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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TEORIAS DOS NOVOS RACISMOS E PRECONCEITOS Percebemos que o preconceito racial, étnico ou religioso permanece bastante forte

1 P RECONCEITO : ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

1.6 M EDIDAS DIRETAS DE PRECONCEITO NA PERSPECTIVA DAS NOVAS FORMAS DE EXPRESSÃO

1.6.7 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TEORIAS DOS NOVOS RACISMOS E PRECONCEITOS Percebemos que o preconceito racial, étnico ou religioso permanece bastante forte

na sociedade, sendo-lhe atribuído em função de suas novas formas, diferentes nomenclaturas, um “novo racismo sob-a-pele” (a new under-the-skin racism) na França (Freriks, 1990), na Alemanha “preconceito latente” (latent prejudice) (Bergmann & Erb, 1986), na Inglaterra “novo racismo” (new racism) (Barker, 1984), na Holanda, “racismo cotidiano” (everyday racism) (Essed, 1984), e nos Estados Unidos, “racismo simbólico” (symbolic racism) (Sears, 1988), “racismo moderno” (modern racism) (McConahay, 1983; Pettigrew, 1989), “racismo aversivo” (aversive racism) (Kovel, 1970) (citados em Pettigrew & Meertens, 1995) e “racismo ambivalente” (ambivalent racism) (Katz et al., 1986).

No entanto, alguns aspectos comuns aparecem em todas as teorias aqui apresentadas sobre os novos racismos e preconceitos. Todos os modelos sustentam teórica e empiricamente que a expressão do preconceito de modo explícito está em declínio, fazendo emergir uma nova maneira, diferenciada por ser camuflada e indireta em função das normas igualitárias comumente defendidas nos dias atuais. Lima (2003) acrescenta que

outro ponto comum entre esses modelos é a capacidade de mutação ou transformações dessas atitudes mais sutis em expressões violentas a depender do contexto de resposta. Como se o preconceito fosse um vírus latente, que destrói os tecidos sociais com violência discreta quando a norma da igualdade está presente e saliente, porém, em contextos em que uma norma qualquer possa ser utilizada para justificar a expressão, as formas mais violentas ocorrem. Fleury e Torres (2007) fazem essa mesma analogia enfatizando que a finalidade da mutação do fenômeno do preconceito é permanecer existindo, mesmo em um ambiente inadequado à sua existência.

Essas transformações assemelham-se às mutações que um vírus pode sofrer para coexistir num ambiente inadequado à sua sobrevivência, promovendo, assim, por meio dessa mutação, sua adaptação ao ambiente hostil, mas não necessariamente sua eliminação. Apesar de um tanto agressiva, essa analogia resume as conclusões tiradas de grande parte dos estudos sobre a expressão de um fenômeno não menos violento, porém muitas vezes mais discreto: o preconceito nas sociedades modernas (Fleury & Torres, 2007, p. 476).

Mesmo compartilhando aspectos comuns, algumas distinções devem ser consideradas entre os modelos das novas formas de expressão do preconceito e racismo. Enquanto a teoria do racismo simbólico (Kinder & Sears, 1981) aponta como origem do racismo o sentimento de ameaça aos valores americanos mais tradicionais por parte da cultura dos negros, a teoria do racismo moderno (McConahay & Hough, 1976) acrescenta que não apenas este sentimento de ameaça é a causa principal do racismo, mas também a necessidade de proteção da auto-imagem como sujeito não-preconceituoso, gerando então um tipo de resposta associada tanto aos valores tradicionais quanto aos valores igualitários. Do mesmo modo se assemelham as ênfases destes modelos, para o racista simbólico o principal foco de análise está na quebra dos valores tradicionais americanos, enquanto que além deste sentimento, os teóricos do racismo moderno enfatizaram que o racista necessita de um contexto que justifique suas crenças racistas através de outros meios para assim

poder as expressar sem ferir a norma da igualdade. As escalas de racismo simbólico e moderno, deste modo, são bastante próximas.

A teoria do racismo aversivo (Gaertner & Dovidio, 1986) já apresenta maior semelhança com a teoria do racismo ambivalente, pois ambas se caracterizam por enfatizar os sentimentos de ambivalência frente os negros já abordados de modo superficial pela teoria do racismo moderno. Para a primeira, a origem do racismo tem base em práticas de culturalização e tendências cognitivas normais, sendo estas originadas pelo contexto racista e pelo favoritismo endogrupal. A segunda, a teoria do racismo ambivalente (Katz et al., 1986) procura enfatizar a polarização dos sentimentos de ambivalência frente os negros em contextos de saliência do fator raça, assim, o indivíduo experimenta um misto de rejeição aos negros e à sua cultura e sentimentos de simpatia em relação à causa dos negros ou de compaixão pelas desvantagens que enfrentam. Os fatores que esses modelos medem também se assemelham, considerando que tratam das atitudes ambivalentes em relação aos negros.

A teoria do preconceito sutil (Pettigrew & Meertens, 1995) segue em um alto nível de semelhança com os modelos anteriores, exceto que foi destinada a analisar o preconceito contra grupos exógenos, por isso sua ênfase está nas diferenças culturais e não biológicas necessariamente. Trata também dos sentimentos de ameaça da cultura dos grupos dominantes, assim como, da aversão e compaixão em relação aos grupos inferiores.

Por fim, o modelo do racismo cordial (Turra & Venturi, 1995; Camino et al., 2001), modelo em desenvolvimento no Brasil, enfatiza a cor da pele e a classe social como ponto de origem do racismo, tendo em vista que a marca da cultura brasileira, enquanto identidade do povo, é justamente a miscigenação, de modo que o povo brasileiro compartilha a mesma cultura e os mesmos valores. Este modelo analisa as atitudes cotidianas em relação às diferenças entre brancos e não-brancos em um nível ideológico,

em que aspectos relacionados à cultura ou à origem não são colocados como base dos conflitos, o que difere globalmente este modelo dos demais. Interessante mencionar que os estudos sobre o preconceito contra negros no contexto do Brasil, apesar de seguirem alguns dos pressupostos das teorias das novas formas de expressão do preconceito, por exemplo, a camuflagem das expressões, ou a ambivalência de sentimentos em relação aos negros, buscam descrever os aspectos centrais que caracterizam esse modelo peculiar de preconceito racial, uma vez que os estudos sob essa perspectiva ainda são escassos no contexto brasileiro.

Tendo discutido os modelos mais proeminentes de análise do preconceito e racismo na perspectiva das novas formas de expressão, situados na segunda geração de estratégias de medida do preconceito ou em um nível direto de análise (ver Lima, 2003; Olson, 2009), passaremos a discutir a terceira geração de medidas do preconceito ou as medidas alocadas a um nível indireto de resposta. Neste sentido, as estratégias de medida não requerem respostas conscientes e controladas, mas são caracterizadas por analisar as formas incontroladas, automáticas ou inconscientes de preconceito. Por essa razão, discutiremos as definições de automaticidade, sua relação com o estudo dos estereótipos e as medidas do preconceito automático.