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1 P RECONCEITO : ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

1.6 M EDIDAS DIRETAS DE PRECONCEITO NA PERSPECTIVA DAS NOVAS FORMAS DE EXPRESSÃO

1.6.2 RACISMO MODERNO

Do mesmo modo que a teoria do racismo simbólico, a teoria do racismo moderno analisa o preconceito racial baseado nas normas sociais, em outras palavras, o preconceito atenuado pelas normas sociais igualitárias (McConahay et al., 1981; McConahay, 1983; 1986). Segundo Lima (2003), a teoria do racismo moderno foi desenvolvida para preencher a necessidade de ordem empírica de medir as atitudes raciais públicas, quando as normas sociais inibem a expressão do racismo.

McConahay (1986), um dos fundadores desta teoria, apresenta os principais pressupostos do racismo moderno: (1) a discriminação faz parte do passado, pois os negros atualmente possuem liberdade de competir no mercado de trabalho e de poder desfrutar do que desejam; (2) os negros têm despendido grande esforço para se inserir em lugares onde não são desejados e estão subindo economicamente de modo rápido; (3) estas táticas e demandas são percebidas como injustas pelos americanos brancos; (4) por essa razão, têm recebido mais atenção e prestígio de instituições da sociedade do que realmente merecem. Para o autor, o endosso à ideologia do racismo moderno não é capaz por si só de designar um sujeito como racista, não pressupondo diretamente crenças e atitudes preconceituosas, pois aderir às crenças de que o racismo existe e de que os negros gozam de direitos indevidos são crenças baseadas nas lutas ideológicas pelo poder social ou na sensação de ameaça e que se originam da necessidade de proteção da auto-imagem do sujeito como não-preconceituoso.

As evidências desta nova forma de expressar o racismo foram resultado de um estudo realizado por McConahay et al. (1981), em que manipulando o efeito das normas

sociais no racismo, através da etnia da condutora da pesquisa, puderam verificar que na presença de uma entrevistadora negra, as respostas discriminatórias diminuem, sugerindo- se que a norma anti-racista saliente no contexto inibe respostas discriminatórias.

O modelo de racismo moderno também foi utilizado para estudar outros grupos minoritários. Dwyer, Stevens, Sullivan & Allen (2009) conduziram um estudo com o intuito de analisar o preconceito moderno dirigido a dois grupos minoritários, negros e mulheres. Para tanto investigaram em que medida o preconceito contra esses grupos poderia interferir nas atitudes pró e contra os candidatos das eleições dos EUA de 2008, Barack Obama e Sarah Palin. Os seus resultados indicaram que o racismo se apresenta mais fortemente associado à avaliação dos candidatos, enquanto que o sexismo não. Os autores encontraram que os participantes que apresentaram altos índices de atitudes racistas apresentaram atitudes negativas contra o candidato negro e positivas em relação à candidata do sexo feminino. Na interação considerando a identificação partidária, o racismo continuou apresentando um forte efeito, enquanto que o sexismo permaneceu não apresentando efeito significativo. Dwyer e seus colaboradores (2009) sugerem que isso se deu por conta do papel desempenhado por cada um dos candidatos analisados (Obama era candidato a presidência enquanto que Palin era candidata a vice-presidência de seu oponente), além do que o próprio comportamento dos candidatos pode ter interferido nestes resultados, uma vez que Palin não era percebida como uma candidata competente. Esses dados apontam que os efeitos do racismo moderno e do modelo testado de sexismo moderno, só apresentam efeito sendo mediados por outros fatores, como neste estudo, pela posição social dos alvos.

Alguns autores questionam a clareza metodológica referente à escala de racismo moderno, não fica claro se o instrumento mede as atitudes negativas em relação às minorias ou ideologias conservadoras (por exemplo, Sears et al., 1997; Sniderman &

Tetlock, 1986). Blatz e Ross (2009) conduziram um experimento objetivando responder a esta crítica. Os resultados dos autores demonstraram que, de fato, a escala de racismo moderno é mais uma medida de racismo do que uma medida de ideologias conservadoras. Por outro lado, Branscombe, Schmitt & Schiffhauer (2007), em um conjunto de experimentos utilizando a teoria do racismo moderno como uma das varáveis em relação à identidade social e posição grupal, demonstraram que a noção de racismo moderno é contextualmente uma forma dependente de legitimação que pode ser mobilizada para proteger a identidade social de grupos privilegiados, deste modo, as evidências desta investigação sugerem que o racismo moderno é uma tentativa ideológica de proteção dos interesses do grupo, ficando em segundo plano a ideia de que este modelo trata simplesmente de respostas frente o antagonismo racial.

Em termos gerais, o racismo moderno permanece sendo utilizado em uma diversidade de estudos como uma potente variável nas análises em relação aos negros e às atitudes raciais, e vem sendo frequentemente corroborada a noção de implicação das normas sociais nos escores deste construto.

Percebemos que ambos os modelos de racismo, o simbólico e o moderno, sustentam representações concernentes à percepção negativa dos negros em relação aos brancos e que esta representação está bastante associada à violação por parte dos negros dos valores estimados pela sociedade americana, mas é importante salientar que articulada a esta atitude de antipatia e ameaça frente os negros, a teoria do racismo simbólico enfatiza o papel da ameaça simbólica, enquanto que a teoria do racismo moderno enfatiza o poder do contexto onde as atitudes públicas de rejeição aos negros são evitadas. Exemplos de itens de ambas as escalas podem esclarecer melhor esta constatação. A escala de racismo simbólico utiliza itens relativos ao ressentimento dos brancos em relação aos negros, assim como à antipatia e ao sentimento de ameaça, por exemplo, “Os negros estão se tornando

muito exigentes em sua luta pela igualdade de direitos”; “É fácil compreender a raiva dos negros na América” (McConahay & Hough, 1976). No que se refere à escala de racismo moderno, é apresentado um misto de atitudes em relação à ameaça aos princípios de igualdade e justiça e da negação do preconceito e discriminação, por exemplo, “Eles têm conseguido mais do que merecem”, “Eles não necessitam de ajuda, apenas devem se esforçar” (ver Santos et al., 2006 para uma validação em português).

Não obstante, a tentativa de distinção entre as duas teorias apresentadas nestes dois últimos tópicos, alguns autores defendem que as formas de racismo simbólico e moderno apresentam muitos elementos em comum e por este motivo muitas vezes são discutidas simultaneamente como se tratassem do mesmo conjunto de pressupostos (Blatz & Ross, 2009; Lima, 2003; Liu & Mills, 2006; Walker, 2001), além de serem também integradas em alguns estudos apresentando um modelo designado como racismo

simbólico-moderno. De acordo com Nail, Harton e Decker (2003), este modelo integrativo

pressupõe que em muitas situações os indivíduos caracterizados como racistas simbólico- modernos tendem a não expressar diretamente suas atitudes racistas objetivando não se apresentarem como tal, ao mesmo tempo em que, são contrários a quaisquer tipos de políticas de ação afirmativa ou políticas sociais que visem o aniquilamento da discriminação. O que implica em uma ambiguidade de sentimentos em relação às minorias que será melhor definida pelas teorias dos novos racismos subsequentes.