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A vinda da família real portuguesa para o Brasil, no ano de 1808, promoveu a construção de edifícios teatrais e o costume de frequentar estes espaços começou a se desenvolver entre a população livre.

A identificação das raízes portuguesas do teatro brasileiro é importante para a matéria a ser tratada aqui, porque ajuda a localizar um gosto comum em ambos os países: o gosto que está situado na origem do teatro mais popular da época, ou seja, o melodrama de temática sentimental. Esta tendência tinha chegado de Portugal através da França e veio para o Brasil mais rapidamente em função das excursões das companhias teatrais. As canseiras das viagens transatlânticas tinham que encontrar compensação à altura. Não admira, portanto, que as companhias escolhessem o repertório de aceitação mais imediata e com essa iniciativa acabassem influenciando a sedimentação de valores estéticos. (KIST, In. FARIA, 2012: 75 e 76)

Reconhecer as raízes portuguesas, com fortes influências francesas, dessa vertente do nosso teatro contribui para compreender alguns pontos, principalmente referentes ao gosto popular. Ivete Susana Kist, no texto citado acima, menciona algumas obras de dramaturgos do século XIX, que não são tão reconhecidas pela história teatral convencional, como tendo sido influentes para o estabelecimento da nossa dramaturgia. Entretanto começa descrevendo a importância de Gonçalves de Magalhães, o conhecido precursor do teatro romântico.

O posicionamento estético de Magalhães oscilava entre a tendência neoclássica (representada pela tragédia) e o romantismo (através do drama histórico e, sobretudo, do melodrama). Os autores dramáticos deste período que mais buscavam dialogar com o público apresentavam uma tônica melodramática acentuada, e os outros, que se propunham satisfazer um público mais erudito, acharam na tragédia maior substrato.

Tanto o melodrama como o drama histórico se distanciam da contenção clássica, que dita as regras da tragédia. Desenvolvendo histórias cheias de meandros e de surpresas, ambos requerem cenários complexos. Ficam para trás os austeros paços reais das tragédias mais conhecidas, o despojamento do espetáculo, a ação concentrada no tempo e no espaço, envolvendo um número pequeno de personagens, pouca ação física e linguagem versificada. Ao contrário, os personagens dos dramas e melodramas se deslocam por espaços variados e têm nos arranjos cênicos um forte aliado para caracterizar os sentimentos que os envolvem. Iluminação, movimento, figurinos e múltiplos elementos plásticos são convocados para compor cenários impressionantes. (KIST, In. FARIA, 2012: 78)

Luís Antônio Burgain é um exemplo de autor que buscava conciliar a encenação de suas peças com o gosto popular dos espectadores, para isso, escreveu muitos dramas históricos e melodramas. Suas tramas se localizam em épocas passadas e em geral são inspiradas em assuntos portugueses e brasileiros, o que bastava para a temática ser considerada nacional, uma vez que a maioria dos escritores da época não ambientavam suas tramas no Brasil. Outra característica relevante para popularização de seu trabalho era o fato de alternar momentos de seriedade com os de comicidade, descontraindo e dando um especial colorido à encenação. Outro autor deste período foi Martins Pena, que antes de se dedicar às comédias, escreveu cinco melodramas, porém, ao contrário do que se imagina, não havia nenhuma abertura cômica. Ele nomeava suas peças de “dramas”, apesar dos

indícios melodramáticos, entretanto neste período era comum haver esta confusão, por ser o momento de estabelecimento do gênero e também devido a um relevante episódio:

A confusão atravessou o Atlântico e chegou ao Brasil. Em 1836, quando João Caetano encenou dramas de Victor Hugo e Alexandre Dumas (O Rei

Se Diverte e A Torre de Nesle, respectivamente) e melodramas como Trinta Anos ou A Vida de um Jogador e Os Seis Degraus do Crime, o primeiro

crítico teatral brasileiro, Justiniano José da Rocha, colocou-os todos sobre a mesma rubrica de dramas românticos. Assim, não admira eu nossos primeiros autores dramáticos importantes, Luís Carlos Martins Pena e Luís Antônio Burgain, tenham escritos melodramas, chamando-os de dramas. (KIST, In. FARIA, 2012:78)

Esta ausência de clareza entre os estilos dramatúrgicos era muito comum também no ambiente circense, uma vez que muitos melodramas são chamados até hoje de dramas pelos artistas. Não havia a necessidade de nomear e seguir os padrões de determinada dramaturgia, mas de absorver aquele material, ressignificá- lo e apresentar ao público, despertando-o o interesse. Dessa forma criavam os dramaturgos circenses, cuja autoria e definição de gênero, eram para eles secundários, uma vez que o que importava mesmo era a relação com o público.

Voltando ao teatro e autores representados nos edifícios teatrais, o que era mais apreciado na obra de Burgain era a maneira incrível de alternar momentos cômicos com dramáticos, resultando disso uma maior predileção do público. Outros autores como Antônio Gonçalves Teixeira e Souza, Antônio de Castro Lopes, Francisco Antônio de Vernhagen e Pedro José Teixeira também participaram do advento e estabelecimento do teatro romântico no país, oscilando entre o gosto antigo da tragédia neoclássica e os dramas e melodramas.

O melodrama passa a oferecer, para um público distante da linguagem cênica de palco, um espetáculo total, no qual a representação tem importância equivalente à história e com ela entrelaça quatro sentimentos básicos: o medo, o riso, o pesar e o entusiasmo. Principalmente por ser um espetáculo que busca envolver emocionalmente os espectadores e lhe manter atento e envolvido, a encenação e o texto se aliam a fim de obter sucesso junto ao público. Os autores citados acima tiveram que aceitar esta demanda popular e, para isso, mudanças significativas no enredo e no espetáculo foram necessárias. Este período foi bastante relevante para

a construção da identidade cultural do país que, ao dialogar com o gosto popular, tornou a difusão do teatro mais fácil.

Nesse sentido, cabe ressaltar a importância da comédia para o estabelecimento das artes cênicas brasileiras. Neste momento a representação era inspirada no Iluminismo francês tanto no que diz respeito à função pretendida (através da ideia de adensamento cultural e tentativa de civilizar povoações diferentes), quanto à forma artística. Isto ocasionou um grande descompasso, pois nem o contexto histórico e nem essa forma artística faziam parte de nossa realidade brasileira. Os princípios liberais da Revolução Francesa estavam distantes da sociedade brasileira, além de a população ter pouca relação com a representação cênica de palco, embora os autores teatrais conhecessem muito bem a arte europeia. Não por acaso o gênero teatral que mais floresceu entre nós foi a comédia, estruturalmente apoiada na fratura, nos equívocos e na instabilidade de suas relações, tal como o contexto brasileiro se apresentava.

A comédia de costume, como viria a ser chamada, versava sobre os hábitos da época, satirizando alguns pontos frágeis da nossa cultura em formação. O século XIX, no Brasil, foi um período de muitas transformações relativas à política, a questões sociais e culturais, até mesmo relacionadas à estruturação física das capitais. Foi o momento da conquista da independência, abolição da escravidão, consolidação de um regime democrático, e a comédia foi para muitos uma maneira de comentar os aspectos sociais abalados por estas mudanças. A comédia tinha mais liberdade do que o drama para abordar assuntos diversos, favorecida pelo tom jocoso e despretensioso. Além disso, e assim como os melodramas, eram preferidas pelo grande público e se desenvolveram de modo mais constante no nosso país.

Melodramas e comédias foram os gêneros dramáticos mais apreciados por grande parte da população brasileira do período e fundaram alguns dos princípios da arte representativa nacional. Podemos dizer que não era algo novo e totalmente desconhecido da população, pois neste período também começaram a chegar os circos europeus. Antes disso havia alguns artistas que apresentavam números de variedades, superação humana e pantomimas em feiras e festas populares. Herdeiros da commedia dell’arte, apresentavam um espetáculo variado, em que habilidades humanas eram testadas e havia o momento da encenação de histórias,

A commedia dell’arte italiana girava em torno de figuras cômicas e havia sempre um casal de namorados, que dialogavam com o gosto posterior pelo melodrama e por histórias cujos conflitos giram em torno da dupla. Na origem desta manifestação artística utilizavam-se máscaras, porém no circo, anos depois, os tipos serão caracterizados sem esse adereço, salvo pela pequena máscara do palhaço, com seu nariz vermelho. A interpretação dos atores circenses é bastante estilizada e esquemática, remontando a esta origem popular europeia.

Fernando Neves8, em entrevista concedida à dissertação de mestrado de Fernanda Jannuzzelli, comenta sobre as “máscaras” criadas para o circo, cuja origem remonta à commedia dell’arte italiana. Apesar de não ser inventada a partir de um objeto, Neves comenta que a “máscara” circense seria formada a partir da maquiagem, dos adereços e figurinos para caracterizar determinado tipo. Os circenses, além de recriá-las à sua maneira, acabavam adaptando para a realidade de cada país, transformando de acordo com os tipos locais. Como um exemplo, Fernando menciona a do negro criada no Brasil: o rosto pintado, a peruca, utilização de luva e meias pretas. Este figurino era padrão de um circo para outro, realizava uma identificação imediata com o tipo representado, e por isso Neves o chama de “máscara”.

Os melodramas e comédias, representados nos teatros brasileiros do começo do século XIX, bem como os saltimbancos influenciaram sobremaneira a construção do espetáculo circense do final do século XIX e começo do XX. O circo-teatro utilizará esta dramaturgia, que já estava próxima da população brasileira, para construir suas histórias e apresentações, visando dialogar com os interesses e o gosto de seu público.