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Modernidade tardia e modernidade líquida

1.3. Análise do Discurso Baseada em Corpus

Neste item, apontaremos para o desenvolvimento do campo da ‘Análise Críica do Discurso Baseada em Corpus’ (Corpus-Based Criical Discourse Analysis), que veio reunir a LC e a ACD e é o campo no qual se insere a presente pesquisa.

O objeivo da ACD é revelar relações de poder, construídas por meio da linguagem, e demonstrar como desigualdades sociais e políicas são reforçadas, reproduzidas e produzidas por meio do discurso. A ACD é uma metodologia de análise social assentada sobre o luxo entre o estudo de traços linguísicos (texto/discurso) e o estudo das práicas sociais em que os traços linguísicos são realizados, releindo, reproduzindo, mantendo e criando relações de dominância social e políica. A ACD essencialmente percorre diferentes níveis de análise abordando o texto, sua produção e recepção, intertextualidade e contexto social, aliando estudos textuais nos níveis: micro (sintaxe, léxico), meso (produção e consumo do texto, relações de poder) e macro (relações do texto estudado com outros textos).

Diversos estudos demonstram como a LC pode ser empregada para revelar ideologias (Flowerdew, 1997; Caldas-Coulthard & Moon, 2010, Fairclough, 2000; McEnery, Xiao & Tono, 2006; Parington, 2003, Baker, 2005; Baker & McEnery, 2005).Tais estudos buscam ultrapassar os limites de descrição formalista da linguagem e procuram entender a relação do discurso com os contextos de situação e cultura, norteados por ferramentas eletrônicas capazes de oferecer contribuições à análise social. A LC, em seu potencial transdisciplinar, é uma metodologia que, aliada às teorizações da ACD (também transdiciplinar), permite ‘ver a realidade’ a parir de componentes textuais de análise inseridos na e interpretados a parir da conjuntura sociopoliícia em que o discurso foi produzido, mediado. O princí- pio da ACD de que escolhas (lexicais, textuais, discursivas) não são aleatórias é alavancado a parir das ferramentas de LC que permitem que sejam reunidos de forma sistemáica e organizada elementos linguísicos que revelam escolhas de senidos para ins de interpretação,.

A LC vem sendo empregada juntamente com a ACD, pois por meio da primeira se empregam ferramen- tas de computador para análises de textos, com as quais é possível conferir maior critério e objeivida- de. A ACD é frequentemente criicada pelo enfoque em reduzido número de textos, pois não são raros estudos em ACD concentrados em uma única matéria de jornal ou conjunto pequeno de anúncios etc. A objeividade proposta pela LC pode, a princípio, parecer contraditória com a natureza essencialmen- te denunciaiva, engajada e pedagógica da ACD, a qual não se propõe a nenhum ipo de isenção ciení- ica ou imparcialidade. Porém, à objeividade a qual a LC se refere é uma objeividade metodológica e quanitaiva. A objeividade de método implica o emprego das vertentes metodológicas da LC, a saber, corpus-based e corpus-driven e consequente uso de ferramentas eletrônicas (lista de palavras, lista de palavras-chave, linhas de concordância, colocações etc). A objeividade em matéria de quanidade re- presenta a capacidade de as ferramentas à disposição da LC manejarem grandes quanidades de texto e, consequentemente, de dados com extrema precisão. No primeiro caso, um vasto número de textos atenua o viés do pesquisador, evitando que ‘escolha’ determinado texto que conirme sua hipótese:

Ao usar um corpus, conseguimos pelo menos colocar uma série de limitações sobre os nosso viés cogniivo. É bem mais diícil ser seleivo em termos de uma única matéria

de jornal quando estamos examinando centenas de matérias – na expectaiva de que os padrões e tendências dominantes emirjam19. (Baker, 2013, p. 12)

No segundo, uma maior quanidade de dados em termos de combinações lexicais, por exemplo, é capaz de conirmar hipóteses e/ou revelar informações com maior grau de coniabilidade do que uma simples ideniicação de expressão pelo pesquisador em um único texto:

A combinação entre duas palavras, ocorrendo repeidas vezes em linguagem autêni- ca, é considerada um melhor ipo evidência do discurso hegemônico subjacente que uma única ocorrência dessa combinação de palavras em um único texto20. (Baker, 2013, p. 13).

Dentro da abordagem críica baseada em corpus (corpus-based criical approach) em que são várias as linhas da ACD e as técnicas empregadas destacam-se os estudos do discurso assisidos por corpora (Corpus Assisted Discourse Studies - CADS) e os estudos dos discursos informados pelo corpus (Corpus- -Informed Discourse Studies - CIDS).

Os CADS surgiram na Europa, com os trabalhos de Hardt-Mautner (1995) e Stubbs (1996, 2001), têm se concentrando no discurso políico e midiáico e baseiam-se na ACD de Fairclough e na linguísica sistêmico-funcional. Trata-se de uma abordagem textual e, em muitos estudos, empregam o sistema de avaliação da gramáica sistêmico-funcional de Marin & White (2005). Destacam-se as faculdades de Ciência Políica no emprego dos CADS para analisar discurso sociopolíico, incluindo o levantamento de metáforas ideológicas na linguagem políica de políicos e órgãos políicos.

Os CIDS partem da abordagem histórico-discursiva e é esta a linha dos linguistas da Universidade de Lancaster em um projeto denominado ‘Discourse of Refugees and Asylum Seekers in the UK press 1996- 2006’. O projeto promove pesquisas em um corpus de 140 milhões de palavras composto por noícias sobre refugiados, imigrantes, asilados e migrantes (RASIM). Segundo Flowerdew (2014, p. 180), a prin- cipal diferença entre os CADS e a pesquisa sobre RASIM é que o projeto de Lancaster se vale de muita informação sobre o contexto social, políico, histórico e cultural do corpus. De todo modo, o projeto também converge com os CADS por enfocar a ideniicação de palavras-chave e padrões lexicais, e a preferência semânica e prosódia discursiva subjacente, dando menos ênfase a categorias da linguísi- ca sistêmico-funcional (Flowerdew, 2014, p. 180). Apesar de Flowerdew (2014) destacar algumas dife- renças entre a abordagem dos estudos ‘assisidos’ por corpus e a abordagem dos estudos ‘informados’ pelo corpus, na práica, ressalta, a disinção não é tão clara, pois ambos se valem das teorizações de Fairclough, Wodak, entre outros analistas do discurso de linha inglesa. A abordagem histórico-discursi- va de Wodak & Meyer (2009) “adota uma perspeciva mais sociolinguísica e interdisciplinar dos dados, em que a etnograia também pode fazer parte dos processos analíicos” (Flowerdew, 2014, p. 178) e o corpus é mais um elemento para alcançar um dos principais objeivos dos estudos críicos baseados em corpus: revelar, no discurso (corpus) em questão, o discurso que não é óbvio, isto é, tudo aquilo que ‘não’ salta aos olhos do pesquisador. Observar criteriosamente grandes quanidades de texto é tarefa

19 By using a corpus, we at least are able to place a number of restricions on our cogniive biases. It becomes

less easy to be selecive about a single newspaper aricle when we are looking at hundreds of aricles – hopefully, overall paterns and trends should show through.

20 An associaion between two words, occurring repeiively in naturally occurring language, is beter evidence

sobre-humana, pois muitos dos senidos que um determinado discurso carrega não são passíveis de observação. Os estudos críicos do discurso baseados em corpus contam com a análise semiautomáica de grandes quanidades de texto, seu grande diferencial em relação à ACD tradicional:

A complexa sinergia de métodos, abordagens e ferramentas possibilitou uma aproxi- mação entre os dois campos [LC e ACD], não estando mais a linguísica de corpus lu- tuando pelas margens da análise do discurso, mas sim assumindo um papel central21. (Flowerdew, 2014, p. 183).

Já em 1998, Flowerdew, chamou atenção para o potencial da LC em análise do discurso e, desde então, as duas áreas passaram a convergir progressivamente. As diferenças epistemológicas – entre as quais, estar a ACD preocupada com o texto na íntegra e a LC fazer uso de amostras representaivas; ser a ACD qualitaiva e a LC quanitaiva; enfocar a ACD o conteúdo da linguagem e a LC na linguagem per se – diminuíram (McEnery et al, 2006, p. 111) e hoje a ACD e a LC são consideradas complementares (Parington, 2004). Ao mesmo tempo em que o corpus assume uma posição central na ACDBC, ele não é considerado um im em si nem a única fonte de dados e informação; a análise extrapola os contornos do corpus e a ele não se resume.

Na Análise Críica do Discurso Baseada em Corpus, a parir das interpretações dos dados oferecidos pelo corpus, o pesquisador está livre para alavancar elementos histórico-discursivos, eimológicos, ideológicos, intertextuais, ilosóicos etc, mesmo porque o corpus não é capaz de oferecer elementos sobre todos os aspectos abordados na ACD (e.g. produção, distribuição e consumo de textos, moiva- ção para produção do texto etc.).

Por im, a junção das metodologias da ACD, da LC e da ACDBC possibilita, além de uma triangulação teórica, a triangulação de análise, isto é, segundo Layder (1993), o emprego de diversos métodos de análise ou ipos de dados no estudo com o im de promover: a veriicação das hipóteses por mais de um meio, interpretações e explicações mais robustas por parte do pesquisador e lexibilidade para lidar com os diversos aspectos da pesquisa.