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3 P LANO GERAL DE INVESTIGAÇÃO

3.1.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1.3.3 ANÁLISE DAS CRENÇAS ESSENCIALISTAS

A análise das crenças essencialistas foi realizada através da utilização de dois questionários: questionário de medidas QCER e questionário de traços de natureza e traços de cultura.

Com base nos pressupostos teóricos (McConahay & Hough, 1976; Pettigrew & Meertens, 1995; Vala et al., 2009) o QCER foi estruturado em três dimensões (análise exploratória vide Anexo II): uma dimensão que agrega itens pertinentes às crenças nas diferenças humanas com base na biologia ou na organização hierárquica entre os grupos (por exemplo, “Os negros possuem uma mente menos complexa do que os brancos.”; “Do mesmo modo que há organismos vivos melhor dotados que outros para a sobrevivência, é possível que umas raças sejam superiores a outras.”); uma dimensão que agrega itens referentes à acentuação de diferenças culturais (por exemplo, “As diferenças que existem no nível social e econômico se devem apenas a falta de oportunidades iguais”; “Na minha opinião, o que diferencia os grupos é sua cultura.”), e uma dimensão que agrega itens referentes a oposição em relação às demandas dos negros acerca da luta pelos seus direitos (por exemplo, “Os negros não necessitam de ajuda, apenas devem se esforçar.” - invertido; “Os negros têm conseguido mais do que merecem.”). Neste sentido, verificamos que o primeiro fator apresentou uma média de 2,38 (DP=0,63), demonstrando uma baixa adesão às crenças sobre uma hierarquia entre as raças. Em relação ao segundo fator, os resultados demonstraram que os participantes aderem fortemente às crenças sobre a percepção de diferenças com base na cultura (M=4,02; DP=0,88). Considerando a adesão dos participantes em relação ao terceiro fator, crenças sobre a demanda por apoio social dos negros, os resultados apresentaram uma média de 2,54 (DP=0,73), indicando que os participantes apresentaram uma baixa adesão a este conjunto de crenças6.

De modo geral observamos que os participantes aderem em maior grau às crenças sócio-culturais como base das diferenças entre as raças, contudo, importante destacar que se por um lado não seja possível haver diferenças culturais entre brancos e negros brasileiros, pois compartilham a mesma cultura (ver Camino et al., 2001; Lima, 2003), por

6 Este instrumento não será utilizado nas análises subsequentes em virtude de não ter apresentado uma

outro lado um dos aspectos culturais implicados nessa diferença pode se referir à diferença de classe, dado consistente com a tese do class-over-race (Cao, 2008; Westley, 1998), o preconceito contra os negros estaria embasado tanto na cor da pele como na classe social. Acreditamos que embora pareçam percepções inconscistentes entre si, esses demonstram que os participantes patenteiam a existência de diferenças entre brancos e negros, mesmo essa diferença não sendo via essencialização ou infra-humanização dos negros. Observamos também que os participantes rejeitam as crenças referentes à percepção de diferenças com bases biológicas e referentes à percepção de hierarquia entre as raças (pelo menos uma hierarquia baseada em fatores biológicos), assim como de antagonismo às demandas dos negros. Talvez esse seja um dado que pode indicar um certo mascaramento de atitudes preconceituosas, uma vez que os participantes aderem fortemente à percepção de diferenças sócio-culturais, o que, de algum modo, implica em admitir a existência de uma hierarquia racial. Esse padrão de resultados é evidenciado por outras pesquisas (Vala et al., 2009; Zick, Pettigrew & Wagner, 2008).

ATRIBUIÇÃO DE TRAÇOS DE NATUREZA E DE CULTURA AOS NEGROS

Tendo verificado que a medida de atribuição de características a um negro típico suscitou nos participantes respostas enviesadas possivelmente por conta da norma da igualdade e de mecanismos como da auto-apresentação, planejamos verificar se havia diferença entre a atribuição de características ao alvo negro quando o mecanismo da auto- apresentação não estivesse saliente, para tanto, requeremos dos participantes a atribuição de características ao alvo negro, mas na perspectiva da sociedade. Esperamos que proceder julgamentos com base na perspectiva do outro possa evitar respostas baseadas na desejabilidade social (ver Camino et al., 2001). Para traçar uma comparação entre os julgamentos com base na perspectiva social e o próprio julgamento, os participantes foram

solicitados a atribuir também, a partir do mesmo conjunto de traços, características ao alvo negro.

Desta forma, foi solicitado aos participantes que marcassem em duas listas de adjetivos aqueles que referem a maneira como a sociedade percebe os brasileiros negros e em seguida, utilizando uma lista idêntica ao lado, aqueles que, de acordo com sua opinião, caracterizam esse alvo. Para esta análise, consideramos a perspectiva de Aguiar e Lima (2001) e Moscovivi e Pérez (1997). De acordo com esta estruturação, os traços são dispostos em quatro dimensões: traços de natureza positivos (por exemplo, alegre, fisicamente hábil, atlético), traços de natureza negativos (por exemplo, rude, agressivo, impulsivo), traços de cultura positivos (por exemplo, inteligente, amável, leal) e traços de cultura negativos (por exemplo, mal-educado, supersticioso, preguiçoso). Para esta etapa das análises criamos quatro indicadores gerais dos traços: traços de natureza na perspectiva da sociedade e na perspectiva pessoal e traços de cultura na perspectiva da sociedade e na perspectiva pessoal (as respostas eram dicotômicas, sendo 1 referente a não atribuição do traço aos negros, e 2 para quando o traço era atribuído aos negros). Em virtude de ter produzido valores médios para cada atributo em função do somatório realizado para a confecção dos indicadores, realizamos um teste t de Student para amostras emparelhadas a fim de verificar se existiam diferenças nas atribuições pessoais e na perspectiva social (Tabela 12).

Tabela 12: Média e desvio-padrão (entre parênteses) da atribuição de traços de natureza e traços de cultura aos negros em função da perspectiva social versus pessoal

Sociedade Opinião pessoal T P

Traços naturais 1,50 (0,24) 1,34 (0,19) 17,724 ,000

Traços culturais 1,38 (0,20) 1,38 (0,23) -0,041 n.s.

Verificamos que os participantes atribuem traços naturais ao alvo negro de forma diferenciada em função da perspectiva social e pessoal. Segundo os participantes, a sociedade atribui mais traços de natureza aos negros [t(661) = 17,724, p < 0,001]. Contudo,

não houve diferença para a atribuição de traços de cultura. Esse dado está compatível com a tese de que uma visão estereotipada dos negros é um fenômeno do outro (Camino et al., 2001).

Conforme destacam Vala e Lima (2005), é pertinente recorrer à utilização da valência dos traços para se verificar as formas mais mascaradas de racismo, isto porque a infra-humanização ocorre mais pela negação dos traços positivos do que pela atribuição dos traços negativos.

Criamos então indicadores de cada conjunto de traços através do somatório dos traços que compõem cada indicador (ver Tabela 13). Na sequência, realizamos testes t de

Student para amostras emparelhadas para avaliar em que medida a atribuição dos traços se

dá de forma diferenciada em relação à sociedade e na opinião dos participantes.

Foi observado que existem diferenças em função da valência dos traços entre as atribuições de acordo com a opinião pessoal e na perspectiva da sociedade. A Tabela 13 apresenta as direções destas diferenças.

Tabela 13: Média e desvio-padrão (entre parênteses) da atribuição de traços de natureza e traços de cultura aos negros em função da valência e da perspectiva social vs. pessoal

Sociedade Opinião pessoal T P

Traços naturais negativos 1,53 (0,31) 1,10 (0,21) 30,98 ,000

Traços naturais positivos 1,51 (0,35) 1,70 (0,32) -11,84 ,000

Traços culturais negativos 1,59 (0,35) 1,18 (0,28) 25,16 ,000

Traços culturais positivos 1,14 (0,26) 1,51 (0,30) -30,75 ,000

Podemos perceber que os traços negativos são atribuídos aos negros mais através da opinião da sociedade em geral do que da própria opinião, independente de serem de natureza ou de cultura. Ao passo que os traços positivos (de natureza e de cultura) são mais atribuídos aos negros pelos próprios participantes em detrimento da opinião da sociedade. Considerando a perspectiva de Vala e Lima (2005), na perspectiva pessoal, um teste t entre a atribuição de traços culturais e naturais positivos demonstrou que, de fato, a atribuição de traços positivos de natureza é superior significativamente que a atrbuição de traços de

cultura positivos ao alvo negro [t(667)=15,282, p<0,001]. O mesmo resultado foi encontrado na perspectiva social [t(668)=26,278, p<0,001]. Esses dados atestam que o alvo negro foi infra-humanizado na percepção dos participantes, seja através da visão da sociedade, seja na própria visão.

EFEITOS DA REGIÃO, DA COR DA PELE E DO PRIMING NA ATRIBUIÇÃO DE TRAÇOS AOS NEGROS NA PERSPECTIVA PESSOAL

Em se tratando dos efeitos da região, da cor da pele e do tipo de priming na atribuição de traços aos negros, realizamos um conjunto de análise de variância fatorial (ANOVA fatorial) e de testes post hoc (Tukey). Inicialmente analisamos os efeitos de interação das variáveis independentes na atribuição de traços de natureza negativos na perspectiva pessoal. Verificamos que não ocorreu efeito de interação entre as variáveis região, cor e priming [F(6,619)=1,230; n.s.]. Verificamos também que não ocorreu efeito principal das variáveis região [F(3,619)=1,539; n.s.] e priming [F(2,619)=0,568; n.s.]. Apenas a cor da pele apresentou efeito principal na atribuição de traços de natureza negativos aos negros [F(1,619)=6,847; p<0,01]. Pudemos observar que os estudantes brancos atribuíram uma menor proporção desses traços aos negros (média=1,49) do que os estudantes não-brancos (média=1,56).

Em relação à atribuição de traços de natureza positivos, os resultados demonstraram que não há efeito de interação entre a região, a cor e o tipo de priming na atribuição de traços naturais positivos aos negros [F(6,619)=0,487; n.s.]. Não encontramos também efeito principal da região [F(3,619)=0,117; n.s.], da cor da pele [F(1,619)=0,276;

n.s.] e do tipo de priming [F(2,619)=1,680; n.s.].

Passamos a analisar os efeitos das variáveis independentes na atribuição de traços de cultura negativos aos negros. Os resultados demonstraram que não ocorreu efeito de

interação entre a região, a cor e o tipo de priming nessas atribuições [F(6,619)=1,292; n.s.]. os resultados apresentaram também que não há efeito principal da região [F(3,619)=1,768;

n.s.], da cor da pele [F(1,619)=3,310; n.s.] e do priming [F(2,619)=1,009; n.s.].

Em relação à atribuição de traços de cultura positivos, os resultados mostraram que não há efeito de interação [F(6,619)=0,426; n.s.], nem efeito principal das variáveis região [F(3,619)=0,545; n.s.], cor da pele [F(1,619)=0,011; n.s.] e priming [F(2,619)=1,746; n.s.] nessas atribuições.

EFEITOS DA REGIÃO, DA COR DA PELE E DO PRIMING NA ATRIBUIÇÃO DE TRAÇOS AOS NEGROS NA PERSPECTIVA SOCIAL

Analisamos os efeitos das variáveis independentes na atribuição de traços naturais negativos. Os resultados demonstraram que não ocorreu efeito de interação entre a região, a cor e os primings [F(6,618)=0,680; n.s.]. Também não foi evidenciado efeito principal da região [F(3,618)=1,742; n.s.], da cor da pele [F(1,618)=0,187; n.s.] e do tipo de priming [F(6,618)=0,680; n.s.].

Passamos a analisar a atribuição de traços de natureza positivos. Verificamos que não há efeito de interação entre as variáveis independentes e esse tipo de atribuição [F(6,618)=0,674; n.s.]. Os resultados demonstraram também que não há efeito principal da região [F(3,618)=2,014; n.s.], da cor da pele [F(1,618)=0,373; n.s.] e do tipo de priming [F(2,618)=1,716; n.s.].

Em se tratando da atribuição de traços culturais negativos, os resultados demonstraram que não ocorreu efeito de interação entre a região, a cor da pele e os

primings [F(6,618)=0,941; n.s.]. No entanto encontramos efeito principal da região

[F(3,618)=3,401; p<0,05] e do tipo de priming [F(2,618)=5,177; p<0,05], mas não da cor da pele [F(6,618)=0,680; n.s.]. Os resultados demonstraram que os participantes da região

norte (média=1,30) apresentaram uma média significativamente superior em relação os demais participantes (sul - média=1,15; nordeste - média=1,18; centro-oeste - média=1,13). Considerando o tipo de priming, os resultados demonstraram que os participantes da condição 3 (priming “negro”) apresentaram uma média (média=1,23) significativamente superior em relação aos participantes da condição 1 (priming “brasileiro”) (média=1,15).

No que se refere à atribuição de traços de cultura positivos, os resultados apresentaram que não há efeito de interação entre as variáveis independentes [F(6,620)=0,884; n.s.]. No entanto, foi evidenciado efeito principal da cor da pele [F(1,620)=13,144; p<0,001.]. Os participantes não-brancos apresentaram média significativamente superior (média=1,54) de atribuição dos traços de cultura positivos em relação aos brancos (média=1,49). Considerando o efeito principal da região [F(3,620)=0,726; n.s.] e dos primings [F(2,620)=1,673; n.s.], os resultados demonstraram não haver diferença significativa na atribuição desses traços.

Dois aspectos podem ser enfatizados nos resultados globais da atribuição de traços aos negros: primeiro que atribuir traços aos negros em função da própria opinião e da opinião da sociedade é fundamentalmente diferente, segundo que a região, a cor da pele e o tipo de priming têm algum efeito nas formas de atribuir traços aos negros.

Em relação ao primeiro aspecto, a divergência entre as atribuições de acordo com a perspectiva pessoal e social, conforme já discutimos, é bastante frequente a tendência a buscar uma auto-imagem positiva no que se referem aos princípios normativos e de ética moral. As pessoas necessitam resguardar uma auto-imagem vinculada à justiça e igualdade social, ou seja, uma imagem favorável de si mesmas ou uma identidade social positiva (ver Tajfel, 1981). As perspectivas dos novos racismo e preconceitos defendem que as pessoas possuem um modelo misto de representações sobre os grupos minoritários, tanto vinculado