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Saci é o ajudante do herói, um jovem negro e brincalhão. Representa a personagem cômica da peça, responsável por criar momentos de descontração e conquistar a simpatia dos espectadores. Esta é uma história com muitas cenas de ação e Saci, diante das circunstâncias tensas e difíceis, se revela bem participativo. Em diversos momentos é briguento, porém em algumas situações se mostra covarde e medroso, pois ele é o anti-herói. Se comparamos com Jerônimo, percebemos que as atitudes de Saci nos ajudam a exaltar o herói, pois o público tem um comparativo. Responsável por nos lembrar, dentro de um contexto melodramático, que o mundo não é feito somente de opostos e idealizado, como preconizado pela maioria dos tipos da trama. O fato de descontrair os momentos tensos, e por se mostrar paradoxalmente valente e medroso, aproxima-o do palhaço da primeira parte do espetáculo, o Augusto da conhecida dupla com o Clown Branco.

Segundo a pesquisa realizada por Bolognesi (2003) em inúmeros circos brasileiros entre 1998 a 2001, não há no país o Clown Branco, tal como fora concebido na Europa. A função desempenhada por este palhaço, nos circos nacionais, geralmente é executada pelo Mestre de Pista (o apresentador do circo) ou por outro Augusto, chamado de escada. A relação desta dupla de atores se assemelha à concebida originalmente com o Clown Branco em que, no geral, um se

mostra esperto e o outro atrapalhado. Mesmo com esta polaridade algumas entradas de palhaço apresentam uma virada em que a personagem desajeitada, ao final da cena, se sobrepõe à outra. As apresentações podem ocorrer entre os números de variedade como uma forma de entreter o público, durante a troca dos aparelhos circenses. Em circos menores, o palhaço se torna a atração principal e dessa forma desenvolve narrativas e cenas mais longas.

No circo-teatro do século passado, Saci não seria representado com a roupa e maquiagem características do palhaço, porém algumas atitudes e seu caráter lhe aproximam desta conhecida figura circense. É responsável pelos momentos de descontração e riso, dentro de um contexto melodramático, tal como as entradas do palhaço depois de um número de risco, apresentado na primeira parte do espetáculo. Esta personagem também é responsável por nos revelar os aspectos humanos mais baixos e banais. Manifesta uma perspectiva, diante de fatos tensos, descontraída e superficial, demonstrando haver outra maneira de encarar as problemáticas.

No Circo Nerino foi interpretado por dois atores, primeiro por Paulo Sobral, importante cantor do espetáculo circense. E depois por Walmir dos Santos, que fazia o palhaço Garrafinha.

O Jerônimo foi, quando eles montaram o Jerônimo, eu não trabalhava. Quem trabalhava era um outro ator, que era até um cantor, Paulo Sobral. Aí quando Paulo Sobral saiu, aí na última hora me jogaram o papel. Porque eu fazia a Mestiça, Tico-Tico. Fazia ...E o Céu Uniu Dois Corações, o gago, o Juca. E depois que o Paulo Sobral saiu, é que eu fui fazer o moleque Saci, no Jerônimo. (...) Até o tipo físico era parecido, só que era branco, ele que bem claro. Ele era cantor, ele cantava músicas em castelhano, sabe? Era um bom cantor brasileiro. (...) O moleque Saci ele fez poucas vezes, porque a peça foi montada e logo ele saiu. (Entrevista com Walmir dos Santos realizada em 04/02/2015)

Paulo Sobral foi o único ator cômico do Circo Nerino que não atuava como palhaço na primeira parte do espetáculo. O mais comum eram aproveitarem a atuação e habilidades dos artistas para representarem, no teatro, algo equivalente ao que desenvolviam na parte de variedades. Podemos ressaltar diversos momentos engraçados da peça cuja atuação de Saci se assemelha ao jeito do palhaço. No final do primeiro ato, por exemplo, na circunstância em que Jerônimo pede ao ajudante para trabalhar na fazenda de Maria José. Ele demonstra

explicitamente estar com medo e, ao mesmo tempo, vontade de brigar. A maneira de expressar esta contradição é cômica, como podemos perceber na cena:

SACI - Tá legar, Jeromo, tá legar! Eu sei que eu vou virar couro de cuíca,

mas eu vou assim mesmo. Eu to memo com vontade de batê uma briguinha! Eta briguinha boa!

GARRAFINHA - aparecendo ao fundo Sá Joana, bota mais uma aí. Joana

serve

GARRAFINHA - depois de beber Oia, Seu Jerônimo, eu já andei

espalhando a notícia de que o senhô chegou em Serro Bravo! O Seu Ambrósio, o fazenderão marvado, tava lá na Fazenda Sete Morte conversando com a Sá Maria José, e inté mandaram convidá o sinhô pra i almoçá com eles amanhã. O almoço é as onze e eles não gostam de esperar não.

JERÔNIMO - Muito bem! Pode voltar lá e dizer a eles que eu irei ao almoço.

Peça também a essa tal Maria José que arranje um serviço aqui para este criolinho lá na fazenda. Esse coitadinho precisa trabalhar para se sustentar. Esse moleque é um coitadinho!

SACI - Coitadinho é o fio de rato que nasce pelado! Eu vô! Mais se a coisa

engrossá, eu garro o mato. Eta empreguinho bão... Vamos, Garrafinha. E que São Benedito nos ajude.

(MAVRUDIS, 2011: 14)

Neste trecho é engraçada a maneira de Saci expressar, através de gírias e ditados populares, seu receio em trabalhar na casa dos inimigos. A primeira fala: “Eu sei que eu vou virar couro de cuíca, mas eu vou assim mesmo.”, demonstra, de maneira inusitada, o receio em ser descoberto e “arrancarem sua pele”. Ele está acovardado diante desta situação, no entanto, algumas de suas ações ao longo da peça se revelam audaciosas e impetuosas. Inclusive, na mesma fala, diz que está com vontade de brigar com os malfeitores, demonstrando um contraste com a frase anterior. Esta característica se assemelha ao jogo do palhaço, que comumente apresenta esta polaridade do medroso e corajoso, combinada das mais variadas maneiras. Parte do jogo cômico está na apresentação dos opostos e nas reviravoltas cênicas que eles possibilitam.

O objetivo principal que observamos nas falas de Saci é fazer graça e troçar das personagens e situações. Como na fala seguinte, em que Jerônimo se refere ao ajudante como um coitado para que Garrafinha não desconfie da relação dos dois e arrume um emprego na casa dos inimigos, porém Saci não dialoga com esta dissimulação. E lhe responde: “Coitadinho é o fio de rato que nasce pelado! Eu vô! Mais se a coisa engrossá, eu garro o mato”. O objetivo desta fala é fazer rir, pois não tem a intenção de responder ao herói, fingindo ser um crioulo que precisa trabalhar.

Saci é um escarnecedor que gosta de brincar em todas as situações, inclusive nas piores.

O fato de rir daquilo que nos amedronta é uma forma de lidar com uma difícil situação oposta à melodramática. Esse raciocínio dialoga com o pensamento de Bakhtin, do riso como regenerador e positivo.

O verdadeiro riso, ambivalente e universal, não recusa o sério, ele purifica-o e completa-o. Purifica-o do dogmatismo, do caráter unilateral, da esclerose, do fanatismo e do espírito categórico, dos elementos de medo ou intimidação, do didatismo, da ingenuidade e das ilusões, de uma nefasta fixação sobre um plano único, do esgotamento estúpido. O riso impede que o sério se fixe e se isole da integridade inacabada da existência cotidiana. Ele restabelece essa integridade ambivalente. Essas são as funções gerais do riso na evolução histórica da cultura e da literatura. (BAKHTIN, 2010: 105)

Se Saci refletisse dramaticamente14 sobre o fato de trabalhar na casa inimiga e servir de espião, talvez não tivesse coragem de enfrentar a situação e se prostrasse. Principalmente por não ter tanta força e nem destreza quanto Jerônimo, ele não é o herói, sente medo e os sentimentos mais ordinários, como a maioria do público. Este trecho dialoga diretamente com o contexto que as personagens cômicas assumem nos dramas do circo-teatro brasileiro: dialogar com público e sua realidade. O cômico muitas vezes aparece como o elemento que apresenta o homem mais comum, ligado ao cotidiano de incertezas. Distancia do aspecto sublime preponderante neste gênero, dos altos sentimentos e das situações limites, e assim impede que o sério fique abstraído da realidade ordinária e concreta da maioria das pessoas. Dessa maneira, como indica Bakhtin, o riso consegue completar o sério, favorecendo sua comunhão com a sociedade.

No segundo ato, Saci apresenta um ato heroico diante da situação violenta de Ambrósio em relação a Eunice. A covardia expressa no primeiro ato transmuta-se em coragem, porém, diferentemente do herói, não resolverá a cena sozinho, mas realizará uma interferência bastante cômica.

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O termo dramático neste trecho é empregado de modo mais genérico relativo ao gênero oposto à comédia, em que se valoriza o sério e o grave em detrimento do riso.

AMBRÓSIO - Os seus insultos não me atingem. Vou acalmar o teu ímpeto

de orgulho, dando lhe o meu primeiro beijo de amor! tenta beijá-la

EUNICE - esbofeteando-o Toma! Miserável! AMBRÓSIO - avançando Atrevida... eu...

SACI - aparecendo Êpa! Que valentia é esta com uma menina indefesa?

Não, meu nego, com essa aí não!

AMBRÓSIO - Saia da minha frente, cozinheiro atrevido.

SACI - Cozinheiro que não é do teu fogão. Enquanto eu tiver aqui, ocê não

faz essas valentias com sá Eunice. Senão ocê vai entrá pelo cano direitinho, bicho.

AMBRÓSIO - Olha que eu sou capaz de...

SACI - Já sei. É capaz de me amarrá e me dá um beijo. Oh beijinho de

boca fedorenta, credo.

AMBRÓSIO - avançando Patife!

SACI - sacando o revólver Epa... Epa... Epa... Não engrossa... não

engrossa, bicho, que ocê estorou o pneu! Fica longe de mim, seu coisa!

CAVEIRA - entrando sorrateiramente, agarra Saci pelas costas Agora o

negócio é comigo! Pode deixá, chefe!

AMBRÓSIO - Espera, Caveira! tira o revólver de Saci Eu tomarei conta dele,

enquanto você pega Eunice e leva para a minha casa. Vamos. Caveira

executa, segurando Eunice em sua frente

JERÔNIMO - aparecendo Para trás, todos! TODOS - Jerônimo!

JERÔNIMO - Vamos, Saci, desarme-os. Saci executa Agora, Caveira, solte

Eunice.

CAVEIRA - Eu tô cumprindo orde, e vai ser meio difícil tirá ela das minhas

mão.

JERÔNIMO - dá-lhe uma bofetada e livra Eunice Agora vá para junto de sua

mãe, senhorita. Vá. Que, por enquanto, ninguém a incomodará. Eunice sai Agora vocês, canalhas, saiam, saiam logo. saem os dois, cada um com um

pontapé de Saci

SACI - Eta pontapezinho bão! Agora vai embora, Jeromi. Antes que venha

gente.

JERÔNIMO - Adeus, Saci. Continue a vigiar esta casa até que Jerônimo

possa acabar com esses miseráveis. Adeus! Sai (MAVRUDIS, 2011: 25 a 27)

Esta cena cômica acontece no momento auge deste ato, quando Ambrósio agarra Eunice à força. Nesta situação, Saci aparece para ajudar, mas causa riso, ao chamar Ambrósio de meu nego, logo ao entrar. Ele revela, através da fala, uma intimidade que não existe entre eles, porém, de acordo com o contexto, percebemos que se trata de uma ironia.

(...) na ironia expressa-se com as palavras um conceito mas se subentende (sem expressá-los por palavras) um outro, contrário. Em palavras diz-se algo positivo, pretendendo, ao contrário, expressar algo negativo, oposto ao que foi dito. A ironia revela assim alegoricamente os defeitos daquele (ou daquilo) de que se fala. Ela constitui um dos aspectos da zombaria e nisto está sua comicidade. O fato de o defeito vir a ser definido por meio da qualidade que se lhe opõe, coloca em evidência e realça o próprio defeito. A ironia é particularmente expressiva na linguagem falada, quando faz uso de uma particular entoação escarnecedora. (PROPP, 1992: 125)

A situação de enfrentamento entre ele e Ambrósio demonstra a discrepância deste tratamento, pois em palavras expressa uma intimidade enquanto suas ações são de embate, confronto e distância. O ator poderá, através da entonação, revelar a ironia de sua fala em contraste com as ações cênicas realizadas, como destacado por Propp no fragmento acima. Em seguida o Coronel o chama de cozinheiro atrevido e Saci lhe responde que não é cozinheiro do fogão dele e se ele não se cuidasse entraria “para o cano direitinho, bicho”. Em muitas passagens o Coronel se intromete nos assuntos da família e as personagens lhe respondem para não interferir naquilo que não lhe diz respeito. De maneira análoga, o moleque diz que não é o seu cozinheiro e, portanto, não precisa obedecê-lo. Revela não respeitar o Coronel, ao ameaçá-lo, chamando-o em seguida de “bicho”, um tratamento pejorativo, principalmente no contexto melodramático.

Saci surpreende Ambrósio e o público não só quando, com coragem, defende Eunice do ataque, como um herói trapalhão, principalmente pelo modo zombeteiro com que trata a situação “à priori” violenta. Sem dar valor à valentia do moleque, Ambrósio o ameaça, no que Saci responde de maneira extremamente cômica, ao reverter para si a situação que presenciou e perguntar de maneira irônica se o vilão quer beijá-lo à força também.

O Coronel fica furioso diante das afrontas e avança em sua direção, então Saci lhe aponta uma arma e, por ainda estar no controle da situação, completa: “não engrossa, bicho, que ocê estorou o pneu! Fica longe de mim, seu coisa!”.

Novamente Saci utiliza uma expressão popular, estourar o pneu, querendo dizer que Ambrósio passou dos limites. Também o chama de coisa, um tratamento pejorativo e desrespeitoso. Desse modo, transparece que não respeita nem o Coronel nem Maria José, a quem trata da mesma maneira. Novamente a fala de Saci chama a atenção pela maneira popularesca, se comparada às demais personagens. Ele apresenta um jeito debochado e brincalhão que será engraçado, principalmente nos diálogos com os vilões, pois o público deseja vê-los humilhados por tais zombarias.

Como Saci representa a personagem cômica, ele não consegue resolver a situação sozinho e Jerônimo precisa intervir, numa situação “deus ex-machina”. Ao final deste ato, depois da solução do herói, que surgiu inesperadamente para salvar o dia, Saci dá um pontapé no Coronel e em Caveira para mandá-los embora. Esta maneira de colocá-los para fora dialoga com o comportamento baixo do tipo cômico.

Saci age de uma maneira grosseira, diferente do que seria habitual a um salvador da mocinha em perigo, e esta atitude mais uma vez se aproxima da compreensão bakhtiniana do riso, principalmente por transferir para o plano corporal tudo o que é “elevado, espiritual, ideal e abstrato” (BAKHTIN, 2010: 17). Ao invés de mandá-los embora de uma maneira elegante e ameaçadora, Saci apresenta uma ação que rebaixa e aniquila qualquer polidez. Esta atitude novamente o aproxima do palhaço, principalmente por utilizar elementos da baixa comédia, tais como surra de pauladas, ponta pés, sem demonstrar as sutilezas presentes na alta comédia.

No quarto ato, no momento da revelação das vilanias da dupla, há uma sugestão cômica de Saci como punição para o Coronel: sentar em um formigueiro sem cueca. Apresenta um raciocínio descabido, responsável por rebaixar novamente ao plano corporal, e ligado às partes inferiores do corpo, uma possível correção e humilhação para o vilão. Essa solução é descabida para uma personagem como Jerônimo, porém possível e imaginável para seu ajudante. O herói empunha um revólver para intimidar o adversário, porém não pretende matá-lo, mas obrigá-lo a assumir suas faltas e pagar por isso na cadeia. Somente a criatividade da personagem cômica poderia conceber este raciocínio. A primeira frase da fala seguinte de Maria José se refere a esta piada feita por Saci: “Basta. Basta de tanta comédia.”, demonstrando, em sua perspectiva, a seriedade da situação.

Ainda no momento da solução da trama, Jerônimo pede ao ajudante para pegar os documentos de Carlos, em posse de Ambrósio. O moleque empunha um revólver e, caso o vilão não consinta em entregar os papéis, ameaça-o: “Se não eu faço a sanfona tocá e você tem que dançá.”. Esta é uma maneira metafórica e sarrista de intimidar o Coronel a não reagir e fazer o que ele deseja. Novamente a ameaça de Saci suscita uma imagem ridícula e descabida de alguém dançar ao som de uma sanfona ameaçado por uma arma, similar ao raciocínio do palhaço. A fala é engraçada porque surpreende e rebaixa. Esta situação tenderia a ser dramática, caso fosse realizada pelo herói ou vilão; porém nas mãos de Saci torna-se ridícula. A cena se encontra logo após o desmascaramento de Maria José, seguido de Coronel Ambrósio. Novamente traz o riso e faz o público relaxar um pouco em relação ao

Em seguida Saci leva o Coronel para o delegado, que esperava fora de cena, chutando-lhe o traseiro. Novamente evidencia o plano inferior corporal, tal como ocorre em algumas esquetes de palhaço. Bolognesi, no seu livro Palhaços, narra uma entrada chamada de O coração em que um palhaço supostamente mata o outro, que cai no chão. O primeiro chora diante do ocorrido e é consolado pelo apresentador, ele lhe sugere se certificar da morte através dos batimentos do coração. O palhaço, porém, não sabe onde se encontra este órgão, então o apresentador lhe diz as características. Todas as indicações são seguidas, de acordo com o seu raciocínio cômico, então encontra as nádegas do morto, e confirma o óbito devido ao mau cheiro percebido. Esta e inúmeras outras entradas se referem às partes baixas do corpo, com o objetivo de despertar o riso. Percebemos, através dos exemplos, que o mesmo acontece com Saci, personagem que apresenta um caráter zombeteiro e por isso é muito desbocado e trapalhão.

Todas as qualidades ressaltadas que aproximam a personagem cômica do palhaço de picadeiro se referem às características apresentadas por ambas as figuras. Entretanto, se observarmos do ponto de vista da interpretação do ator, perceberemos diferenças sensíveis, tal como mencionadas por Walmir dos Santos:

O que eu fazia como o palhaço Garrafinha (palhaço criado por Walmir na

primeira parte do espetáculo circense)15, era o Garrafinha. Agora em cena era outra coisa. Mesmo sendo cômico, o que eu fazia não tem nada a ver com o Garrafinha. (...) A diferença na maneira de você falar, como você tinha que se expressar, até a maneira de gestos, essas coisas. Porque no palhaço você tem que falar mais do que fazer esse tipo de cena. Às vezes você tem um texto, que este texto tem que mostrar a comicidade. No palhaço. Na cena é diferente. Você tem um texto e você tem que fazer alguma coisa ligada àquele texto. Totalmente diferente do palhaço. O palhaço é engraçado, é uma coisa de graça. E lá na peça é cômico, é uma comicidade que você faz na peça. No palhaço você já tem um outro tipo de gesticulação. (...) Toma conta da cena. Você faz pirueta, você faz tudo para fazer graça, no picadeiro. Não é só falar, você tem que fazer as comicidades, gesticular. Porque às vezes você não é sozinho, você está com outro que ajuda você. (Entrevista realizada em 04/02//2015)

Observamos duas diferenças importantes ressaltadas na fala de Walmir, a primeira se relaciona ao tipo de comicidade. Na peça, ela está atrelada e subordinada ao texto, já a do palhaço é independente no sentido de buscar ações fora do roteiro estabelecido, cujo objetivo é despertar o riso dos espectadores. Outra

15

diferença entre essas duas figuras se relaciona à gesticulação e à atuação, que, em relação ao palhaço, são mais livres, por poder se articular de acordo com improvisações. Neste jogo é possível incluir piruetas e grandes expressões cênicas por parte dos intérpretes, que extrapolem as regras da realidade. No caso do melodrama, o ator deve agir dentro de um outro contexto de representação, cuja linguagem é mais contida, pois busca dialogar com a vida dos espectadores, seguindo as convenções de um gênero dramático, e envolvê-los na encenação. Mesmo com a intenção de realizar uma interpretação realista16, o ator deve considerar as condições espaciais que o obriga a falar mais alto, devido à precariedade da acústica, a gesticularem de maneira limpa e sintética, o que acarreta uma linguagem particular deste meio.

O modo de falar das personagens, como a fala mais regional e carregada de sotaque de Saci, contribui para a explicitação das suas características e construção cômica. Utiliza a expressão coloquial e popular, em que as exigências quanto à gramática não são priorizadas, mas sim a fluidez na comunicação. Desse modo, gírias e interjeições aparecem com frequência no seu discurso, assim como nas falas das personagens de Garrafinha e Caveira. Eles desconsideram, portanto, a fala formal comum aos heróis e vilões, gerando uma diferença sensível no decorrer da