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1 P RECONCEITO : ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

1.6 M EDIDAS DIRETAS DE PRECONCEITO NA PERSPECTIVA DAS NOVAS FORMAS DE EXPRESSÃO

1.6.3 RACISMO AVERSIVO

Diferentemente das teorias do racismo simbólico e do racismo moderno que põe em foco indivíduos conservadores como preconceituosos, a teoria do racismo aversivo representa uma sutil forma de preconceito tipicamente expressada por indivíduos bem intencionados, liberais e bem educados (Hodson et al., 2004).

Na perspectiva do racismo aversivo, práticas de culturalização e tendências cognitivas normais formam a base dos sentimentos negativos existentes “sob a superfície” da consciência e conflito com o mais deliberativo e consciencioso suporte nas crenças que respeitam os valores positivos de igualdade e justiça entre os grupos raciais. O resultado final pode ser uma forma de racismo bastante velada, mas insidiosa: o racista aversivo discrimina principalmente quando o caráter da situação permite a ele ou ela manter uma positiva (quer dizer, não preconceituosa) visão de si mesmo (Hodson et al., 2004, p. 120).

De acordo com este modelo, muitas pessoas que explicitamente aderem a princípios igualitários e alimentam crenças sobre sua auto-imagem como pessoas igualitárias, inconscientemente nutrem sentimentos e crenças negativas sobre os negros e outros grupos em desvantagem, o que gera um sentimento de ambivalência entre suas crenças na igualdade e seus sentimentos negativos em relação às minorias (Dovidio & Gaertner, 2000). Os autores sustentam que em contraste com outros modelos tradicionais de preconceito, a perspectiva do racismo aversivo sugere que a origem do racismo está nos processos cognitivos, motivacionais e socioculturais naturais e seriam consequência de dois mecanismos: (1) do contexto racista que envolve os grupos sociais e (2) dos mecanismos de categorização e favoritismo endogrupal, que contribuem para a disseminação dos estereótipos e preconceitos.

Deste modo, a teoria do racismo aversivo propõe que as atitudes raciais de muitos americanos brancos são caracterizadas por endossar valores igualitários, o que os designa como sujeitos não preconceituosos, mas estes mesmos sujeitos discriminam as minorias de forma velada, racionalizando suas atitudes (ver Gaertner & Dovidio, 1986). De acordo com este modelo, existem dois tipos de racistas, os racistas dominantes, aqueles cujas atitudes negativas em relação aos negros são expressas abertamente, e os racistas aversivos, que sãos aqueles indivíduos que adotam valores igualitários e procuram se auto-apresentar como pessoas não preconceituosas aparentando ser aversivas a qualquer tipo de racismo.

Estes últimos caracterizam a maior parte das pessoas nos dias atuais (ver Dovidio & Gaertner, 2004).

Deste modo, os racistas aversivos experimentam um sentimento de ambivalência em relação aos negros. Esse sentimento não estaria relacionado à antipatia ou hostilidade contra negros simplesmente, mas estaria associado a um mal-estar, ansiedade ou nervosismo, podendo até ser caracterizado como medo das pessoas negras. Para Gaertner e Dovidio (1986) esse sentimento motiva mais o distanciamento e rejeição do contato do que necessariamente comportamentos violentos.

Gaertner e Dovidio (1986) defendem que ao serem confrontadas com contextos de contato inter-racial, onde a resposta adequada é óbvia, por exemplo, em situações em que discriminar consiste em conduta não normativa, os racistas aversivos não expressam suas atitudes racistas. No entanto, quando a situação é ambígua ou existe algum meio para justificar a discriminação, com exceção do racismo, os racistas aversivos discriminam ostensivamente os negros. Na década de 70, os autores conduziram um estudo examinando o comportamento de ajuda em situações de contato inter-racial. Os participantes brancos foram levados a pensar que em uma sala ao lado havia alguém necessitando de assistência com urgência. Os pesquisadores manipularam a variável cor da pele do sujeito que necessitava de ajuda (branca ou negra), além de controlar a ambiguidade da situação em dois formatos, em um deles o participante pensava ser o único presente e por isso o único capaz de prestar socorro, e em outra situação, mais duas pessoas estavam presentes. Consistentes com os pressupostos do racismo aversivo, os resultados demonstraram que no contexto em que havia clareza no que se refere ao comportamento correto e incorreto (situação em que o participante seria o único presente), 83% dos participantes prestaram socorro quando a vítima era uma pessoa branca, e 95% dos participantes prestaram socorro quando a vítima era uma pessoa negra. Na situação de ambiguidade da norma (situação

com mais de uma pessoa como possível fonte de socorro), a quantidade de ajuda caiu para 38% quando a vítima era uma pessoa negra e para 75% quando a vítima era uma pessoa branca (ver Hodson, Dovidio & Gaertner, 2004). Hodson e colaboradores (2004) acrescentam que esse tipo de conduta em larga escala interfere de modo fundamental e incisivo no bem-estar das pessoas negras.

Após aproximadamente 20 anos de discussão acerca dos novos racismos, um modelo integrativo entre racismo simbólico-moderno e o modelo do racismo aversivo foi proposto por Dovidio e Gaertner (1986; 1998). Os autores propuseram por um lado, uma articulação entre (1) o conservadorismo político e o racismo simbólico-moderno e, por outro lado, (2) o liberalismo político e o racismo aversivo. Essa integração se justifica por conta das mudanças observadas nas formas de preconceito. Embora fossem efetuadas mudanças nos padrões da sociedade americana em termos de igualdade e justiça social, pouca mudança ocorreu nas atitudes mais privadas de grande parte dos conservadores, os autores sugerem que esses conservadores não foram afetados pelas normas sociais igualitárias em suas crenças mais íntimas, mas aprenderam que não caberia mais expressar suas atitudes preconceituosas em público. Os liberais, por seu turno, genuinamente têm internalizado valores não preconceituosos, têm desejado uma sociedade mais justa e inclusiva que possa oferecer oportunidades iguais para os diferentes grupos étnicos. Ao mesmo tempo, os liberais adotam, mesmo que de forma latente, sentimentos negativos contra as minorias.

Em diferentes circunstâncias, este modelo integrado apresenta predições similares para conservadores e liberais. O modelo prediz que para os dois grupos as tendências contra as minorias são semelhantes quando medidas indiretamente. Contudo, em medidas em que há a saliência da norma anti-racista, os comportamentos dos conservadores e liberais costumam ser bem diferentes. Enquanto os conservadores exibem abertamente

antipatia contra os negros, os liberais apresentam comportamentos mais complexos, condizentes com os resultados já encontrados anteriormente: quando na presença de uma norma anti-racista clara, a discriminação não ocorre, porém, em contextos em que existe a possibilidade de justificar a discriminação por outras causas, há uma tendência a expressão de comportamentos discriminatórios, posto que deste modo é possível discriminar, mas ainda assim, manter uma auto-imagem de pessoa não-preconceituosa (ver Nail et al., 2003).

Citando Bienat e colaboradores (1996), Lima (2003) critica justamente esse foco centralizado na proteção da auto-imagem que o modelo do racismo aversivo defende. Segundo Bienat et al. (1996), não há nenhuma comprovação empírica que possa dar sustentação a noção de que é a ameaça à auto-imagem do indivíduo que define o padrão de ambivalência de suas atitudes. O autor sustenta que esse conflito estaria associado a questões políticas e econômicas, como o próprio caráter conflitivo das democracias modernas, que ao mesmo tempo enfatiza o valor da igualdade e o valor da competição.

Pearson, Dovidio e Gaertner (2009), em uma análise contemporânea sobre a natureza e persistência do preconceito racial, argumentam que por conta das raízes históricas a categorização social das raças ocorre de forma automática. Na simples presença (real ou imaginária) de uma pessoa negra automaticamente ocorre a ativação das categorias raciais sem consciência ou controle do percebedor. E, com efeito, neste processo, espontaneamente são ativados mais sentimentos positivos em relação ao endogrupo e mais negativos em relação ao exogrupo. As pessoas brancas automaticamente ativam estereótipos positivos de brancos, tais como, inteligentes, bem-sucedidos, educados, e negros como agressivos, impulsivos e preguiçosos. Em conclusão os autores demonstraram que o racista aversivo, em sua essência, representa uma discrepância fundamental entre os processos mentais e o comportamento. Em termos de pensamento, o

racista aversivo crê verdadeiramente que não se trata de um indivíduo racista, mas nas suas ações, de forma indireta, ele discrimina. Isto ocorre porque de modo geral as pessoas aderem a valores igualitários e de justiça social em um nível mais ideológico, mas ao passo que qualquer justificativa possa ser tomada para explicar a rejeição a um membro de um grupo desfavorecido, a ação discriminatória ocorre (ver Pearson et al., 2009).

Apesar das críticas, esse modelo vem recebendo constante suporte através de diversas investigações ao longo dessas décadas, sendo testado a partir de uma diversidade de experimentos, o que inclui comportamento de ajuda em situações emergenciais ou não, seleção de candidatos a emprego e admissão em escolas, julgamento interpessoal e decisões políticas e legais, dentre outras (ver Dovidio & Gaertner, 2000; Dovidio & Gaertner, 2004; Gaertner & Dovidio, 1986).