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Análise do consumo nas sociedades contemporâneas

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Capítulo 1 – Levantamento teórico

1.1 Análise do consumo nas sociedades contemporâneas

A fim de compreender com mais clareza o universo das marcas e a relação emocio- nal que elas estabelecem com os clientes, é pertinente que este estudo se inicie por uma investigação sobre a importância do próprio consumo nas sociedades contempo- râneas, pois como enfatiza Semprini (2010, p. 56), é justamente das lógicas do con- sumo, isto é, das razões pelas quais as pessoas consomem, bem como do contexto sociocultural que as marcas retiram sua vitalidade e o propósito de existirem. Logo, pode-se buscar inicialmente em Bauman (2008), Douglas e Isherwood (2013), Lipovet- sky (2007), Quessada (2003) e Santos (2015) como o consumo é capaz de classificar as pessoas e lhes atribuir significado, por outro lado excluindo todos os que não podem contribuir com a engrenagem que faz progredir a economia das sociedades capitalis- tas. Santos (2015, p. 114), aliás, afirma que o processo de globalização, ocorrido na década de 1990, acabou por agravar ainda mais as diferenças sociais e elevar a quan- tidade de pobres e marginalizados no planeta. Nesse sentido, tanto Bauman (2008, p. 156-157) quanto Lipovetsky (2007, p. 191) são enfáticos ao considerar que os pobres, tais como os mendigos, pedintes ou moradores de rua não são considerados exata- mente uma classe social, mas sim uma subclasse, ou seja, um grupo rejeitado de indi- víduos justamente por não possuírem capacidades de consumir. Como complementa Quessada (2003, p. 55), não há para eles nenhum modo de inscrição social, restando as sansões de uma prática antiga da humanidade, que é a do banimento.

Junto aos mencionados autores que dissertam a respeito do consumo, também se podem incluir os trabalhos de Zohar e Marshall (2006) e Canclini (2015), bem como as contribuições de Ferraz e Machado (2014) e de Galindo e Pereira (2017), cujas pers- pectivas não apenas se encontram no viés da comunicação, mas também da antropo- logia e da sociologia. Em suma, por uma leitura aos trabalhos de todos esses autores, é possível logo perceber que as dimensões do consumo estendem-se a diferentes aspectos, sejam a saciação de necessidades fisiológicas e psicológicas, sejam a bus- ca por prazer e felicidade ou, ainda, até uma possível emulação social, como imagina Veblen (1983, p. 16). Logo, se o intuito do segundo capítulo é o aprofundamento sobre as motivações que alicerçam o consumo na pós-modernidade, parece então adequa- do começar a investigação sobre o que há de mais elementar no consumo, que é a saciação das necessidades humanas mais básicas, inerentes à sobrevivência.

Vale a pena estudar, nesse sentido, as obras de alguns autores que pesquisam o comportamento do consumidor, bem como as motivações que fazem os indivíduos adquirirem bens. Nesse campo, é importante destacar o trabalho de dois psicólogos, em especial, cujas contribuições, datadas ainda da primeira metade do século XX, foram de grande relevância para as análises das necessidades humanas e as pos-

síveis motivações para supri-las. Consagrados por seus estudos, Murray (1938) e Maslow (1943) se propuseram a classificar as necessidades humanas em diferentes categorias, cada qual utilizando um método diferente de estruturação. Certamente a corrente teórica defendida por esses dois pesquisadores não foi a primeira nem é a única da psicologia que procura compreender as motivação que orientam o ser huma- no e o conduzem à ação. Por exemplo, Oliveira et al. (2010, p. 3-4) lembram a teoria behaviorista, defendida por John Watson em 1912; a teoria cognitivista, surgida na década de 1970, a partir de pesquisadores que rejeitavam a abordagem behaviorista; ou ainda a teoria psicanalítica, que tem em Sigmund Freud seu fundador.

Sem deixar de reconhecer as valiosas contribuições dessas outras teorias, vale a pena destacar especificamente a teoria humanista de Maslow (1943) pelo fato de sua classificação sugerir uma hierarquia que progride das necessidades mais urgentes para as menos urgentes, a qual os humanos supostamente acabariam seguindo na- turalmente ao longo da vida. Em outras palavras, originalmente, para esse psicólogo (1943, p. 374), somente após ter saciado a fome e a sede (necessidades fisiológicas) as pessoas pensariam em outras necessidades consideradas menos urgentes, tais como status ou autorrealização (necessidades psicológicas ou sociais).

Diversos autores, como Campbell (2001), Sheth, Mittal e Newman (2001), Solomon (2002), Blackwell, Miniard e Engel (2009), Schweriner (2006) e Schiffman e Kanuk (2012) discutem a abordagem de Maslow (1943) e incluem até mesmo suas pró- prias contribuições ou possíveis atualizações para o modelo estrutural por ele propos- to. Seja como for, a leitura a esses estudos possibilita verificar que as pessoas não seguem exatamente uma ordem específica para saciação de necessidades, já que, como complementa Yanaze (2011, p. 45), tanto as necessidades fisiológicas como as psicológicas manifestam-se ou revelam-se em proporções e formas muito diferentes, o que justifica algumas estarem em maior evidência do que outras, dependendo das condições de vida ou motivações de cada um. Logo, alguém poderia estar muito mais interessado em poder ou estima do que na segurança de seu lar; outros deixariam de investir em uma boa alimentação só para poupar dinheiro e adquirir supérfluos, como um novo celular ou novos calçados, que lhes trariam mais prazer ou até status.

Não é possível, aliás, suprir todas as necessidades, muito menos todas ao mesmo tempo. Por essa razão, com recursos sempre limitados, Martins (2007, p. 24) acres- centa que cada pessoa, em vez de seguir uma ordem lógica quanto a saciação de suas necessidades, acaba por escolher aquilo que lhe parece trazer mais satisfação, ou, como diz Canclini (2015, p. 35), aquilo que considera mais valioso em vez de mais urgente. Para Zohar e Marshall (2006, p. 32-36), o próprio Maslow, no final de sua vida, lamentou a ordem que classificou originalmente as necessidades humanas (das fisiológicas para as psicológicas), alegando que sua hierarquia talvez devesse

ser invertida, já que muitos consideram a autorrealização e o status como algo mais importante ou urgente do que questões fisiológicas ou de proteção.

Mesmo sabendo que os recursos são limitados, Campbell (2001, p. 58) e McCrac- ken (2003, p. 133) não deixam de notar um aspecto característico do consumo nas sociedades atuais, que é a insaciabilidade. Ou seja, independente de quantos recur- sos possuem, as pessoas nunca parecem satisfeitas com seus bens; elas querem sempre mais, sempre renovar, atualizar ou obter a tecnologia mais recente. Logo, não é surpresa que hoje o mercado apresente tantas opções para a saciação de neces- sidades; alguém que está com fome pode escolher um prato de arroz e feijão, uma pizza, um lanche e muito mais. É justamente dessa enorme possibilidade de escolhas (desde que se tenha capital suficiente para isso) que as necessidades manifestam-se em desejos. Para Schweriner (2006, p. 36), se as necessidades são relativamente uniformes e em número limitado, os desejos, ao contrário, são incrivelmente variados, quase ilimitados e sempre em crescimento a partir de novos produtos, novas mar- cas e novas alternativas. Posto dessa forma, tamanha diversidade não mais limita o consumo à manutenção da vida; essa, afinal, é uma grande diferença do homem em relação aos outros seres vivos do planeta, pois como argumentam Schweriner (2006), assim como Baudrillard (2007), Lipovetsky (2007) e também Malta e Galindo (2014), o consumo não pode ser reduzido apenas à saciação de necessidades, já que o ser humano é, em si, um ser desejante que busca prazer e que atribui valor a seus bens.

Na prática, tamanha quantidade de bens faz com que o consumo deixe de ser en- tendido apenas como uma prática para saciação de carências e se transforme muito mais em um comportamento hedonista, que anseia por prazer. Mais especificamente, em Campbell (2001), Schweriner (2006), Baudrillard (2007), Lindstrom (2009), Kotler,

Kartajaya e Setiawan (2010), Schiffman e Kanuk (2012), Kotler e Keller (2012), Dou- glas e Isherwood (2013) e em Galindo e Malta (2014) torna-se possível avaliar o quan- to a busca por prazer e por felicidade encontram no consumo um caminho sedutor e de consideráveis possibilidades. Para Lipovetsky (2007, p. 39), aliás, o prazer e a felicidade são os principais motivos que fazem as pessoas buscarem por novos bens, considerando que a aquisição de objetos pode proporcionar tanta satisfação quanto uma conquista pessoal: assim, se o prazer gera excitação e bem-estar, não é de ad- mirar que Lindstrom (2009, p. 62), a partir de estudos neurocientíficos, perceba que as pessoas, sempre que possível, querem mesmo é obter muito prazer ao consumir.

Não se pode negar, como demonstram Campbell (2001), McCracken (2003), Sch- weriner (2006) e Canclini (2015), que os objetos não são feitos para durarem eterna- mente; ou seja, há neles um fator de obsolescência que o fazem resistir por um pe- ríodo bastante relativo de tempo. No entanto, mesmo se eles durassem para sempre, certamente seriam trocados por novas variações e modelos, assim que o consumidor

tivesse condições, já que, para Campbell (2001, p. 131) e McCracken (2003, p. 144), os produtos adquiridos perdem sua capacidade de trazer felicidade: isso se reflete na extinção do prazer (sempre temporário) e motiva novamente as pessoas a buscarem outros bens para conseguir, mais uma vez, a deliciosa sensação de felicidade e bem- -estar. Como diz Bauman (2008, p. 51), a oferta de produtos tem em seu âmago aquilo que a humanidade persegue desde os tempos imemoráveis, que é a felicidade.

Obviamente, Olivieri (2012) lembra que a ideia de felicidade é um assunto já dis- cutido há séculos por filósofos de diferentes gerações. A própria Bíblia Sagrada, por exemplo, a partir de Mateus (6:24-26, p. 1187), sugere que a felicidade deve ser pau- tada pelo amor ao próximo e pela devoção a Deus; no entanto, tratando-se das socie- dades contemporâneas em que o consumo se faz tão presente, é um fato que muitos acabam procurando, no consumo dos objetos, um caminho rápido para a felicidade, seduzidos pela ideia de ser feliz, aqui e agora. Como diz Schweriner (2006, p. 2), al- guém até pode tentar ser feliz na ausência de riquezas, status, poder ou fama, contu- do, se as escolhas de cada pessoa são mediadas pelo tempo, cada vez mais escasso, o consumo acaba por se tornar uma saída bastante tentadora, já que a aquisição de bens pode gerar prazer, bem-estar e, supostamente, remeter à felicidade.

Vale considerar ainda que, para ter prestígio, parece não bastar ao indivíduo ape- nas ter dinheiro ou posses: é preciso que ele demonstre aos outros sua capacidade de consumir, a fim de que possa legitimar sua posição social. Assim também pen- sam Veblen (1983), McCracken (2003), Quessada (2003), Baudrillard (2007), Bauman (2008), Blackwell, Miniard e Engel (2009), Lindstrom (2012a) e Douglas e Isherwood (2013), para os quais o consumo também pode ser entendido como um legítimo re- curso comunicacional, capaz de qualificar as pessoas e instituir classes. Em outras palavras, pelo consumo, alguém pode buscar status e ter a possibilidade de pertencer, pelo menos momentaneamente, a um grupo específico de indivíduos. Nesse caso, se a função essencial do consumo, como dizem Douglas e Isherwood (2013, p. 106), é sua capacidade de dar sentido, então Baudrillard (2007, p. 50-51) está correto ao afir- mar que: “perante as necessidades e o princípio de satisfação, todos os homens são

iguais, porque todos eles são iguais diante do valor de uso dos objectos e dos bens." Se o consumo, portanto, se constitui como um recurso comunicacional e se a co- municação, como diz Maffesoli (2003, p. 13), é o “cimento social” que relaciona as pessoas, as marcas passam a ter grande importância nas sociedades, pois consti- tuem um sistema de balizamento que permite a cada um classificar-se e classificar os outros; pelas marcas, explica Quessada (2003, p. 132-133), as pessoas qualificam o consumo; por elas também demonstram a quais grupos pertencem, bem como seus estilos de vida. Isso faz das marcas, nesse sentido, uma necessidade real para de- monstrar os valores de cada indivíduo perante seus pares ou sua comunidade.

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