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O paradoxo da escolaridade: educação mais renda é igual a cesárea

Deinição de relato de parto

4. O contexto do nascimento no Brasil e seus paradoxos Para compreender o discurso dos relatos de parto nos termos da análise críica do discurso, é impres-

4.1. O paradoxo da escolaridade: educação mais renda é igual a cesárea

O primeiro paradoxo que nos chamou atenção e norteou todo o entendimento dos demais foi o para- doxo da escolaridade, o qual corresponde ao fato de que quanto maior a escolaridade – e, também, quanto maior a renda – da mulher brasileira, maior a chance de ela ser submeida a uma cirurgia cesariana.

Enquanto a Organização Mundial da Saúde recomenda, no máximo, 15% de cesarianas (WHO, 1985), segundo o relatório Saúde Brasil 2011 (Ministério da Saúde, 2012), a taxa de cesáreas no Brasil que era de 32% em 1994, saltou para 52% em 2010. Os números, porém, não são uniformes para o país inteiro. São, por exemplo, menores nas regiões Norte e Nordeste, fazendo com que a média do país caia. Por outro lado, no Sudeste industrializado, a cidade de Ribeirão Preto, por exemplo, já em 1978 ostentava um índice de cesárea de 30,3%. Em 1994, a cidade aingira 50,8%, percentual próximo à média nacional para o ano de 2010. Ainda no Sudeste, a taxa para a cidade de São Paulo entre janeiro e outubro de 2013 (99.092 nascimentos) foi de 41,83% de nascimentos por parto normal e de 58,17% por via cirúrgica.

Tabela 02. Total de nascidos vivos no município de São Paulo até outubro de 2013 (SINASC, 2014)

A porcentagem de cesáreas é ainda maior nos hospitais e maternidades não públicas (63,6%). Entre as maternidades não públicas estão incluídas as pariculares bem como as conveniadas com o Sistema Único de Saúde (SUS). Essas úlimas fazem a média decrescer por receberem recursos públicos e esta- rem vinculadas às metas estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Por outro lado, dentre as pariculares não conveniadas, a média de cesarianas para 2012 foi de 87,34% em São Paulo, segundo o SINASC (Sis- tema de Informações de Nascidos Vivos). Naquele ano, houve 32.929 nascimentos nas seis principais maternidades da cidade. Desse número, 28.761 (87,35%) foram cirúrgicos e apenas 4.167 (12,65%) normais.

Tabela 03. Total de nascidos vivos por mães residentes no município de São Paulo por ipo de parto segundo hospital ou maternidade pariculares (SINASC, 2014)

Apesar de o índice de nascimentos cirúrgicos no Brasil ter aumentando constantemente desde a déca- da de 70, a velocidade do aumento desses nascimentos foi muito maior nas insituições não convenia- das, como se veriica a parir da tabela abaixo. Em 2012, em termos percentuais, o número de cesáreas nas insituições não conveniadas icou entre 80,2% e 92,7%.

Hospital/Maternidade Partos vaginais

Cirurgias cesarianas Total Taxa de cesárea (%) Santa Catarina 216 2.294 2.510 91,3 Pro Matre 975 7.897 8.872 89

São Luiz – Itaim 893 4.950 5.843 84,7

Albert Einstein 667 2.709 3.376 80,2

Santa Joana 1.299 9.420 10.720 87,8

São Luiz – Anália Franco 117 1.491 1.608 92,7

Total/Média 4.167 28.761 32.929 87,6

Tabela 04. Total de NV por mães residentes MSP por ipo de parto segundo hospital ou maternidade pariculares (SINASC, 2014)

As insituições acima atendem a população de alto nível socioeconômico, majoritariamente branca. No Brasil, maiores taxas de cesarianas estão associadas a mulheres brancas, com melhores condições socioeconômicas e aos hospitais privados (Freitas et al, 2005). As taxas das insituições pariculares, as quais atendem sobretudo uma população de menor risco, colidem com as taxas dos hospitais do SUS, os quais recebem “um grande número de encaminhamentos de parto de alto risco” (Perpétuo et al, 1998).

O recorte racial se faz notar, tanto para a rede pública como para a paricular, do estado do Maranhão (Mandarino, 2009) ao Rio Grande do Sul (Freitas et al, 2005). Ou seja, é mais provável uma mulher branca ser submeida a uma cesariana na rede pública que uma mulher negra.

Tabela 05. Total de nascidos vivos por mães residentes no município de São Paulo por ipo de parto e cor (SINASC, 2014).

O número de cesáreas é também maior na faixa de maior escolaridade. Segundo o SINASC do municí- pio de São Paulo, dois terços dos nascimentos de bebês de mulheres brancas com mais de 12 anos de escolaridade são operatórios.

Tabela 06. Total de nascidos vivos por mães residentes no município de São Paulo por ipo de parto, cor e 12 anos escolaridade (SINASC, 2014).

Na faixa de menor escolaridade, o número cai para cerca de metade, mas ainda assim se mantém pa- tamares que contrariam as recomendações da OMS.

Tabela 07. Total de nascidos vivos por mães residentes no município de São Paulo por ipo de parto, cor e 1 a 3 anos de escolaridade (SINASC, 2014).

O fator escolaridade no Brasil, portanto, desempenha um papel paradoxal. É maior o número de cesá- reas na faixa de mulheres com melhores índices socioeconômicos e, consequentemente, com menor risco em potencial e com maior acesso à informação. As taxas de cesárea de acordo com o nível de escolaridade para o Brasil segundo a BEMFAM (1997) foram:

Escolariadade Taxa de cesárea

até 3 anos 13%

até 7 anos 37%

até 11 anos 55% 12 anos ou mais 81%

Tabela 08. Taxa de cesárea por escolaridade (BEMFAM, 1997)

A alta escolaridade operaria de duas maneiras para aumentar a chance da cesariana. Na rede privada, se traduz pela capacidade de pagar pelo procedimento, na rede pública, pela capacidade de negociar com o obstetra, durante o pré-natal, a possibilidade de fazer a cirurgia (Freitas & Behague, 1995). A escolaridade alta também está diretamente relacionada ao acesso ao judiciário, pois quanto maior a escolaridade e a renda, maior a uilização do judiciário (Cunha et al, 2013). Vemos, no Brasil, por exem- plo, mulheres de alta escolaridade buscando cesarianas por meio de tutela antecipada para garanir, por exemplo, a combinação da cirurgia com ligadura tubária na rede privada.

Ao ser a via de nascimento ‘preferida’ pelas elites, a cesariana se tornaria um símbolo de status, repre- sentando atendimento de qualidade enquanto os partos vaginais são representados como demorados, diíceis e dolorosos (Souza, 1994) e uma caracterísica do sistema público de saúde. Por não exercer ‘sua preferência’, as mulheres de baixa renda interpretariam a cesariana como mais uma manifestação

dos diversos ipos de discriminação que sofrem no atendimento à saúde por não poderem pagar pelo procedimento (Souza, 1994), já que ter uma cesárea no sistema público viraria ‘objeto de desejo’ e representaria ‘status’ e ‘privilégio’ (Perpétuo et al 1998, p. 104).

Nessa leitura, a cesárea seria interpretada como a ‘escolha’ – naturalmente informada –, das mulheres de alta escolaridade que podem pagar por uma cirurgia e como um ‘privilégio’ negado às mulheres de baixa renda dependentes do sistema público. Consequentemente, todas as mulheres brasileiras desejariam um nascimento cirúrgico e explicadas estariam as altas taxas de cesariana no país. É esse um dos argumentos produzidos e reproduzidos pelos médicos para jusiicar as altas taxas de cesariana (Hopkins, 2000). Mas, o que, de fato, querem as mulheres?