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1 P RECONCEITO : ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

1.6 M EDIDAS DIRETAS DE PRECONCEITO NA PERSPECTIVA DAS NOVAS FORMAS DE EXPRESSÃO

1.6.4 RACISMO AMBIVALENTE

Embora as teorias apresentadas anteriormente já abordassem a ambiguidade de sentimentos e atitudes em relação aos negros pertinentes às novas formas de racismo, o modelo do racismo ambivalente se destacou por abordar as maneiras pelas quais os truísmos a favor e contra os negros podem ser configurados simultaneamente a partir dos valores do individualismo e igualitarismo (ver Lima & Vala, 2004b). Segundo Katz, Wackenhut e Hass (1986), a ambivalência é a característica mais representativa das relações raciais dos americanos brancos.

(...) esta noção na teoria é utilizada para predizer o comportamento extremado dos brancos, simultaneamente favorável e desfavorável, em relação aos indivíduos negros, em certos tipos de interação. Supostamente, se existem insinuações presentes que ativem as atitudes conflituosas, os indivíduos brancos experimentarão tensão psicológica e desconforto. Na tentativa de reduzir a tensão, podem polarizar reações dirigidas aos membros do grupo alvo (Katz & Hass, 1988, p. 893).

Os autores sugerem que a polarização das atitudes raciais é efeito do desconforto existente em situações capazes de ativar as atitudes raciais e a ambivalência atua como mediadora deste fenômeno. Melhor dizendo, em contextos de ativação dos estereótipos raciais, os americanos brancos tendem a radicalizar suas atitudes, que surgem em função dos sentimentos de ambivalência, a fim de reduzir a tensão ocasionada pela dualidade de sentimentos dirigidos aos negros (os negros são desviantes em relação às normas culturais americanas, e por isso são alvos fáceis de atitudes negativas, mas em contrapartida, sofrem grande desvantagem social e econômica, o que gera o sentimento de simpatia e piedade). Parte da explicação para este fenômeno, defendem Katz e Hass (1988), reside na história de exclusão vivenciada pelos negros que são frequentemente percebidos pela maioria das pessoas como sendo anti-normativos, como desqualificados física e mentalmente, e simultaneamente são percebidos como um grupo em desvantagem, quer seja pela própria desqualificação de seus atributos, ou pela discriminação social e econômica que disto implica. Esta percepção dualista acaba por gerar no observador sentimentos ambivalentes de aversão e simpatia, que os autores denominaram de atitudes pró e anti black.

Katz e colaboradores (1986) consideram que os valores estão na base das atitudes e condutas das pessoas e, diante desta perspectiva, sugerem a existência de um conflito entre as duas principais configurações valorativas. Este ponto explicaria as atitudes pró e anti Black. Se por um lado, há uma importância grande atribuída aos valores igualitários, por outro, os valores individualistas também são percebidos como muito importantes. Assim sendo, a valorização dos princípios democráticos e humanistas unida a valorização do êxito pessoal, auto-confiança e realização, sustentam os sentimentos favoráveis à causa dos negros, tendo em vista a situação social e econômica desvantajosa destes, mas sustentam também a percepção dos negros como avessos à norma individualista.

Katz e Hass (1988) realizaram um estudo para testar os pressupostos da teoria do racismo ambivalente. O objetivo do estudo consistiu em analisar em que medida dois dos valores importantes para a cultura norte-americana, (1) os valores do igualitarismo e humanismo e (2) os valores da ética protestante, podem determinar as atitudes ambivalentes em relação aos negros. Os resultados demonstraram que os valores da ética protestante estão associados às atitudes anti black e que os valores do igualitarismo e humanismo estão associados às atitudes pró black. Esses resultados confirmaram as hipóteses iniciais e deram suporte aos pressupostos da teoria do racismo ambivalente na medida em que os valores prescreveram as atitudes de ambivalência e, logo, descreveram a origem dos sentimentos de favorabilidade e desfavorabilidade dirigidos aos negros, sentimentos esses que estão na base da maior parte das teorias dos novos racismos.

O conflito das atitudes integrupais foi analisado também em função de sua direção, quando dirigidas ao endogrupo ou ao exogurpo. Mucchi-Faina e colaboradores (2002) conduziram um estudo em que pretendiam dar sustentação a hipótese de que em contextos intergrupais as atitudes ambivalentes satisfazem duas motivações concorrentes, a de criação de distintividade positiva para o endogrupo e de conformidade com a norma da igualdade. Os autores confirmaram suas hipóteses. Adicionalmente encontraram que as avaliações direcionadas ao endogrupo são mais positivas do que as avaliações do exogrupo. Esses dados indicam que o favoritismo endogrupal interfere nas atitudes intergrupais ambivalentes: as atitudes ambivalentes são mais incisivas e tendem à direção negativa quando dirigidas a membros do exogrupo.

Outros modelos de normas foram alvo de estudos em relação às atitudes raciais. Em um conjunto de pesquisas realizadas no Brasil e em Portugal, Lima (2003) analisou os efeitos de um priming supraliminar normativo (individualismo meritocrático e igualitarismo) na infra-humanização das pessoas negras, medida através de uma tarefa de

formação de impressão e das escalas pró e anti black. Os resultados indicaram que o

priming de fato ocasiona respostas diferenciadas. Quando influenciados pelo priming do

individualismo meritocrático, os participantes tendem a despersonalizar o alvo negro assim como pontuam mais na escala anti black. Em relação ao priming igualitário, Lima encontrou que não ocorre um efeito significativo deste nas atitudes raciais implícitas e explícitas (tarefa de formação de impressão e escalas pró e anti black, respectivamente), pois em comparação com os resultados de um priming neutro, o priming igualitário não apresentou diferença. Em outras palavras, Lima encontrou que os sentimentos de antipatia são potencializados pelas normas do individualismo meritocrátio, mas os sentimentos de simpatia não sofrem efeito das manipulações. Os resultados destas investigações, em linhas gerais, sugerem que as atitudes raciais, medidas neste estudo através da despersonalização dos negros, sofrem efeito significativo das normas sociais, o que corrobora com os resultados já apresentados por outros estudos (Katz & Hass, 1988).

O conflito de atitudes pode ainda se agravar caso informações sobre o alvo sejam passadas para o observador. Se a informação é favorável, a pessoa pensará que este alvo não merece ser discriminado, logo serão ativados os valores de igualdade e justiça social e o comportamento ocorrerá de forma favorável. Mas se as informações são desfavoráveis, o observador pensará que se trata de uma pessoa desqualificada e por isso um alvo direto de preconceito, assim, a resposta desfavorável emergirá em forma de discriminação. Deste modo, em qualquer que seja o caso, as interações com um membro de um exogrupo nunca levarão a comportamentos similares aos que se mantém com um membro do endogrupo, mas ocasionarão uma amplificação da resposta comportamental. Quando se tem em mãos informações favoráveis, a resposta favorável tende a ser ampliada, mas quando se tem saliente informações negativas, a resposta baseada em crenças e atitudes negativas é

ampliada bem mais do que quando associada a um membro do endogrupo (Berger, Sorensen & Rasmussen, 2010).

Alguns autores sugerem que as atitudes raciais ambivalentes são reforçadas por informações pró-atitudinais, enquanto que informações contra-atitudinais geram o efeito inverso. Pessoas que apresentam baixo nível de ambivalência tendem a processar mais informações desfavoráveis, enquanto que as que apresentam alto nível de ambivalência tendem a processar as informações mais favoráveis (Clarck, Wegener & Fabrigar, 2008). Os autores defendem que atitudes fracas podem gerar um grande efeito no pensamento e julgamento das pessoas, diferente do que a maior parte dos estudos havia encontrado até então.

Desta forma, o modelo do racismo ambivalente se insere como uma das mais importantes formulações dos novos racismos (Riketta, 2000). Este modelo, sobretudo, traz à tona que tanto aspectos cognitivos como contextuais agem em conjunto subscrevendo um duplo padrão de repertório dirigido às minorias, ou seja, atitudes positivas frente exogrupos, que visam proteger a auto-imagem como indivíduo igualitário, e atitudes negativas, originadas em parte pelo contexto normativo e em parte pelo contexto de segregação a que as minorias estão expostas.