intenção de cada personagem, uma vez que cada ator, ao entrar em cena, deve ter como meta REVELAR o seu personagem, a intenção dele e, é claro, a sua ação dentro da ação (história). A partir dessa CUMPLICIDADE com o público, dessa CENTRALIZAÇÃO nele, dessa DOAÇÃO a ele da ação (história, representação) é que se estabelece a base do jogo teatral. Os gregos já sabiam disso. E as velhas peças românticas abriam margem para esse jogo através do A PARTE, que, em última análise, é a forma tosca a partir da qual, elaborando, nós chegamos ao processo do TRIÂNGULO.

E infinitas são as possibilidades desse jogo. Uma delas é a CIÊNCIA: por exemplo, o MOÇO declara seu amor para a MOÇA. Mas o público já está ciente de que o MOÇO está mentindo (por revelação anterior ou no momento mesmo da ação). Dessa forma, a posição de cada um dos personagens, a sua ação e reação ficam ampliadas, teatralizadas. Outra é a SURPRESA: por exemplo, a um dado momento se descobre que o MOÇO está mentindo para descobrir algo que a MOÇA esconde (de que o público pode ter ciência ou não). Dessa forma os personagens mudam de repente, teatralmente, de posição perante ao público. (SOFFREDINI, 1980: 4)

Sendo corroborado por Rubens Brito, que participou das primeiras pesquisas de Soffredinni junto aos circos de periferia:

Conseqüentemente, a triangulação propõe ao ator um tipo de interpretação no qual não basta que ele “seja” a personagem, mas que ele “seja” a personagem e a revele para o público. Essa é a razão pela qual Soffredini remete esse fenômeno ao teatro brechtiano. (...) A triangulação nas peças circenses é explícita e executada com muita naturalidade. O espetáculo se desenvolve de forma a incluir a platéia no jogo cênico, especialmente nas comédias; nos dramas se observa o mesmo fenômeno, embora a técnica triangular se atenue em benefício da objetivação da “dramaticidade” do enredo. (BRITO, 2006: 82)

A representação de circo-teatro está estreitamente relacionada com a criação de efeitos, previamente articulados, visando criar determinadas reações no jogo com a plateia. Para isso, a forma como o ator se colocará em cena, a sua entrada e saída, a pausa dada para determinada fala, a gestualidade do tipo representado, tudo isso será bem ensaiado e pensado. A encenação é teatralizada em diversos âmbitos, principalmente no que concerne à forma, e a triangulação explicita isto. É

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Carlos Alberto Soffredini foi umdramaturgo e diretor brasileiro muito ligado à cultura popular brasileira, especialmente ao circo brasileiro.

interessante observar que os dramas, apesar de manterem essa vertente interpretativa, fazem-no de forma atenuada, conforme explicitado no texto acima de Rubens Brito.

O figurino no melodrama circense também é bastante exuberante, por dialogar, de maneira evidente, com as características dos tipos e sublinhar os principais traços da figura ficcional. Isto permite compreender visualmente a trama dentro deste amplo espaço circense. O mesmo efeito é buscado pela cenografia, através dos telões pintados. O cenário é bidimensional e representa, de maneira esquemática, as diversas locações do enredo, tal como era feito nos edifícios teatrais das principais cidades brasileiras do período. A entrada e a saída das personagens são trabalhadas visando um efeito específico para a representação, do qual os artistas têm total consciência. As personagens boas e protagonistas, por exemplo, ocupam o centro do palco, enquanto os vilões deslizam pelas margens da cena.

Novamente reforçamos que estas características teatrais sevem para dialogar com o espaço em que estão inseridas, mantêm relação com a linguagem utilizada na primeira parte do espetáculo circense e desenvolve uma comunicação eficaz com um público, pouco acostumado às casas de teatro. Esta mesma linguagem foi apropriada pelos programas de rádio e televisão, transformada de acordo com as particularidades do meio, porém mantendo a característica fundamental de realizar uma difusão cultural passível de ser compreendida por um vasto e heterogêneo público.

O teatro segue algumas convenções precisas como as descritas acima, tanto nas peças encenadas nos circos quanto nos edifícios teatrais da época. Era muito semelhante à forma da encenação e alguns recursos utilizados, como, por exemplo, a caracterização dos tipos de personagens. A partir das décadas de 1920 e 1930 os circos-teatro passaram a representar uma peça diferente em cada apresentação, visando com isso permanecer mais tempo na mesma cidade. Este foi um momento importante em que começou a se estabelecer alguns procedimentos para abarcar a rotatividade dos textos. Os atores passaram então a interpretar os mesmos tipos de papéis, de uma peça para outra, geralmente condizente com o seu temperamento

Dentro do contexto circense, era comum os mais velhos observarem as crianças da companhia e definirem, de acordo com as atitudes e comportamentos apresentados em situações cotidianas, qual seria o tipo de cada uma. Esta maneira de proceder favorecia o desempenho do ator, a montagem de diversas peças pela companhia e a compreensão do público em relação à história, que logo identificava o tipo apresentado.

Os velhos dramas românticos, no seu maniqueísmo desvairado, continham sempre determinados “tipos” de personagem. Os atores, dependendo do seu tipo físico somado à sua personalidade, se especializavam em cada um desses “tipos”. A forma de representar esses personagens se tornou tradicional e os atores, especializados, passaram a receber o nome do tipo que representavam. Assim, toda Companhia tinha a sua “ingênua”, o seu “galã”, a sua “dama-galã”, o seu “vilão”, a sua “sobrete”, o seu “cômico” e etc. (Sem dúvida os ancestrais desses “tipos” estão na commedia dell’arte italiana: o Arlequim, a Colombina, o Pantaleão, etc)

Rompida a primeira casca do “tipo”, observamos que havia mais no ator que o representava. Assim, uma “ingênua” não era somente um tipo físico e uma personalidade, mas um estado-de-espírito da atriz. Entrando imbuída desse estado-de-espírito a atriz REVELAVA, já no seu primeiro passo em cena, o seu personagem. Sem equívocos, sem fumaças, sem meios tons: sim o EXATO. (SOFFREDINI, 1980: 6)

As companhias circenses, assim como muitas companhias teatrais, costumavam ter pelo menos um ator para cada tipo, o que lhes permitia representar uma gama extensa de repertório dramático, formado basicamente por melodramas e comédias. Os enredos e detalhes das histórias variavam, entretanto os tipos eram sempre comuns. Para compreender melhor a análise dos três melodramas que integram este trabalho é interessante observar alguns aspectos dessa construção cênica. Nesse sentido um estudo sobre os tipos se faz necessário, pois eles desempenhavam um papel relevante para o intérprete de circo-teatro.

Em 1947 Otávio Rangel publicou, no Rio de Janeiro, um livro intitulado Técnica Teatral, que aborda diversos aspectos da construção cênica dos teatros, tais como: iluminação, cenografia, os tipos dos atores, entre outros. Por haver um grande diálogo entre o circo e o tipo de teatro descrito por Rangel, adotaremos algumas definições deste autor para compreender a encenação dos circenses do começo do século XX. Otávio Rangel, além de escritor, também foi ensaiador e funcionário do SNT (Serviço Nacional de Teatro) nas cadeiras de Tecnologia e Arte de Representar.

Antes de apresentar a classificação dos tipos, Rangel comenta sobre a importância do Teatro Realista para a definição da estética teatral da época. A intenção era realizar uma imitação da vida, porém com o intuito de embelezá-la e idealizá-la, tal como o período do Classicismo nas artes. De acordo com este modelo, o amor, temática bastante utilizada nos circos e teatros da época, deve ser apresentado através de um casal jovem e bonito. Os homens que desviassem demasiadamente dos padrões de beleza interpretariam outros tipos, que não o galã da história. Estas características são intituladas por Rangel de “convenções”, tais como a tonalidade da voz, a maquiagem, a indumentária, os cenários e vários outros aspectos cênicos da encenação. Cada um deles criava códigos e significantes, no jogo com o espectador, desenvolvidos com o intuito de serem compreendidos.

Fernando Neves, remanescente da família tradicional circense Circo Teatro Pavilhão Arethuzza e artista contemporâneo, também apresenta uma definição bastante minuciosa destes tipos. A partir dos textos encenados pelo Arethuzza e da descrição dos atores destinados a representar cada personagem, Fernando pôde reconhecer alguns procedimentos de criação da sua família e realizar uma classificação. Sua compreensão dialoga com as noções apresentadas por Rangel, com a diferença de se tratar mais especificamente do meio circense do que teatral. As definições formuladas nesta pesquisa são, portanto, embasadas nestas duas referências e também nos quatro tipos melodramáticos identificados por Thomasseau:

2.4.1 – Galã e ingênua

Costumam protagonizar as histórias e são representados por um casal de jovens bonitos e simpáticos, que despertam a admiração do público. As características físicas dos atores se assemelham, em muitos casos, com as apresentadas pelo texto dramático, em que a mulher apresenta gestos e atitudes delicadas, e o homem se demonstra corajoso, forte e educado. Até mesmo as cores do figurino dialogarão com estas qualidades, sendo claras e sóbrias.

A idade dos atores que representam estes tipos varia entre 18 e 40 anos. No Circo Nerino a ingênua geralmente era interpretada por Anita Garcia ou por Teresa Avanzi Silva; e o galã por Roger Avanzi. Anita era uma atriz bastante conhecida do Circo Garcia que, em virtude do casamento com Roger, passou a integrar a

companhia Circo Nerino. O recente casal era muito jovem e bonito, facilitando assim o convencimento e envolvimento do público. Teresa era ainda mais nova e começara há pouco tempo sua carreira teatral, sendo comum a jovens atrizes iniciarem com a representação deste tipo. Em muitas circunstâncias, principalmente quando Anita não podia, o papel da ingênua lhe era atribuído.

2.4.2 – Centro e dama central

Realizado por atores mais velhos, geralmente com mais de 50 anos e donos do circo. A idade tem importância, neste caso, porque os papeis destinados a este tipo costumam exigir experiência teatral, por apresentar um grande destaque na trama. Este tipo pode representar o importante papel de vilão/vilã ou estarem vinculados ao núcleo bom da peça, na figura do pai nobre ou, para as mulheres, em personagens que despertam o enternecimento dos espectadores.

O ator central, no Circo Nerino e em muitos os outros circos da época, era representado pelos donos da companhia: Gaetan Ribolá e Armandine Ribolá. O Nerino Avanzi, fundador da companhia, atuava, na primeira parte do espetáculo, como palhaço principal, o que dificultava sua participação na segunda, devido à necessidade de troca de figurinos e maquiagem, além de ser uma figura muito marcante para o espectador.

2.4.3 – Cômico e caricata

Representam as personagens cômicas da narrativa, que, apesar de não estarem caracterizados como palhaços no teatro melodramático, são apreciados da mesma forma. Apresentam gestos grosseiros, raciocínios tolos e impróprios para o decoro social e subvertem as regras coletivas mais elementares. Costumam desempenhar personagens pertencentes a uma classe social mais baixa, como criados, cozinheiros, soldados, motoristas, escravos, vendedores ambulantes, entre outros.

Este par geralmente é interpretado por atores criativos e transgressores, tal como o palhaço apresentado na primeira parte do espetáculo, que constantemente não seguem o roteiro pré-estabelecido, criam piadas inusitadas e jogos com o espectador. Os cômicos do Circo Nerino usualmente eram interpretados pelos atores: Arthur Fernandes, Júlio Avanzi, Hernani Avanzi, Paulo Sobral e Walmir dos

Santos, todos formavam, na primeira parte do espetáculo, dupla com Picolino; com exceção de Paulo, que atuava como cantor. Na figura abaixo aparecem Roger de Picolino II,atuando com o palhaço Garrafinha, interpretado por Walmir dos Santos.

Figura 9 - Palhaço Garrafinha e Picolino II Fonte: Acervo pessoal de Walmir dos Santos

É interessante observar a quantidade de atores homens em contraposição com a atriz caricata. No Circo Nerino, inclusive, não havia palhaças na primeira parte de variedades, entretanto há algumas pesquisas acadêmicas atuais que visam desconstruir esta ideia do palhaço como uma figura majoritariamente masculina. Entretanto neste momento da história e neste circo específico, a mulher participava de maneira modesta, atuando como descrito por Walmir do Santos, em entrevista concedida para este trabalho:

O Roger tinha uma montagem em que aparecia uma pessoa, estava ele e a Anita, aparecia uma dizendo: “Poxa, você saiu de casa, não deixou dinheiro, os filhos passando fome.”. Quer dizer, Anita era mulher dele, como é que tem uma outra lá cobrando o dinheiro do leite das crianças? Aí fica aquele negócio, ela fica brava e ele quer resolver. Aí de repente aparece outra: “Ô seu canalha, você saiu de casa, me deixou sozinha, a criança está lá chorando, eu não tive um tostão para comprar o leite.”. Já eram duas, todas as duas reclamando da mesma coisa! Aí ele tem um desfecho: “Vamos resolver o problema?” – tudo cômico, né? – “Você está falando que é minha mulher e está passando fome. Você também. Vamos fazer uma coisa?

Vamos dividir o tempo. Segunda, terça e quarta eu vou ficar com você. Quinta, sexta e sábado eu fico com a outra.”. Aí um gaiato grita: “E o domingo?”. Aí ele responde: “O domingo estou de folga.”. (risos) Quer dizer... São desfechos, né? Em cena, no palco, você não tem esse tipo de desfecho, mas no picadeiro você pode fazer. (...) Ele vestido de palhaço, as mulheres não, as mulheres são madames. (Entrevista realizada no dia 04/02/2015)

Através deste trecho fica evidente a posição das mulheres nas representações, chamadas por Walmir de madames. Até mesmo nos textos teatrais daquela época as personagens cômicas, em sua maioria, são homens. Na peça Jerônimo, o herói do sertão encontramos uma mulher desempenhando o papel da dona do bar, mas não há indicações cômicas para esta personagem. Ela poderia ser interpretada pela Sobrette da companhia, que integra o último par de tipos do circo- teatro, descrito a seguir.

2.4.4 – Baixo cômico e sobrette

São os tipos dos atores chamados no meio circense de escadas, parceiros do ator cômico, responsáveis por construir a piada para ele arrematar. O masculino é chamado de baixo cômico e a mulher de sobrette. De acordo com o trabalho de Otávio Rangel, o baixo cômico corresponde ao cômico, e não existe esta diferença de um ser o armador da piada para o outro, Fernando Neves é quem apresenta esta distinção, o que torna mais complexa esta divisão dos tipos. Os quais se relacionam