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PROCEDIMENTOS DE PRIMING NOS ESTUDOS SOBRE PRECONCEITO RACIAL E ESTEREÓTIPOS

1 P RECONCEITO : ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

1.7 A UTOMATICIDADE , ESTEREÓTIPOS E MEDIDAS DO PRECONCEITO AUTOMÁTICO

1.7.2 PROCEDIMENTOS DE PRIMING NOS ESTUDOS SOBRE PRECONCEITO RACIAL E ESTEREÓTIPOS

estereótipos. Quando expostos a uma diversidade de alternativas, incluindo o pensar no lugar dos outros, os indivíduos tendem a aumentar a expressão de atitudes positivas acerca do alvo, reduzem a expressão do conteúdo estereotípico e a hiperacessibilidade do estereótipo, uma vez que ocorre a sobreposição das crenças pessoais sobre o self e crenças exogrupais (Bernardes, 2003; Leite & Batista, 2009; Sassenberg & Moskowitz, 2005). É neste sentido que Devine, como já discutido no tópico anterior, conclui que os pensamentos controlados e automáticos (e as demais variáveis que permeiam essa relação, por exemplo, a identidade social) atuam em conjunto na exposição do preconceito. Daí a importância de estudar os processos mentais para se entender melhor como ocorre a ativação e a redução de conteúdos relativos à formação de impressão sob o viés dos estereótipos nas relações sociais.

1.7.2 PROCEDIMENTOS DE PRIMING NOS ESTUDOS SOBRE PRECONCEITO RACIAL E ESTEREÓTIPOS

Três tipos de utilização de priming possuem lugar de destaque nos estudos sobre preconceito racial e estereótipos. Estudos que utilizam como priming os estereótipos da categoria social, estudos que utilizam como priming um exemplar da categoria racializada e estudos que utilizam como priming rótulos categoriais (ver Lima & Vala, 2004c).

Considerando a utilização do priming através de estereótipos da categoria social, Devine (1989) analisou a dissociação dos processos automáticos e controlados envolvidos no preconceito. Como participantes, este estudo contou com estudantes de psicologia brancos. Três estudos foram realizados para responder ao objetivo desta investigação. No primeiro estudo, os participantes eram solicitados a listar traços culturalmente associados a negros e em seguida respondiam a uma medida de racismo moderno. Os resultados

demonstraram pouco efeito do preconceito nas respostas diretas de conteúdos estereotípicos. Devine argumenta que na realização das tarefas nesta fase do estudo, apenas processos controlados foram acessados. No segundo estudo, cujo objetivo era analisar os efeitos da ativação automática de estereótipos na avaliação de comportamentos ambíguos de uma pessoa de raça não especificada, os participantes eram solicitados a ler uma lista composta por palavras neutras e estereótipos associados a negros. Os participantes foram divididos em dois grupos em função dos estímulos distintos que recebiam no que se refere à exposição aos estereótipos (para um grupo foi apresentado 80% de estereótipos e 20% de palavras neutras, enquanto para outro grupo 20% de estereótipos e 80% de palavras neutras). Em seguida os participantes deveriam avaliar uma pessoa que se comportava de forma imprecisa, podendo ser interpretada como mais ou menos hostil. Os resultados demonstraram que na condição de alta exposição aos estereótipos os participantes julgaram a pessoa mais negativamente que na condição de baixa exposição, isto ocorreu independente dos níveis de preconceito dos participantes. Sobre esses resultados Devine argumenta que o que difere pessoas de baixo nível de preconceito de pessoas de alto nível de preconceito é a magnitude do esforço dispendido para suprimir a ativação dos estereótipos. No terceiro estudo, participantes de baixo e alto escores de preconceito deveriam preencher uma lista sobre seus pensamentos em relação a negros em condição anônima e posteriormente ler esses pensamentos, sendo encorajados pelo experimentador a agir com honestidade, pois quaisquer que fossem os pensamentos, seriam aceitos. Posteriormente os participantes deveriam preencher uma medida de racismo moderno. Os resultados demonstraram que participantes com baixos e altos escores de preconceito apresentaram vários pensamentos pejorativos em relação aos negros. Não obstante, apenas os não-preconceituosos inibiram os pensamentos automáticos congruentes com estereótipos, substituindo-os por pensamentos que refletiam igualdade e negação dos

estereótipos. Os três estudos puderam fornecer evidências de que (1) pessoas com baixos e altos escores de preconceito possuem um repertório de crenças estereotipadas em relação aos negros, (2) a ativação automática de estereótipos é igualmente forte e inevitável em pessoas preconceituosas e não-preconceituosas e (3) processos controlados podem inibir os efeitos dos processos automáticos quando as implicações desta influência competem com os objetivos de estabelecer ou manter uma identidade não-preconceituosa.

Um conjunto de estudos vem discutindo o efeito da utilização de primings estereotípicos das categorias sociais no preconceito. Por exemplo, White (2007) demonstrou que de fato um priming racial apresenta efeito sobre as atitudes das pessoas, no entanto, efeitos importantes como a cor da pele ou identidade racial do percebedor podem proporcionar efeitos divergentes nessas atitudes, enquanto participantes americanos brancos ativados por primings estereotípicos evocam atitudes raciais de ressentimento em relação a um exogrupo, participantes americanos negros evocam atitudes de identificação com o endogrupo. Park, Glaser e Knowles (2008) demonstraram que outro fator que pode interferir na efetivação de primings raciais é o esgotamento mental. Após realizar uma tarefa que requer grande esforço cognitivo, primings que ativam conteúdos não- estereotípicos tendem a surtir menos efeito.

Rachlinski, Johnson, Wistrich e Guthrie (2009) demonstraram que um priming relativo ao gênero também pode interferir no julgamento social. Os autores conduziram um experimento em que a raça e o gênero eram apresentados de modo implícito ou explícito aos participantes e analisaram em que medida esses atributos poderiam interferir no julgamento social. Os resultados do estudo demonstraram que apenas na situação em que a raça e o gênero eram apresentados de forma implícita o julgamento sofria efeito dos

primings. Resultado semelhante foi encontrado em um estudo sobre a formação de opinião

No que se refere a utilizar como priming um exemplar da categoria racializada, Fazio, Jackson, Dunton e Williams (1995) foram os pioneiros. Esses autores realizaram uma investigação cujos primings eram fotografias de pessoas brancas, negras, hispânicas e asiáticas. Os participantes eram expostos às fotografias na tela do computador e na sequência eram requeridos a realizar uma tarefa de julgamento de palavras. A lista de palavras consistia em 12 adjetivos positivos em conotação (atraente, simpático, maravilhoso, dentre outros) e 12 negativos (chato, nojento, ofensivo, dentre outros). O tempo de latência de resposta foi a medida utilizada para analisar as atitudes dos participantes. Fazio et al. encontraram associações entre as faces de negros e uma maior facilitação para a percepção de palavras negativas e a as faces de brancos e uma maior facilitação para a percepção de palavras positivas. Dados de pesquisas mais recentes vêm indicando que a utilização de fotografias de grupos estigmatizados eliciam associação a atributos negativos (Amodio & Devine, 2006; Bessenoff & Sherman, 2000; Lemus, 2007).

Seguindo uma lógica similar, mas dentro do paradigma da utilização de primings via rótulos subliminares das categorias sociais, Wittenbrink et al. (1997) realizaram um estudo junto a um grupo de americanos brancos para analisar os efeitos da ativação de

primings raciais nos estereótipos em relação a americanos negros e brancos. Nesta

investigação, os participantes tomavam parte em três tarefas experimentais aparentemente não relacionadas. Na primeira tarefa, os participantes completavam uma tarefa em que deveriam identificar a pertença grupal em relação à etnia de pessoas com base nos primeiros nomes. Em seguida, com a utilização de um computador, os participantes realizavam uma tarefa de decisão lexical. Cada decisão era precedida por um priming subliminar referente a um dos grupos, brancos ou negros. Os estímulos incluíam atributos que variavam a valência e os estereótipos sobre afro-americanos e americanos brancos, assim como não-palavras. O tempo de latência da resposta era o alvo desta avaliação. Os

resultados demonstraram efeitos significativos em relação aos primings. Primings sobre afro-americanos facilitaram a formação de mais atributos estereotípicos negativos do que positivos, enquanto que primings sobre americanos brancos favoreceram a formação atributos estereotípicos positivos mais do que negativos. Essas atribuições se apresentaram positivamente correlacionadas aos níveis de preconceito explícito medido nos participantes. Esse conjunto de resultados confirma os achados sobre os efeitos de

primings raciais nos estereótipos encontrados por Devine, mas diferem no que se refere à

associação entre atitudes automáticas e controladas. Enquanto Devine e Elliot (1995) demonstraram que pessoas preconceituosas e não-preconceituosas são influenciadas por

primings subliminares da mesma forma e isso difere da forma mais controlada de

preconceito, Wittenbrink et al. demonstraram que as crenças raciais implícitas e as explicitas possuem associação, ou seja, as crenças mais implícitas e automáticas são congruentes com suas formas mais controladas. Outras investigações apresentaram resultados semelhantes aos de Wittenbrink e colaboradores (ver Chiao, Heck, Nakayama e Ambady, 2006; Fazio, Jackson, Dunton & Williams, 1995).

Outras estratégias vêm sendo empregadas no que concerne aos primings. Johnson, Rowatt e LaBouff (2010), por exemplo, utilizaram um priming não racial para analisar o preconceito automático e não-automático em relação a afro-americanos. Eram apresentadas de forma subliminar palavras relacionadas à religião cristã e palavras neutras, em seguida os participantes respondiam medidas indiretas de preconceito e um questionário geral sobre atitudes negativas frente os afro-americanos. Os resultados demonstraram que nas duas medidas de preconceito, a indireta e a direta, os participantes pontuaram mais quando ativados pelo priming religioso do que pelo priming neutro.

Alguns estudos utilizam o paradigma do mindset priming para analisar a ativação do preconceito e dos estereótipos. Neste modelo, os estímulos consistem em tarefas que

desencadeiem estados mentais específicos, como estados de competição e cooperação (Bukowski, Moya, Lemus & Szmajke, 2008; Caprariello, Cuddy & Fiske, 2009), e saliência da identidade social (Hong, Chiu, Hansen, Tong, Chan, Wong, Lee & Fu, 2003). Os principais achados demonstram que estados mentais de competição e de saliência da identidade social ativam estereótipos e preconceito, enquanto que estados mentais de cooperação moderam esta ativação. Porém, este campo de investigação ainda é escasso na literatura interessada no fenômeno do preconceito. Voltaremos a esta discussão no quarto capítulo deste trabalho.