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3 P LANO GERAL DE INVESTIGAÇÃO

3.1.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1.3.2 ANÁLISE DO PRECONCEITO DE COR

Para essas análises utilizamos testes qui-quadrado (para as variáveis categóricas) e análise de variância fatorial (ANOVA fatorial, para as variáveis intervalares), sendo as variáveis independentes a região (norte, nordeste, sul e centro-oeste), a cor da pele dos participantes (brancos e não-brancos) e o tipo de priming (condição 1, priming “brasileiro”; condição 2, priming “branco”; condição 3, priming “negro”), e como variáveis dependentes as crenças sobre o preconceito de cor e sobre os negros.

A primeira questão que utilizamos para avaliar as formas pelas quais os participantes percebem o preconceito de cor no Brasil questionava sobre a existência de preconceito contra negros neste contexto. 96,6% dos participantes responderam positivamente a esta questão. Os resultados de testes qui-quadrado demonstraram que não há diferença entre as regiões quanto a esta percepção (x2=2,186; gl=3; n.s.), assim como em função da cor (x2=0,167; gl=1; n.s.) e do tipo de priming (x2= 2,270; gl= 2; n.s.).

Na sequência, nosso interesse consistiu em explorar a magnitude de expressão do preconceito de cor. Perguntava-se aos participantes se eles já haviam manifestado ou sentido preconceito contra alguém por conta da cor da pele. Os resultados indicaram que 32,3% dos participantes afirmaram que em algum momento já sentiram ou manifestaram preconceito contra alguém por conta da cor da pele, mas que esse dado não apresenta

diferença significativa em função da região (x2=7,063; gl=3; n.s.), da cor da pele (x2=0,199; gl=3; n.s.) e dos primings (x2= 0,808; gl= 2; n.s.).

Analisamos também a porcentagem de pessoas que os participantes afirmam conhecer que podem ser consideradas preconceituosas. A média encontrada para esta resposta foi de 35,37% (DP=24,68) (a escala de resposta variava de 0 a 100%). Quase 70% dos participantes afirmam conhecer entre 10% e 40% de pessoas que podem ser caracterizadas como preconceituosas em relação aos negros, ou seja, a maior parte dos participantes afirma ter menos de 40% de conhecidos preconceituosos, o que é bastante semelhante a quantidade de pessoas que afirmam já ter sentido ou manifestado preconceito contra alguém por conta da cor. Analisamos esse dado em função da região, da cor da pele e dos primings. Os resultados de uma ANOVA fatorial demonstraram que não há efeito de interação entre essas variáveis [F(6, 611) = 1,549; n.s.], assim como não há efeito principal da cor da pele [F(1, 611) = 0,140; n.s.] e do tipo de priming [F(2, 611) = 1,071; n.s.]. Por outro lado, encontramos uma tendência ao efeito principal da região [F(3, 611) = 2,319;

p=0,074]. Analisando esses dados com um teste post hoc mais sensível (LSD)

encontramos que os participantes da região sul (média=39,47%) afirmaram conhecer significativamente mais pessoas preconceituosas em comparação com os participantes das regiões norte (média=28,65%) e nordeste (média=34,28%). Encontramos também que os participantes da região centro-oeste (média=37,13%), em comparação com os participantes da região norte, afirmaram conhecer significativamente mais pessoas preconceituosas (p<0,05).

Buscamos avaliar a adesão das pessoas à frase “os negros têm preconceito contra eles mesmos”. Os resultados indicaram que 84,2% dos participantes concordam com esta frase e não houve diferença entre as regiões (x2=1,359; gl=3; n.s.), nem em função da cor

da pele dos participantes (x2=0,119; gl=1; n.s.), assim como em função do tipo de priming (x2= 0,808; gl= 2; n.s.).

A segunda medida utilizada para analisar as crenças sobre o preconceito de cor no Brasil foi um questionário de atitudes em relação à responsabilização pela existência do preconceito de cor (questionário de atribuição de responsabilidade pela existência do preconceito - QARP). Seis grupos eram avaliados: todos os brasileiros, todos os brancos, colonizadores europeus, todos os pardos, alguns brancos racistas e todos os negros.

Para avaliar em que medida os participantes aderem aos indicadores do QARP, realizamos uma análise das médias e desvios-padrão referentes aos seis grupos. Observamos que em nenhuma das categorias os participantes atribuem alto grau de responsabilidade pela existência do preconceito de cor. Não obstante, verificamos que há uma magnitude maior de concordância em relação à responsabilidade do preconceito de cor ser dos colonizadores europeus e de alguns brancos racistas (Tabela 11).

Tabela 11: Média e desvio-padrão (DP) do QARP

Grupos responsabilizados pela

existência do preconceito Média DP

Todos os brancos 2,58 1,32

Todos os pardos 2,41 1,18

Todos os brasileiros 2,91 1,51

Todos os negros 2,66 1,55

Alguns brancos racistas 3,99 1,22 Dos colonizadores europeus 3,54 1,23

Com o objetivo de analisar a existência de diferença significativa entre a adesão aos indicadores do QARP em função da região, da cor da pele e do tipo de priming, realizamos uma análise de variância fatorial (ANOVA fatorial). Dos seis grupos analisados em função das variáveis independentes, encontramos algum efeito apenas na responsabilização pelo preconceito de cor por parte dos colonizadores europeus, por parte de alguns brancos racistas e de todos os negros.

Considerando a crença sobre a responsabilização pela existência do preconceito de cor ser dos colonizadores europeus, encontramos apenas efeito principal da região [F(3, 573) = 3,289; p<0,05]. Os participantes da região nordeste (média=3,69) apresentaram uma média significativamente superior à média dos participantes da região sul (média=3,31) e centro-oeste (média=3,25). Os participantes da região norte (média=3,79) apresentaram uma média significativamente superior aos participantes da região sul e centro-oeste (média=3,25). Esses dados indicam que os participantes da região norte e nordeste são os que mais acreditam que o preconceito de cor no contexto brasileiro teve sua natureza associada à colonização européia.

Em se tratando do indicador referente a responsabilizar alguns brancos racistas pela existência do preconceito de cor, os resultados demonstraram que apenas a região apresentou efeito principal nesta crença [F(3, 574) = 3,303; p<0,05]. Os participantes da região nordeste (média=4,15) e da região sul (média=4,08) apresentaram uma adesão significativamente superior aos participantes da região norte (média=3,64) e centro-oeste (média=3,62) em relação a esta crença. Ou seja, os participantes da região nordeste e da região sul configuram o grupo que mais acredita que o preconceito de cor está vinculado a alguns brancos racistas.

Sobre a atribuição de responsabilidade a todos os negros, a região foi a única variável a apresentar efeito principal [F(3, 564) = 5,738; p<0,005]. Os participantes da região sul (média=2,96) apresentaram uma maior adesão a esta crença em detrimento dos participantes da região nordeste (média=2,65) e norte (média=2,06). Indicando que os participantes da região sul culpabilizam em maior grau os negros pela existência do preconceito de cor em comparação os demais participantes. Por sua vez, os participantes da região norte apresentaram uma adesão inferior aos participantes do nordeste e centro-oeste (média=2,78) em relação a essa crença.

Outra questão que utilizamos para analisar o preconceito de cor brasileiro foi a medida de associação do preconceito ao fator classe social ou cor da pele. Uma análise das médias das repostas indicou que os participantes inferem que o preconceito está associado a ambos os fatores, mas com uma leve tendência à associação do preconceito de cor à classe social (M=3,09; DP=1,15). Uma ANOVA fatorial indicou não haver efeito de interação entre a região, a cor da pele e tipo de priming [F(6, 598)=0,551; n.s.] nesta crença. Os resultados demonstraram também que não há efeito principal da região [F(3, 598)=2,372; n.s.], da cor [F(1, 598)=0,646; n.s.], nem dos primings [F(2, 620) = 0,307;

n.s.].

Em conjunto podemos perceber que quase a totalidade dos participantes acredita na existência do preconceito de cor no contexto brasileiro, independentemente da região, mas apenas um terço destes afirma já ter sentido ou expressado o preconceito por conta da cor. Dados de pesquisas realizadas no Brasil apresentam resultados consistentes (Camino et al., 2001; Turra & Venturi, 1995). Na mesma direção foi evidenciado que grande parte dos participantes inferem ter menos de 40% de conhecidos preconceituosos. Curioso, pois quase a totalidade de brasileiros têm preconceito de cor. Talvez indicar a quantidade de conhecidos que podem ser julgados como preconceituosos tenha ativado a percepção de que a própria pessoa se relaciona com indivíduos que julga serem preconceituosos, uma vez que possui alguma vinculação com eles e, desta forma, o mecanismo da auto- apresentação tenha enviesado esta resposta. Verificamos também que os participantes da região sul apresentam uma proporção maior de conhecidos preconceituosos, em detrimento dos conhecidos indicados pelos participantes da região norte. Essas evidências podem estar demonstrando que o fenômeno da auto-apresentação no que se refere a manutenção de uma imagem favorável de si mesmo em termos de princípios igualitários, é mais recorrente nos participantes do sul, pois ao mesmo tempo em que esse grupo de participantes indica

tendencialmente em maior grau nunca ter sentido ou expressado preconceito de cor, esse mesmo grupo é o que indica ter a maior proporção de conhecidos preconceituosos em relação aos demais participantes.

Pudemos evidenciar também que quase 85% dos respondentes concordam que os negros têm preconceito contra eles mesmos. Esse dado é consistente com a tese de que o preconceito é um fenômeno do outro, mesmo que esse outro seja a própria vítima de preconceito que passa de sujeito passivo a ativo em seu processo de exclusão. De acordo com Oliveira Filho (2002), a posição social dos negros no Brasil é justificada em função de três fatores, quais sejam, fatores de ordem histórico-social, como um produto das características dos próprios negros ou como um produto do racismo que sofrem, contudo, o autor enfatiza que no discurso dominante os negros são os principais responsáveis por sua condição social. A transformação de um suposto aspecto da identidade dos negros na causa mais importante de sua condição de desigualdade social é um determinante ideológico que parece estar ancorado nos repertórios representacionais acerca das relações raciais. De fato, Oliveira Filho destaca que o sentimento de inferioridade que é atribuído à identidade dos negros é configurado pelas pessoas como base de sua situação marginal.

O fenômeno de julgar o preconceito como atributo do outro também pôde ser evidenciado quando os participantes julgaram que alguns grupos específicos têm a responsabilidade pela existência do preconceito de cor, estando esse dado relacionado à região.