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Do consumo ao estudo das marcas

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Capítulo 1 – Levantamento teórico

1.2 Do consumo ao estudo das marcas

Nem sempre as marcas tiveram esse papel simbólico de qualificar os indivíduos. Nem sempre, aliás, foram tão influentes no cotidiano dos seres humanos como hoje elas são. Posto dessa forma, a fim de avançar com a pesquisa e se aprofundar nas marcas comerciais e na relevância delas nas sociedades atuais, vale a pena resgatar um pouco da história sobre como as respectivas marcas, ao longo dos tempos, deixa- ram seu caráter meramente utilitarista ou funcional de identificação dos fabricantes de produtos para se tornarem signos que atribuem valor àqueles que as usam.

Um breve resgate histórico acerca do nascimento das marcas e de sua evolução ao longo das décadas pode ser encontrado em autores de administração, comunica- ção, gestão de marcas, semiótica ou marketing, tais como Quessada (2003), Khauaja e Prado (2008), Costa (2011), Klein (2009), Semprini (2010), Kotler e Keller (2012) e Perez (2016). Conforme descreve Quessada (2003, p. 137), a origem da palavra marca (brand) provém da palavra anglo-americana "brandon", que corresponde a um instrumento empregado para marcar o gado a ferro quente. Os primeiros vestígios de marcas deixam bastante evidente que o propósito fundamental desses signos era jus- tamente o ato de marcar, isto é, de identificar quem era o fabricante de um produto ou de onde ele vinha. Isso equivale a dizer que as marcas nasceram, fundamentalmente, do princípio de marcação, seja por incisão ou pressão, em diversas superfícies, tais como a pedra, o barro fresco ou até a pele de animais. Tratava-se, em outras pala- vras, de marcas de identidade, cujo propósito não mudou muito em relação ao uso por egípcios, na Grécia Antiga ou até mesmo no início da Idade Média.

Não há como situar com precisão quando as marcas com finalidades comerciais surgiram na história, no entanto, Khauaja e Prado (2008, p. 12) e Perez (2016, p. 7) estimam que é provável que elas tenham se originado no campo das artes, mais espe- cificamente quando escultores começaram a assinar seus trabalhos para vendê-los, há cerca de 1.300 a.C. Já em meados da Idade Média, sinais de marcas aparecem na Europa, porque as associações medievais passaram a obrigar os artesãos a colo- carem marcas em seus produtos, a fim de proteger a eles e aos consumidores contra ofertas de qualidade inferior, o que poderia gerar punições aos produtores.

A Idade Média, aliás, representou uma evolução para as marcas, pois foi nessa época, diz Costa (2011, p. 48), que começam a ser reproduzidas em cores, sobretudo em escudos, brasões, estandartes, emblemas, insígnias, etc., a fim de distinguir os exércitos nas guerras. No período do Renascimento, novamente é possível encontrar sinais de artistas, sobretudo os famosos (como pintores, escultores e outros), que as- sinavam suas obras e isso já influenciava as avaliações comerciais da época.

Mas foi na Revolução Industrial, desencadeada na Europa no século XVIII, que houve um salto evolutivo em relação às marcas e à atuação delas nas sociedades. Como destaca Klein (2009, p. 29), isso ocorreu porque as máquinas, isto é, a capaci- dade industrial, permitiu que os produtos fossem produzidos em escala e em variadas formas, o que inundou o mercado com milhares de ofertas. Também não se deve es- quecer, conforme enfatizam McCracken (2003, p. 42) e Lipovetsky (2007, p. 27-36), que o século XVIII não foi apenas uma revolução para a indústria, mas também para o consumo, já que a produção em massa reconfigurou o espaço e o tempo para tornar as atividades consumistas parte do cotidiano e dos interesses pessoais.

A acentuação da competitividade e de consumo, enfim, fizeram das marcas uma necessidade real, transformando o mercado, antes rudimentar, em um sistema mais organizado de negócios. De lá para cá, a concorrência cresceu em ritmo mais ace- lerado, obrigando as empresas a encontrarem maneiras de destacar seus produtos.

Daí nasceram os primeiros sinais de publicidade, cuja gênese, como prossegue Klein (2009, p. 29), data do século XVIII, principalmente nos Estados Unidos, Inglater- ra e Alemanha, tendo como suporte o uso de cartazes e anúncios redigidos. Entre os séculos XIX e XX, outros meios comunicacionais foram inventados, tais como o rádio ou o cinema, no entanto, os anúncios, em quaisquer dessas mídias, focavam mais o produto e não exatamente a marca, que permanecia em segundo plano.

Com o passar do tempo, tendo em vista o contínuo avanço das tecnologias de produção e a crescente concorrência, a publicidade se viu obrigada a evoluir e gra- dualmente apoiar a construção de imagens significativas em torno de produtos. Como avaliam Costa (2011, p. 67) e Khauaja e Prado (2008, p. 13), em meados do século XX a marca tornou-se central para as empresas acentuarem a diferenciação e justifi- carem até mesmo os preços cobrados por suas ofertas. Pela construção e difusão da imagem corporativa, certas marcas passaram a ter valores extraordinários, bem como compreenderam que elas poderiam fabricar produtos; no entanto neles, existe um importante elemento que influencia a compra: a própria marca (KLEIN, 2009, p. 31).

Semprini (2010, p. 26) menciona quatro fases que acompanham o andamento das marcas a partir da metade do século XX, caracterizadas por oscilações entre pontos altos e baixos, de crescimentos e crises. Na primeira fase (de 1958 a 1973), as marcas instalaram-se nos supermercados e sustentaram a ideia de evolução, modernidade ou progresso antes condicionada a produtos do campo e a produção artesanal vendida no varejo ou a granel. Já a segunda fase (1973 a 1977) marcou um desaquecimento brutal e repentino na economia, o que se refletiu em grande crise para as marcas. Esse cenário só foi alterado na terceira fase (1977 a 2001), com a retomada do crescimento e o notável desenvolvimento da comunicação publicitária, tendo por base, sobretudo, a oferta televisiva e de rádio que fez as marcas ultrapassarem a dimensão comercial

para invadirem, como nunca, o espaço social. Nesse período, muitas marcas também procuraram extrapolar seu espectro de atuação para outras diferentes mídias: elas não apenas queriam usar a televisão, o rádio ou os anúncios impressos, mas passaram a recorrer a patrocínios e outros recursos que poderiam ampliar a identidade e, conse- quentemente, o valor da marca. Como completa Klein (2008, p. 32), esse foi um perío- do de ouro para as agências de publicidade, que puderam argumentar que investir em comunicação de marca era como investir em capital puro!

Para Semprini (2010, p. 32), as marcas chegaram ao final de 1990 em situação paradoxal, pois nunca foram tão poderosas, mas, ao mesmo tempo, mostravam múl- tiplas linhas de fratura, frágeis a qualquer mudança da conjuntura econômica. Assim, a quarta fase no andamento das marcas (analisando-se a partir de meados do século XX) iniciou-se na virada dos séculos XX e XXI, tendo como consequência o estouro da bolsa de valores, os atentados em Manhattan (em 2001), a guerra no Iraque e a re- cessão econômica decorrente. Instalaram-se, nesse período, novamente a dúvida e a desconfiança em relação às marcas, bem como se verificou a necessidade de serem introduzidos freios ou sistemas de controle financeiro para os negócios. As marcas não deixaram de crescer, mas aprenderam que sua estreita relação com a economia e a sociedade deveria ser mantida em equilíbrio a fim de evitar instabilidades.

Nas décadas mais recentes, Semprini (2010, p. 56-93) assegura que as marcas estruturam-se por três dimensões que sustentam sua existência e que, portanto, pre- cisam ser estudadas com mais ênfase: a dimensão do consumo, da economia e da comunicação. Aliás, no consumo, Semprini (2010, p. 56-93) destaca cinco tendências que ajudam no crescimento das marcas: o individualismo, o culto ao corpo, a tendên- cia à mobilidade, a busca pelo imaterial e também a valorização de imaginários.

A relação entre marca e a dimensão econômica é menos evidente do que a relação com a dimensão do consumo, embora certamente a primeira não seja menos impor- tante do que a segunda. A economia tem papel essencial no andamento das marcas e não é surpresa que autores como Franck e Cook (1995), Braig e Tybout (2006), Martins (2007), Douglas e Isherwood (2013), Aaker (2015) e Perez (2016) entendam a marca como um dos bens intangíveis mais valiosos que qualquer empresa pode possuir. O ranking da Forbes (THE WORLD’S..., 2018) lista as marcas mais valiosas do mundo, que valem bilhões, mas elas não são tão valiosas porque possuem bens tangíveis que somam esse montante; seu valor está na identidade que souberam construir e gerenciar entre seus milhares de consumidores de diversas regiões do mundo. Aliás, Franck e Cook (1995) demonstram com cifras e comparações estatísti- cas que quanto mais uma marca é conhecida, preferida ou valorizada, tanto mais ela pode ampliar sua popularidade, ganhar território ou fazer seus produtos alcançarem recorde de vendas. Essas marcas de alta credibilidade são, especificamente, o que

Franck e Cook (1995) chamam de “vencedoras”, cuja posição favorável tende a ser cada vez mais distante em relação aos concorrentes. Acima de tudo, esses autores indicam o quanto a marca e a dimensão econômica possuem relações indissociáveis. Já a terceira dimensão mencionada por Semprini (2010, p. 56-93), que é a da comunicação, sustenta-se por múltiplas opções que as marcas podem usar para di- fundir seu projeto de sentidos, bem como se destacarem em meio à concorrência. É muito importante que a comunicação de marca seja eficiente, pois como garante San- tos (2015, p. 40), seria extremamente difícil sobreviver à enorme competitividade caso não houvesse um excelente planejamento ou suporte comunicacional.

Considerando a exagerada quantidade de anúncios ou mensagens veiculadas dia- riamente em todas as mídias tradicionais, tais como jornais, revistas, rádios e televi- sões, Quessada (2003, p. 77) e Lipovetsky (2007, p. 175) não deixam de evidenciar o quanto atividades “extramídia”, como relações públicas, publicidade no ponto de ven- da, patrocínios, etc., estão ganhando espaço junto aos planejamentos comunicacio- nais das marcas. Aliás, Galindo e Gonçalves (2015, p. 2-3) enfatizam que, atualmente, as narrativas comunicacionais não devem apenas enviar mensagens, mas sim tentar envolver os consumidores por elementos que extrapolam o consumo material: quanto mais as pessoas sentirem-se incluídas e parte da narrativa, mais oportunidades há de elas prestarem atenção (cada vez mais escassa) e serem impactadas pelas marcas. Esse é o princípio do chamado “marketing de relacionamento” que, como prosseguem Galindo e Gonçalves (2015, p. 13), procura operar por meio das sensações, do afeto e das experiências, envolvendo o consumo em uma experiência holística, emocional e complexa que perdura até mesmo após a aquisição de qualquer bem.

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