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Palavras-chave: Jornalismo Científico Estudos de gênero Mulheres Ciência.

4. Análise das revistas Galileu e Ciência Hoje

A fim de qualificar a presença feminina nos periódicos de jornalismo científico do Brasil, este artigo traz alguns dados iniciais relativos à análise das revistas Ciên-

cia Hoje e Galileu, apontando questões que serão exploradas na continuidade da

pesquisa, visando a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso de Maria Edu- arda Iankoski, sob orientação da prof. Dra Maria Elisa Máximo. Posteriormente, o escopo da pesquisa será ampliado, com a inclusão das revistas Superinteressante e

Scientific American4.

A escolha dos periódicos a serem considerados na pesquisa se deu em função das suas características, visando maior abrangência em relação ao público alcança- do, aos temas tratados e às linhas editoriais adotadas. A revista Superinteressante (Ed. Abril), por exemplo, é uma das mais vendidas do país no segmento de jorna- lismo científico. Seu conteúdo é composto, em sua grande maioria, por reportagens sobre os mais variados temas e é voltada para um público mais leigo. Já a revista

Galileu (Ed. Globo) tem um viés mais social, tratando de temas como aborto, tran-

sexualidade, drogas, fome e outras questões sociais. A linguagem adotada na Galileu sinaliza seu direcionamento para um público jovem, composto principalmente por estudantes. Trata-se de um periódico em franca consolidação no Brasil. A Scientific

científico e a divulgação científica propriamente dita, pois mistura material jorna- lístico com conteúdo elaborado em linguagem científica. Nesse sentido, a Scientific

American é, das quatro revistas mencionadas, aquela mais “especializada”, que se

volta para um público diferenciado, mais “entendedor” das ciências e mais fami- liarizado com sua linguagem e métodos. Finalmente, a revista Ciência Hoje, criada em 1982 pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), é uma das revistas de jornalismo científico mais antigas do Brasil. Por estar há tanto tempo em circulação, tratando dos mesmos temas, a Ciência Hoje apresenta especificida- des que as outras não têm. Todas as revistas são mensais e até o final da pesquisa pretende-se analisar três edições de cada uma delas.

No contexto de uma abordagem qualitativa é possível aprofundar-se ainda mais na contextualização dos periódicos selecionados para este estudo, que agora restringe-se às revistas Ciência Hoje e Galileu. A Ciência Hoje está ligada ao Insti- tuto Ciência Hoje, que também publica livros e outros materiais. Trata-se de uma instituição privada e sem fins lucrativos, que há 34 anos se volta à difusão de C&T no Brasil. E, embora esteja sendo tratada como uma revista de jornalismo científico, um dos desdobramentos deste estudo será pensar mais atentamente em que medida a publicação atende ao conceito de jornalismo científico, a partir da análise das pau- tas, dos critérios para a seleção das fontes, na construção das narrativas. Em relação ao formato, a Ciência Hoje parece atender ao “padrão” dos veículos de jornalismo científico: traz entrevistas, colunistas, grandes reportagens, notas, notícias factuais. No entanto, a linguagem de parte dos textos aproxima-se muito da linguagem geral- mente adotada em artigos científicos. Percebe-se, nesse sentido, a forte presença da linguagem científica, pouco acessível a “leigos” ou ao público externo à academia, alguns sem nenhuma fonte direta. Também não é comum a presença de infográfi- cos, boxes e retrancas nos textos.

Os textos tratam, na sua maioria, de biologia, física, química, matemática, um pouco de história e arqueologia. Temas ligados à sociedade e à atualidade não são frequentemente abordados e os maiores espaços normalmente são reservados às ciências exatas, tecnológicas, da terra e biológicas, ficando em segundo plano as humanas, sociais, linguísticas e ciências aplicadas. Na versão web, porém, há um caderno especial para ciências humanas, artes, cultura, linguagem etc. chamado “sobreCultura” (Figura 1).

A revista Galileu (Figura 2), como já dito, é da Editora Globo. Sua primeira versão chamava-se Globo Ciência, de 1991, e tratava também de assuntos ligados às ciências tecnológicas, exatas e da terra e biológicas. Após muitas mudanças, a

Galileu tomou um viés diferente das suas origens e das outras revistas de C&T,

aproximando-se apenas da Superinteressante em linha editorial. O público-alvo da revista são os jovens, estudantes do ensino médio e superior. Ela dá maior atenção à tecnologia relacionada ao dia a dia, trata de temas sociais e políticos como pessoas LGBT, direitos das mulheres, racismo, drogas, aborto, com uma linguagem simples, mas sem abrir mão do embasamento científico. O design jovial e a fácil leitura por meio de infográficos, boxes, esquemas e linhas do tempo são marcantes em grande parte das reportagens. Também há espaço para cultura popular. Ela aborda temas ligados à tecnologia, física, química, astronomia, biologia, história, geografia, socio- logia, antropologia, filosofia, atualidades, política e questões socioeconômicas.

Fonte: Disponível em: http://www.cienciahoje.org.br/sobreCultura

A contextualização feita até aqui é imprescindível para uma melhor compre- ensão do jornalismo científico praticado pelas revistas Ciência Hoje e Galileu. Fei- to isso, foi dado início à etapa exploratória da pesquisa, com o levantamento dos dados preliminares relativo à problemática deste estudo: a presença das mulheres no jornalismo científico produzido nestes veículos. Observamos, no site, a pre- sença de 11 colunistas homens e 2 mulheres. É importante destacar que no site da

Ciência Hoje o conteúdo não segue, necessariamente, o padrão de organização das

edições impressas e conta, muitas vezes, com conteúdo exclusivo. Na pesquisa, pretende-se considerar apenas o conteúdo das edições impressas.

Nesta fase preliminar, a edição n. 333, volume. 56, de janeiro/fevereiro de 2016 foi analisada mais atentamente. Nessa edição, nove homens e oito mulheres escreveram as reportagens principais (sendo algumas escritas por mais de uma pessoa), e quatro homens e quatro mulheres escreveram as reportagens secun- dárias. Se formos considerar apenas os números, poderíamos dizer que há certa equidade entre homens e mulheres que assinam o conteúdo da edição. No entan- to, observando o conteúdo de uma das reportagens principais, notou-se a menção a duas pesquisadoras e a um pesquisador, mas o foco do texto foi colocado sobre a pesquisa realizada pelo pesquisador, o homem. Isso nos possibilitou uma infe-

Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/ Figura 2: Printscreen da tela da revista Galileu online.

rência importante: que a representatividade não está apenas no aspecto numérico, mas ela se consolida no enfoque e no espaço que as reportagens darão às pesquisas feitas por mulheres e às pesquisas feitas por homens. Eis uma primeira correlação que deverá ser analisada, em profundidade, na continuidade deste trabalho: nú- mero de mulheres citadas X importância e espaço dados às pesquisas por elas re- alizadas. Complementarmente, outro aspecto importante parece ser a forma pela qual as mulheres são citadas. Nesta primeira observação, notou-se a prática de citar pesquisadoras mulheres somente pelo sobrenome, com o prenome abrevia- do. Esta prática – que é praxe na linguagem científica, corroborada pelas normas de citação e referências (ABNT), do ponto de vista da promoção da igualdade de gênero na ciência acaba por contribuir com a invisibilização da mulher. Conside- rando que o imaginário social é, em grande medida, “colonizado” pelo machismo e pela lógica patriarcal, pode-se dizer que citar uma pesquisadora apenas pelo so- brenome – ocultando seu prenome numa abreviação – faz crer que todas elas são homens. Afinal, é mais comum generalizarmos no masculino do que o contrário.

Observamos também a edição 307, de fevereiro de 2017, da revista Galileu. Das reportagens principais, três foram escritas por um homem e três por uma mulher. Nas secundárias, quatro foram escritas por um homem e seis por uma mulher. Aqui, novamente nos deparamos com a representatividade numérica das mulheres na produção da revista. Além disso, o editorial da revista foi assinado por uma mulher. No entanto, na revista Galileu parece haver também uma pre- ocupação em relação à escolha das fontes, o que pode ter sido facilitado pelos temas abordados na edição observada. Uma das reportagens principais era sobre violência contra mulher. Logo de saída, parece significativo que uma revista de jornalismo científico traga uma reportagem sobre esta temática. Nesta matéria todas as fontes mencionadas são mulheres. Seria óbvio trazer este dado se no am- biente acadêmico não fosse comum – ou mais comum do que imaginamos – que homens sejam frequentemente convidados para tratarem de temas exclusivos das mulheres. Esta é uma questão que está no centro das reflexões sobre o “lugar de fala” e sobre o protagonismo das mulheres, realizadas na articulação entre os mo- vimentos feministas e o campo de estudos de gênero. Trata-se de uma discussão que certamente não está livre de tensões e dissensos e que deverá ser aprofundada nos próximos passos do trabalho.

Ainda sobre a edição da revista Galileu, duas reportagens que foram escri- tas por um homem não continham nenhuma fonte mulher, enquanto que aquelas escritas por mulheres intercalaram apresentavam uma preocupação em mesclar homens e mulheres como fontes citadas. Inclusive, numa das reportagens escritas por uma mulher, há duas fontes mulheres personagens, com o tema de excesso de trabalho.

Considerações finais

As questões levantadas aqui e os poucos dados apresentados são apenas ini- ciais e nortearão uma pesquisa mais ampla que resultará num Trabalho de Con- clusão de Curso de Jornalismo a ser finalizado e defendido em julho de 20185.

Como já foi dito anteriormente, a pesquisa completa prevê a análise de três edi- ções de cada uma das revistas mencionadas, visando identificar padrões na pro- dução das matérias, definição das pautas, escolha das fontes, formas de citação e abordagens, considerando-se as linhas editoriais e público-alvo de cada veículo.

O que já é possível perceber é que a desigualdade de gênero não é “escanca- rada”, mas se apresenta nas sutilezas das revistas: a revista mais ligada ao campo científico, a Ciência Hoje, é a que menos parece se importar com a representati- vidade em suas redações e na linha editorial conteúdo voltado às mulheres. Além disso, é possível notar em detalhes da linguagem e do formato uma tendência de invisibilização da mulher pesquisadora e de suas produções científicas.

Por outro lado, a revista Galileu mostra abordar assuntos ligados ao feminis- mo, à participação das mulheres na ciência e à dupla jornada de trabalho, comum às mulheres brasileiras etc. Porém, também foi possível perceber que o esforço em trazer a visibilidade feminina pode estar apenas nas jornalistas mulheres. São pressupostos que poderão se tornar hipóteses de pesquisa após exploração mais aprofundada, mas que por ora sinalizam para a relevância do estudo pela contribuição que pode trazer ao jornalismo científico brasileiro tanto por apon- tar as desigualdades ainda presentes nas redações jornalísticas quanto no próprio processo de produção dos conteúdos. O intuito é que possamos concluir este tra- balho sinalizando para um jornalismo de C&T mais consciente, que se empenhe em transformar o triste cenário das pesquisas brasileiras, onde as pesquisadoras ficam presas ao “teto de vidro” das hierarquias sem terem suas competências e contribuições verdadeiramente reconhecidas.

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Sobre as autoras

Maria Eduarda Iankoski: Acadêmica do Curso de Jornalismo da Faculdade IELUSC Maria Elisa Maximo: Prof. Titular da Faculdade IELUSC. Doutora em Antropologia.

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