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INFRA-HUMANIZAÇÃO VIA ATRIBUIÇÃO DIFERENCIADA DE EMOÇÕES

CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO DO PRECONCEITO E RACISMO

2.3 P ERCEPÇÃO DE VARIABILIDADE DOS GRUPOS , ENTITATIVIDADE E ESSENCIALISMO

2.3.1 INFRA-HUMANIZAÇÃO VIA ATRIBUIÇÃO DIFERENCIADA DE EMOÇÕES

De acordo com Leyens et al. (2000), uma maneira de analisar as bases do viés que interfere no julgamento social é através da atribuição de emoções humanas e não-humanas

às categorias sociais. Os autores acreditam que existe uma inclinação para avaliar o próprio grupo como sendo mais humano do que outros, mas que esta inclinação não necessariamente estaria reservada aos casos em que existe hostilidade intergrupal.

É lugar comum entender que as relações que estabelecemos entre o nosso grupo de referência e os exogrupos podem ser aludidas como um dos preditores fundamentais do nosso julgamento social (Mussweiler, 2003). E, de fato, a esta apreciação Leyens e colaboradores acrescentam a hipótese de que todo julgamento social sofre um efeito centralizador da tendenciosidade personalista. O que implicaria na ideia de que as pessoas estão propensas a experienciar este processo de forma tendenciosa por meio do favoritismo endogrupal ou etnocentrismo, e a consequência deste processo seria uma percepção tendenciosa do „nós‟ em relação ao „eles‟ (Gaunt, Leyens & Demoulin, 2002).

Estudos demonstram que as pessoas analisam com maior cuidado um comportamento ambíguo de um membro do próprio grupo do que um comportamento semelhante do membro de outro grupo (Dasgupta, 2004; 2009), assim como, estão propensas a desculpar um comportamento antinormativo de um membro do endogrupo em detrimento do comportamento antinormativo do membro do exogrupo (Eidelman et al., 2006).

Observamos que essa tendenciosidade é evidenciada em um conjunto de análises (Deschamps et al., 2005; Scaillet & Leyens, 2000) e segue desde uma avaliação mais positiva do endogrupo a uma avaliação mais negativa do exogrupo, mesmo na ausência de comprovações ou na presença de fatos imprecisos. Alguns estudos demonstram que mais do que simplesmente diminuir o estatuto do exogrupo atacando sua imagem, esta inclinação possui a função de proteção da auto-imagem grupal (Smith, 1993; Yzerbyt, Castano, Leyens & Paladino, 2000), além de contribuir para o aumento da coesão e cooperação no interior do grupo (Hammond & Axelrod, 2006).

Contudo, considerando que o julgamento baseado no favoritismo endogrupal (como comumente ocorre) pode endossar atitudes e comportamentos negativos em relação ao exogrupo, Leyens et al. (2000) defendem que ao avaliar o endogrupo como mais humano do que outros, o indivíduo estaria guiando seu julgamento social a partir do favoritismo endogrupal e a consequência deste processo seria a infra-humanização dos grupos externos.

Segundo Leyens et al. (2000), um conjunto de atributos específicos diferenciam humanos de não-humanos, tais como inteligência, linguagem e moralidade, além de algumas emoções complexas (Demoulin et al. citado por Gaunt et al., 2002). Contudo, Gaunt et al. (2002) acreditam que cada uma destas características são necessárias, mas não suficientes para definir um ser humano. Isto quer dizer que, os membros de um grupo devem parecer inteligentes, morais e capazes de experienciar emoções complexas a fim de serem percebidos como humanos. Este grupo seria percebido como mais humano do que um grupo que apesar de aparentar alto grau de inteligência, deixa a desejar no quesito emoção, ou um grupo que apresenta baixo nível de inteligência, mas experienciou um conjunto de emoções complexas. Nesta perspectiva, os autores defendem que existe uma tendência a acentuar as características e emoções humanas do endogrupo e atribuir uma quantidade menor de características “humanas” ao exogrupo.

Estudos realizados nos EUA, Bélgica e Espanha (ver Gaunt et al., 2002) têm demonstrado que algumas emoções são percebidas como inerentes a espécie humana e outras espécies, mas certos tipos de emoções são percebidas apenas como fazendo parte do repertório dos seres humanos. Por exemplo, emoções como medo, raiva ou surpresa podem ser experienciadas algumas vezes por animais, mas emoções como esperança, admiração ou arrependimento, fazem parte apenas do repertório dos seres humanos. O conjunto de emoções compartilhadas por seres humanos e animais corresponde às emoções primárias, e

as emoções que compõem o repertório exclusivamente dos seres humanos referem às emoções secundárias. Emoções primárias possuem bases biológicas e aparecem em outros primatas, são caracterizadas pela fugacidade e sua ocorrência é explícita, enquanto que as emoções secundárias são resultantes da introjeção dos repertórios que permeiam as várias situações de interação social (Leyens et al., 2001).

Nesta linha de pensamento, Paladino et al. (2002) sugerem que as pessoas atribuem emoções secundárias ao próprio grupo, ao passo que as emoções primárias são atribuídas ao exogrupo. Os pesquisadores testaram esta hipótese utilizando o Implicit

Association Test (IAT). Este teste requeria dos participantes que rapidamente tomassem

decisões em termos de duas categorias: nomes de endogrupos versus exogrupos e palavras positivas versus negativas. A partir destes estímulos os participantes faziam as associações. A lista que segue no Quadro 6 apresenta o conjunto de emoções utilizado como estímulo nos estudos realizados pelos autores.

Valência Emoções Primárias Emoções Secundárias

Crueldade Despeito

Medo Decepção

Dor Culpa

Negativas Terror Remorso

Raiva Vergonha Espanto Desejo Admiração Luxúria Compaixão Atração Felicidade Surpresa Empatia

Positivas Prazer Afeto

Alegria Serenidade

Excitação Amizade

Esperança Amor

Quadro 6: Lista de emoções primárias e secundárias (Paladino et al., 2002)

Diferente de outras características, as emoções são inferidas e interpretadas por quem as percebe e por esta peculiaridade são fortemente eliciadoras de percepções enviesadas. Se pensarmos nos atributos inteligência e linguagem, por exemplo, é difícil

imaginar que pessoas bem educadas e de alto padrão social não possuam estas qualidades. Contudo, com as emoções o processo é diferente. É possível que um grupo de alto estatuto social seja caracterizado por emoções primárias, assim como, emoções secundárias podem ser atribuídas a um grupo de baixo estatuto social. Um estudo realizado por Fiske, Cuddy e Glick (1999), demonstrou que a atribuição de emoções ocorre independente do status do grupo percebido. Fiske e colaboradores encontraram que um grupo de alto status na maior parte dos casos é percebido como competente mesmo que as pessoas não gostem dele, porém, um grupo de baixo status, na mesma proporção, é percebido como incompetente, mesmo que as pessoas o considerem agradável. Outras evidências empíricas apontam que a percepção de emoções secundárias induz comportamentos solidários em relação a grupos desfavorecidos (Batson et al., 2007), do mesmo modo que refletir sobre as experiências emocionais das pessoas pode gerar sentimentos de empatia e reduzir o preconceito (Batson et al., 1997; Batson, 2009).

De acordo com Leyens et al. (2000), as características que definem a natureza humana de um grupo são necessárias, porém não são suficientes para abarcar a complexidade desta questão. Paladino et al. (2002) sugerem que ao passo que se nega algum atributo exclusivamente de natureza humana a um grupo, esse grupo estaria sendo remetido a uma condição menos humana que o grupo de referência. Se considerarmos que em virtude do favoritismo endogrupal as pessoas tendem a representar em termos de hierarquia as relações intergrupais, sendo o próprio grupo superior, então, poder-se-ia dizer que os exogrupos seriam infra-humanizados, ou seja, seriam excluídos do padrão de valores morais, justiça social e regras correspondentes aos grupos humanos.

A partir de um ponto de vista teórico, categorias sociais que são percebidas como inalteráveis, como etnia, gênero e raça, podem ser remetidas facilmente a alvos de

discriminação (percebidas como menos humanas, essencializadas ou infra-humanizadas5), tendo em vista que o caráter definidor destas categorias é fortemente salientado em termos de diferenciar esta categoria das demais (as diferenças intergrupais são extremamente ressaltadas). Segundo Paladino et al. (2002), as pessoas tendem a essencializar as diferenças intergrupais quando a identidade endogrupal é destacada ou nas condições em que a necessidade de demarcar essa diferença seja apresentada.